A. Não uma despedida, mas uma presença nova
- Faltam-nos as palavras para descrever o mistério que celebramos hoje. Acompanhamos Jesus no último momento da Sua peregrinação pela terra. Só que, a bem dizer, Jesus não Se ausenta. Acompanhamos Jesus no Seu regresso ao Pai. Só que, em boa verdade, Jesus nunca tinha deixado o Pai: Ele e o Pai foram — são — sempre um só (cf. Jo 10, 30).
A Ascensão não assinala uma despedida, mas inaugura um tempo novo e uma vida renovada. Jesus não deixou o Pai quando veio até ao mundo e, agora, não deixa o mundo quando volta até ao Pai. Jesus trouxe-nos o Pai, Jesus (e)leva-nos para o Pai. É também a nossa humanidade redimida, salva e transfigurada que vai com Ele. Nós (já) estamos com Ele na eternidade; Ele (ainda) está connosco no tempo. Enfim, o Céu continua na Terra e a Terra como que já está no Céu. Em Jesus Cristo, a eternidade e o tempo entrelaçam-se: não subsistem um sem o outro. No tempo que vivemos na Terra, já somos verdadeiramente «cidadãos do Céu»(Fil 3, 20), habitantes da «Casa do Senhor»(Sal 122, 1).
- A Ascensão de Jesus é o alicerce e a certeza da ascensão da humanidade. O destino de Jesus será o destino da humanidade quando os caminhos da humanidade forem os caminhos de Jesus. Jesus desceu até à humanidade para que a humanidade possa subir com Jesus. Verdadeiramente e como terá notado S. Francisco Xavier, «para Deus, sobe-se descendo». A Ascensão ilumina e aprofunda o significado da Ressurreição, à qual aliás está intimamente ligada: aquele que sobe às alturas do Céu é o mesmo que desceu às profundidades da Terra.
Eis a lição desta solenidade e, mais vastamente, de toda a vida de Jesus Cristo. Só se sobe quando se desce. Só se ganha quando se perde. Só se recebe quando se dá. A máxima exaltação veio após a suprema humilhação. Deus exaltou maximamente aquele que Se humilhou completamente (cf. Fil 2, 6-11).
B. Nós (já) com Ele na eternidade; Ele (ainda) connosco no tempo
3. Em Jesus Cristo, Deus vem até nós de uma forma totalmente humanizada. Em Jesus Cristo, nós vamos até Deus de uma forma totalmente divinizada. Não se trata de uma conquista nossa, mas de um puro dom de Deus. Trata-se não de endeusamento, mas de divinização («theosis»). Entramos no Céu pela porta de Cristo, pela porta que é Cristo (cf. Jo 10, 7). Como diziam os antigos, «Cristo sobe, levando conSigo os homens cativos da morte. Ele, o primeiro, Deus incarnado, entra no Céu». E, ao entrar, faz-nos entrar com Ele.
É por isso que a Ascensão, enquanto celebração do triunfo de Cristo, é também celebração do triunfo da humanidade unida a Cristo. Ele, que fez Seu o nosso sofrimento, permite que façamos nossa a Sua glória.
- Entretanto, Jesus continua presente no mundo, acompanhando os Seus discípulos em missão. S. Marcos diz-nos que o Senhor consolida a palavra dos Seus enviados (cf. Mc 16, 20). E S. Mateus refere a Sua promessa de que Ele estará sempre connosco, até ao fim dos tempos (cf. Mt 28, 20).
É, aliás, sobre a missão dos discípulos que incide o encontro de Jesus narrado pelo Livro dos Actos dos Apóstolos. Nele, Jesus pede aos discípulos que não se afastem até que venha o Prometido do Pai (cf. Act 1, 4). O Prometido do Pai é o Espírito Santo (cf. Act 1, 5). É o Espírito Santo que vai dar aos discípulos uma força suave — e uma suavidade forte — para que sejam testemunhas de Cristo «até aos confins da Terra»(Act 1, 8).
C. Este é o momento de caminhar na Terra, não de «olhar para o Céu»
5. Segundo o referido Livro dos Actos dos Apóstolos, foi após estas palavras que Jesus Se elevou (cf. Act 1, 9). Os discípulos deixaram de ver aquele que tinham visto e que, segundo os «dois homens vestidos de branco»(Act 1, 10), voltarão a ver quando voltar (cf. Act 1, 11). A partir de agora, podemos ver — e fazer ver — Jesus através do testemunho, através do testemunho da missão. Este ainda não é, pois, o momento de «olhar para o Céu» (cf. Act 1, 11). Este é o momento de «pisar a Terra». Este é o momento de trilhar todos os «caminhos da Terra». Este, em suma, é o tempo da Igreja, a nova corporeidade de Jesus (cf 1Cor 12).
Que resta, então, do rasto de Jesus? O que resta do rasto de Jesus chama-se precisamente Igreja. É na Igreja que Jesus dilata o Seu Corpo. É na Igreja que Jesus estende a Sua presença. É à Igreja que Jesus confia o Seu Evangelho: não apenas o Evangelho escrito, mas sobretudo o Evangelho inscrito; não apenas o Evangelho que encontramos no livro, mas acima de tudo o Evangelho que reencontramos na vida. O Evangelho é um permanente começo: é um começo a que nenhum tropeço consegue pôr fim.
- A Igreja, de todos fazemos parte, não é, por conseguinte, uma mera continuação da «causa de Jesus». A Igreja, de que todos fazemos parte, é uma nova presença do próprio Jesus. Eis, portanto, a boa — e bela — notícia que transportamos connosco: a presença de Jesus no mundo, a presença de Jesus em cada pessoa que há no mundo.
Não é por acaso que a Igreja assinala, neste Domingo da Ascensão, o Dia Mundial das Comunicações Sociais. A comunicação social, desde os meios mais clássicos até aos mais novíssimos recursos, faz-se portadora de notícias. Acontece que as notícias mais difundidas nem sempre são boas. E nem sempre as notícias boas são as mais difundidas. Como se isto não bastasse, há uma espécie de contágio. Parece que as notícias negativas atraem factos negativos. Quanto mais se fala de uma tragédia, tanto mais essa tragédia parece multiplicar-se.
D. A Igreja existe para comunicar
7. É claro que não podemos ignorar o que acontece. Mas também não desistamos do que pode vir a acontecer.
A comunicação social não pode limitar-se a ser um eco da realidade. Ela tem de procurar ser um agente de transformação da realidade.
- Nesta interacção inevitável, salta à vista que a comunicação social, para o bem e para o mal, foi alterando o perfil e o funcionamento da família. Será que a família não poderá alterar o perfil e o funcionamento da comunicação social?
Muitas vezes, confunde-se o combate ao preconceito com a ausência de critérios. Temos de reconhecer que nem sempre a comunicação social é amiga da família. Nem sempre os valores que ela veicula correspondem ao que se espera que sejam os valores da família. Talvez sem querer, a comunicação social arrisca-se, frequentemente, a contribuir mais para a destruição dos laços familiares do que para a consolidação desses mesmos laços familiares.
E. Nem tudo é para mostrar, nem tudo é para consumir
9. É certo que não podemos exigir que a comunicação social faça o que deve ser feito pela família. Mas pode ajudar ou, pelo menos, pode não complicar mais. A vida das famílias já não é fácil. Era bom que, sem contender com um sadio pluralismo, todos déssemos as mãos para não a tornarmos mais difícil.
Precisamos, por isso, de uma ética: não só para a produção, mas também para a utilização da comunicação social. Nem tudo é para mostrar, nem tudo é para consumir. Não se trata de advogar a censura, sempre abominável, mas de defender um necessário sentido crítico.
- Não pode ser a comunicação social a definir e a comandar a vida das famílias. As famílias é que devem definir e comandar a sua relação com a comunicação social. É preciso perceber que, não raramente, para se acompanhar o que se passa nos extremos do mundo, deixamos de acompanhar como devíamos o que se passa ao nosso lado. Trata-se de uma espécie de «comunicação incomunicante», uma comunicação que não comunica com quem está na nossa casa, com quem faz parte da nossa família.
O que celebramos na Ascensão é um poderoso estímulo para a missão, também na comunicação social. Procuremos converter as dificuldades em oportunidades. Não nos limitemos a pôr de lado os meios de comunicação social. Procuremos fazer tudo para que eles possam ser também meios de evangelização. Afinal, há tanto Evangelho para espalhar na vida. E há tanto Deus para semear no coração das pessoas!