- A relação do homem com a verdade está indelevelmente ligada à relação que o mesmo homem cultiva com a realidade.
Quem está longe da realidade não está perto da verdade.
- A verdade é o que a realidade imprime em cada um e o que é apreendido por cada qual.
Há, por conseguinte, na verdade uma componente objectiva e uma dimensão subjectiva.
- Isto significa que a verdade pode não ser uniforme, mas não deve ser deformada.
Uma coisa é comunicar a realidade. Outra coisa, bem diferente, é deformar a realidade.
- Thomas Eliot apercebeu-se de que «a raça humana não suporta muita realidade».
Só que a realidade é demasiado teimosa e, quase sempre, dolorosa. Sentindo-se impotente para a transformar, o homem cede frequentemente à tentação de a distorcer.
- Nestes tempos em que nada parece sólido, a realidade corre o risco de deixar de ser o que é para passar a ser o que cada um pensa que é.
É uma das implicações da «civilização do ligeiro» (Gilles Lipovetsky), em que nos encontramos.
- A distorção da realidade aparece, basicamente, sob a forma de negação, parcialização e fabricação.
E é assim que nos vamos distanciando, cada vez mais, de uma cultura baseada na verdade.
- O negacionismo é a negação da realidade como forma de escapar a uma verdade desconfortável, embora empiricamente comprovada.
Reparemos na negação do Holocausto. Mas há muitos mais negacionismos. Há quem persista em negar factos como forma de veicular uma personalidade diferente.
- A parcialização da realidade também concorre para o obscurecimento da verdade.
Tendo em conta que «a verdade é a totalidade» (Aristóteles), então uma parcela da verdade nunca pode ser vista como sendo a verdade.
- O que, entretanto, começa a despontar cada vez mais é a tendência para a «fabricação da verdade».
Penso sobretudo na propensão de muitos para mostrar o que não são e até o contrário do que são.
- Acontece que, se a pluriformidade é admissível, a duplicidade é totalmente condenável. Com que legitimidade se apresenta como branco o que está pintado de negro?
O problema é que, à força de tanto ser repetida, a mentira acaba por ser acolhida. Até que, um dia, o que está por descobrir acabe por se manifestar (cf. Lc 12, 2)!