A. Deus está sempre a chamar
- Qual terá sido a primeira coisa que nos aconteceu no mundo? Quais terão sido as primeiras palavras que nos foram ditas nesta vida? É claro que ninguém se lembra, mas creio que poucos terão dúvidas. A primeira coisa que nos aconteceu foi a nossa mãe chamar por nós. As primeiras palavras que nos dirigiram foram, com quase toda a certeza, as palavras do nosso nome, pronunciadas pela nossa mãe.
Assim é Deus connosco, assim faz Deus com cada um de nós. Deus chama por nós. Deus nunca Se cansa de chamar por nós. Como refere o Apocalipse, Ele está sempre à porta a chamar (cf. Ap 3, 20). Só que Deus nem sequer espera pelo nosso nascimento. No livro do profeta Jeremias, podemos encontrar este dado lapidar. Antes de cada um de nós nascer, Deus já está a chamar. Ele já nos conhecia antes de ser formados no ventre materno. Foi já aí que nos consagrou (cf. Jer 1, 5).
- Que resposta damos à Sua proposta? Que fazemos nós perante a Sua voz? Não será que, tantas vezes, Lhe fechamos o nosso coração? (cf. Sal 95, 8). Não é só para ver que precisamos do coração. Do coração precisamos também para ouvir. Parafraseando a conhecida máxima de Saint-Exupéry, diria que também só se ouve bem com o coração. Mas é preciso que o coração não esteja fechado; é preciso que o coração esteja aberto e sempre desperto.
Não são apenas as portas de casa que estão fechadas. Fechadas estão também muitas portas do nosso coração, muitas portas da nossa alma, muitas portas da nossa vida. Não fechemos, pois, o que Deus abriu. Deus está sempre a abrir todas as portas. Como dizia São João Paulo II, abramos nós também — escancaremos nós também — as portas ao Redentor.
B. Os principais chamamentos de Deus
3. A missão é uma invasão, uma saudável invasão. Deus está sempre a vir para a nossa vida invadir. Deus está sempre a chegar para o nosso mundo transformar. Deus chama como a nossa mãe, Deus chama como mãe. Sendo nosso Pai, Deus ama-nos com amor de mãe.
Daí que Deus esteja sempre a chamar para nos convocar. São sobretudo três os chamamentos que Deus faz. São especialmente três as convocações que Deus nos dirige.
- Deus chama-nos à vida. Deus chama-nos à fé. Deus chama-nos à missão. A iniciativa é sempre d’Ele. Neste sentido, por exemplo, a crise vocacional não é uma crise de chamamento, é uma crise de resposta. A crise da vocação só pode ser uma crise de atenção. Que tempo — e que oportunidade — damos a Deus? Que tempo — e que oportunidade — damos à escuta da voz de Deus?
Deus não pára de chamar. Será que nós nos desabituamos de responder? Como acabámos de ver, Deus nem sequer espera que nos desocupemos. Deus vem ter connosco mesmo quando estamos ocupados. Como saudável — e persistente — Invasor, Deus nunca deixa de nos acenar com o Seu amor.
C. Lancemos as redes e trabalhemos em rede
5. Encontramos Jesus a invadir a vida destes dois pares de irmãos. Primeiro foi ter com Pedro e seu irmão André, que estavam a lançar as redes (cf. Mt 4, 18). Depois, foi ter com Tiago e seu irmão João, que se encontravam a consertar as redes (cf. Mt 4, 21). No fundo, propôs-lhes que continuassem a mesma actividade. Propôs-lhes que continuassem a pescar. Só que, em vez de continuarem a pescar peixes, propôs-lhes que passassem a pescar homens (cf. Mt 4, 19).
Jesus quer que continuemos a lançar redes e que trabalhemos sempre em rede. É necessário lançar redes e é urgente trabalhar sempre em rede. O que, muitas vezes, nos falta é a prontidão e a disponibilidade destes quatro (primeiros) discípulos.
- Pedro e André deixaram logo as redes para seguir Jesus (cf. Mt 4, 20). Deixaram aquelas redes, mas continuaram a lançar redes: as redes do chamamento, as redes da fé, as redes da missão. Tiago e André foram ainda mais longe: deixaram o barco e o próprio pai (cf. Mt 4, 22). Tudo isto no mesmo instante em que ouviram o chamamento.
A presença de Jesus, em cada instante, é sempre instante. Ou seja, é uma presença que insta connosco, que surge em tons de urgência, que não admite adversativas, ressalvas ou alegações. Jesus é do género «tudo ou nada».
D. A missão só é total com uma entrega incondicional
7. Muitas vezes, a nossa resposta, quando acontece, parece cheia de adversativas, cheia de «mas», «porém», ´«contudo», «no entanto» (cf. Lc 9, 58-62). Afinal, ainda não estamos dispostos a ser invadidos por Deus. Ainda estamos muito ciosos da nossa independência, do nosso reduto, das nossas possessões.
Pensamos que aquilo que é nosso nos pertence, que vem de nós. Esquecemos que tudo é de Deus, que tudo vem de Deus, que tudo é dom de Deus. E esquecemos também que só com esta divina invasão é que ocorre a nossa libertação.
- Baixemos, então, as nossas defesas. Não entremos em disputa e cresçamos na escuta. Ouçamos a voz que nos chama, a voz de quem nos ama. É Deus quem nos chama à vida: vivamos segundo Deus. É Deus quem nos chama à fé: acreditemos sempre em Deus. É Deus quem nos chama à missão: entreguemo-nos a Deus de alma e coração.
Do que se trata na questão vocacional é de uma escuta atenta e de uma entrega total. A missão só é total com uma entrega incondicional. Mas, para termos a disponibilidade de Marta, é indispensável crescer na capacidade de escuta de Maria (cf. Lc 10, 38-42). Deus não quer mobilizar apenas o nosso agir. Ele pretende invadir todo o nosso ser.
E. Comecemos a anunciar Jesus pelas periferias sem luz
9. A oração é, por conseguinte, a eterna parteira da missão. Só quem escuta Jesus tem condições para seguir Jesus. Ele está sempre a nossa beira para invadir a nossa vida inteira. O Reino de Deus já não está próximo (cf. Mt 4, 17). O Reino de Deus já está no meio de nós. O apelo à conversão há-de ser, pois, cada vez mais acolhido no nosso coração.
A missão começa sempre pela conversão. Jesus não se esquece de tal apelo fazer. Estaremos nós com vontade de o acolher? Eis o que dos Seus lábios nos vem: «Arrependei-vos» (Mt 4, 17), hoje e amanhã também. Há quem faça gala de nunca se arrepender. Nesse caso, como pode a mudança acontecer?
- Em Cristo, Deus desce até à nossa obscuridade para nos oferecer luz da maior intensidade. Sem Cristo, seremos sempre um povo em trevas. Só na Sua luz, encontramos luz (cf. Sal 36, 9). Ele quer oferecer-nos a Sua luz, até porque Ele mesmo é a luz (cf. Jo 8, 12). Daí que Ele tenha começado a missão pelas periferias sem luz. De facto, é espantoso notar que Jesus não começa a missão pelo centro, Jerusalém, mas por Cafarnaum, no território de Zabulão e Neftali (cf. Mt 4, 13).
A terra de Zabulão ainda hoje faz divisão com o sul do Líbano e com a Síria. A terra de Neftali fica do outro lado do Jordão, já dentro do Líbano e da Síria actuais. Eram, portanto, territórios paganizados pela idolatria reinante. Já Isaías entreviu que uma grande luz aqui iria brilhar (cf. Is 9, 1-2). A grande luz, que é Jesus, nunca deixa de brilhar. Por ela deixemo-nos iluminar. Abramos, pois, o nosso coração à divina invasão. Quem por Deus se deixar invadir, paz e felicidade há-de sempre sentir!