A. Porque é que só reparamos no vistoso e no ruidoso?
- Quem com Deus se quiser encontrar, muito atento deve estar. Deus vem ao nosso encontro de muitas formas. Umas vezes, manifesta-Se da maneira bem notória. Outras vezes, entra de um modo muito discreto na nossa história. Sucede que, habitualmente, nós só reparamos no vistoso e no ruidoso. Esquecemos que Deus também Se revela na obscuridade e também fala no silêncio.
Acompanhamos Elias na sua subida ao «monte de Deus» (1Rs 19, 9). O profeta estava desalentado com o comportamento do povo. O seu refúgio foi o monte, lugar de revelação por excelência.
- Passou a noite numa gruta. Foi aí que ouviu a interpelação de Deus: «Que fazes aqui, Elias?» O profeta, na resposta, verte todo o seu desapontamento, todo o seu desânimo. Ele estava triste porque os membros do povo eleito tinham abandonado a Aliança, derrubado os altares e assassinado os profetas (cf. 1Rs 19, 10). Quem não ficaria abalado com um cenário destes? Aliás, o próprio Elias também estava sob ameaça de morte.
O Senhor ordena-lhe que saia da gruta e que fique à Sua espera (cf. 1Rs 19, 11). É preciso sair para o Senhor ouvir. É imperioso sair de nós para acolher a divina voz. Pelo desenvolvimento do texto, notamos que Elias não saiu logo. Mas pôs-se à espera e à escuta.
B. Falamos de Deus, mas procuramos encontrarmo-nos com Deus?
3. Deus vai passar. Mas, desta vez, não é pelo ruído que Se deixa encontrar. Deus não estava no vento «rijo e tempestuoso», que «fendia as montanhas e quebrava os rochedos» (1 Rs 19, 11). Quem não repararia numa tal ventania? Mas não era aí que Deus Se encontrava. Sentiu-se, depois, um «abalo de terra» (cf. 1Rs 19, 11). Mas também não era aí que Deus estava. Acendeu-se um fogo, mas Deus também não estava no fogo (cf. 1Rs 19, 12).
Sobreveio, então, uma «ligeira brisa» (1Rs 19, 12), à maneira de um murmúrio suave. Foi esse murmúrio que tocou o fundo de Elias. Assim que o ouviu, o profeta saiu e o seu rosto cobriu (cf, 1Rs 19, 13)-
- Este texto é um convite a que regressemos às raízes da nossa fé. Tais raízes não estão no mais vistoso, mas no mais silencioso. Olhemos mais para a humildade de Deus. É claro que, na cultura do espectáculo em que nos encontramos, o silêncio e a humildade não gozam de muita aceitação.
Acontece, não raramente, que, em vez de levarmos a serenidade da igreja para a rua, trazemos o ruído da rua para a igreja. Andamos como que paralisados com tanta agitação. Até podemos falar muito de Deus. Mas que espaço damos ao encontro com Deus?
C. Reaprendamos a (indispensável) arte de parar
5. Importa perceber que escutar é fundamental para agir. É depois deste encontro que Elias se torna o instrumento pelo qual Deus relança uma aliança ameaçada pela infidelidade do povo. Por conseguinte, valorizemos as «brisas ligeiras» que podemos desfrutar nesta altura. Reaprendamos a (indispensável) arte de parar. Estamos num tempo em que nem nas férias paramos. A época das férias parece tão agitada como a época do trabalho. De resto, nesta altura, além da agitação dos dias, cresce (ainda mais) a agitação das noites.
Deus é a melhor brisa e o mais precioso tónico. Não é em vão que a Bíblia nos apresenta o Espírito de Deus como «ruah», isto é, como vento, como brisa.
- Apesar do nosso individualismo, parece que não temos vida interior. Urge reaprender, por isso, a educação para a interioridade. O Espírito Santo é o grande mestre da vida interior. A interioridade não nos enquista em nós. É a partir do interior que faremos a grande viagem para o interior dos outros. Sem vida interior, não somos inteiros, não estamos completos. É urgente, pois, descer mais fundo para chegar mais longe.
Jesus não Se privou desta interioridade. Ele tanto surge rodeado pela multidão como nos aparece, sozinho, em contemplação. Desta vez, vemos Jesus a despedir a multidão para ficar em meditação. Ele, que tinha saciado a fome natural, vai nutrir-Se com o alimento espiritual. Como Elias, também Jesus sobe para o monte em particular para rezar (cf. Mt 14, 23). É fundamental rezar em público, mas não é menos necessário rezar em privado. Nunca esqueçamos que Jesus é, antes de mais, um orante. O Evangelho anota que, ao cair da noite, Jesus continuava sozinho em oração (cf. Mt 14, 23).
D. Não tenhamos horror à solidão
7. Na vida, não podemos estar sempre sós nem sempre acompanhados. Ou seja, nem sempre em solidão, nem sempre em multidão. Aliás, se repararmos, não estamos necessariamente sós quando estamos sozinhos. A nossa solidão é mais habitada quando a presença de Deus é mais acolhida.
Não tenhamos horror à solidão. Às vezes, é decisivo estar só para nunca estarmos verdadeiramente sós. É na solidão que encontramos a melhor forma de superar a solidão. Escutemos Deus nas palavras que ouvimos, mas não deixemos de O acolher no silêncio que devemos fazer.
- É curioso notar que, no episódio que nos é descrito, está melhor Jesus sozinho do que os discípulos acompanhados. No fundo, quem está mais só são eles, os discípulos. Enquanto Jesus está em diálogo íntimo com o Pai, os discípulos estão sozinhos, em viagem sobre as águas.
Trata-se, porém, de uma viagem que não é fácil nem serena. Pelo contrário, trata-se de uma viagem bem tumultuosa. É de noite; o barco é açoitado pelas ondas e enfrenta ventos contrários (cf. Mt 14, 24). Eis o que, tantas vezes, nos acontece. A nossa vida parece uma viagem repleta de ventos contrários. A nossa perícia falha. As nossas competências não bastam. Apenas Jesus é a solução.
E. Jesus é o Deus de mão estendida
9. As ondas que açoitam o barco representam a hostilidade do mundo, que avança continuamente contra os enviados de Cristo. Não tenhamos ilusões. No mundo, temos de contar sempre com obstáculos. Por sua vez, os «ventos contrários» sinalizam toda e resistência ao projecto de Jesus.
Mas eis que Jesus vem. Jesus está sempre a vir, mesmo (e sobretudo) quando as águas estão mais agitadas. Jesus está sempre a vir, mesmo (e sobretudo) quando parece que nos vamos afundar. Jesus continua a vir ao nosso encontro «caminhando sobre o mar» (Mt 14, 26). A Bíblia ensina que caminhar sobre o mar é algo que só está ao alcance de Deus. Isto significa que Jesus é o Deus que vem até nós e o Deus que vela por nós. Jesus é o Deus que nos dá coragem. Jesus é o Deus que nos diz: «Não temais» (Mt 14, 27)
- Este Deus revelado em Jesus não é um fantasma (cf. Mt 14, 26). O Deus revelado em Jesus é real, é leal e sempre próximo. Por muito que nos queiram abater, com Cristo nada temos a temer. Quando Pedro se sente a afundar, eis a mão do Filho de Deus para o libertar.
Jesus é o Deus de mão estendida. Jesus é o Deus que nos estende a mão. Quando tudo parece terminar, Jesus vem até nós para de novo começar. Uma coisa, porém, temos de ter presente. As nossas forças, por si, pouco valem. Só em Cristo conseguimos vencer as dificuldades e ultrapassar os obstáculos. Foi, aliás, o que Ele recordou na Última Ceia: «Sem Mim, nada podeis fazer» (Jo 15, 5). A nossa maior ilusão é pensar que alguma coisa podemos sem Cristo. Não hesitemos, então, em gritar por socorro: «Salva-me, Senhor» (Mt 14, 30). A mão que salvou Pedro também nos salva, a nós. E se Jesus nos estende a Sua mão, nunca Lhe fechemos o nosso coração!