A. Ser decente compensa?
- Neste mundo, não falta competência nem eficácia. O que faltará então para que as coisas funcionem? Falta honestidade, falta seriedade, falta decência. Há muita gente que se tornou perita na arte do engano e da astúcia. Mas porquê?
Generalizou-se a ideia de que quem é decente fica sempre prejudicado. A decência é apreciada, mas é pouco cultivada. É quase conectada com a ingenuidade. A pessoa decente é vista como uma pessoa boa, mas também ingénua.
- Em tempos, uma afamada apresentadora televisiva sentenciou que «quem tem ética passa fome». Descontando o óbvio exagero, a experiência ensina que a decência não facilita muito o acesso ao êxito. Mas antes a decência sem êxito do que o êxito sem decência.
Wladyslaw Bartoszeski recomendava: «Vale a pena ser decente, mesmo que muitas vezes não sejamos recompensados; não vale a pena ser indecente, ainda que muitas vezes possamos ser recompensados». Os dados estão lançados. A opção fica com cada um.
B. A esperteza dos desonestos
3. Em que consiste a decência? Para Vergílio Ferreira, uma conduta decente «consiste em manter cada um a sua dignidade sem prejudicar a liberdade alheia». Aliás, não é possível manter a dignidade quando se litiga com a liberdade dos outros. Ser digno é, precisamente, respeitar os outros.
É o que nós, muitas vezes, não fazemos. Foi o que este administrador não fez. Já tinha pecado pela indolência, desperdiçando os bens do seu senhor (cf. Lc 16, 16). Mas, reincidente, peca mais gravemente pela desonestidade e pelo despeito, convidando os devedores do seu senhor a declarar que deviam menos do que efectivamente deviam (cf. Lc 16, 5-7).
- Este administrador preferiu uma vida funesta a uma vida honesta, embora modesta: não queria procurar trabalho nem mendigar (cf. Lc 16, 3). Queria uma vida baseada na corrupção, no engano, na simulação. Nada a que, infelizmente, não estejamos habituados. E o certo é que os «mestres na arte do engano» costumam ser persuasivos e convincentes.
O próprio Jesus reconhece a mestria dos desonestos, daqueles que trocam a honradez pela mera esperteza: «Os filhos das trevas são mais espertos que os filhos da luz» (Lc 16, 8). Só que não há «crime perfeito» e, como avisa o mesmo Jesus, «não há nada oculto que não venha a descobrir-se» (Lc 12, 2). E quando o encoberto fica descoberto, o resultado não é bom. O que se ganhou com esperteza perde-se sem qualquer dignidade.
C. A gula pelo dinheiro
5. Não existe gula apenas em relação aos alimentos. Também existe gula em relação ao dinheiro. Há quem nunca esteja saciado com ele. E há quem não olhe a meios para o fazer crescer. Assim sendo, nós, discípulos de Jesus, devemos evitar que a ganância ou o desejo imoderado do dinheiro manipulem a nossa vida e condicionem as nossas opções.
Na Primeira Leitura, o profeta Amós denuncia os comerciantes sem escrúpulos, preocupados em ampliar mais e mais as suas riquezas, explorando a miséria e o sofrimento dos pobres. Acontece que Amós adverte: Deus não está do lado de quem, por causa da obsessão do lucro, escraviza os irmãos. A exploração e a injustiça não passam em claro aos olhos de Deus. Deus está atento e não esquece os actos daqueles que compram os pobres por dinheiro e os indigentes por um par de sandálias (cf. Am 8, 6).
- Há muita coisa que o dinheiro não compra. Não é o dinheiro que compra a honra e a dignidade. Pelo contrário, é a honra e a dignidade que limpam o dinheiro. Só com a honra e a dignidade é que conseguimos colocar o dinheiro ao serviço da pessoa. Sem honra e dignidade, o dinheiro espezinha, oprime e corrompe.
Jesus demonstra como os bens deste mundo são caducos e precários quando os afastamos do bem comum. Os bens materiais devem servir para garantir outros bens, mais duradouros, mais perenes, mais humanos.
D. É preciso ser hábil na missão
7. A primeira parte deste texto (cf. Lc 16, 1-9) apresenta a parábola do administrador astuto e desonesto. Ela conta-nos a história de um homem que é acusado de administrar mal os bens do seu senhor. Chamado a contas para ser despedido, este homem procura assegurar o seu futuro de qualquer maneira. O expediente é a corrupção. Chama os devedores do patrão e reduz-lhes consideravelmente as quantias em dívida. Dessa forma, esperava que os devedores o não esquecessem e retribuíssem acolhendo-o em sua casa.
É um comportamento inqualificável, mas infelizmente muito frequente. Olhando para as leis e costumes da Palestina no tempo de Jesus, era habitual os administradores não receberem remuneração. Então, eles «pagavam-se» na relação com os devedores. Ou seja, quando os administradores forneciam um determinado número de bens, debitava um número muito maior. A diferença era a «comissão» do administrador.
- Como este administrador foi despedido, chama os devedores e diz-lhes que renuncia às tais «comissões» para assim ser compensado no futuro, talvez com um emprego melhor. O plano era astucioso. Das cem medidas de azeite, uns 3.700 litros (cf. Lc 16, 6), só umas cinquenta haviam sido, efectivamente, emprestadas. As outras cinquenta constituíam a exorbitante «comissão» que lhe devia ser paga pela operação.
Jesus conclui a história convidando os discípulos a serem tão hábeis como este administrador (cf. Lc 16, 9): não em relação ao dinheiro, mas em relação ao anúncio do Evangelho. Relativamente aos bens deste mundo, os discípulos devem usá-los não como um fim em si mesmo, mas para conseguir algo mais importante e mais duradouro.
E. Nem toda a riqueza é honesta, mas toda a honestidade é rica
9. Na segunda parte do texto (cf. Lc 16, 10-13), São Lucas apresenta-nos uma série de «sentenças» de Jesus sobre o uso do dinheiro. No geral, essas «sentenças» alertam os discípulos para o recto uso dos bens materiais. Se os usarmos segundo os critérios do Evangelho, seremos dignos de receber o verdadeiro bem, quando nos encontrarmos definitivamente com o Senhor Jesus. O texto termina com um aviso de Jesus acerca da idolatria do dinheiro (cf. Lc 16, 13). Jesus dá a entender que Deus e o dinheiro representam mundos contraditórios e procurar conjugá-los é coisa impossível
É preciso ser fiel a Deus em tudo, inclusive na relação com o dinheiro. «Quem é fiel no pouco também é fiel no muito» (Lc 16, 10). A fidelidade a Deus tece-se nas atitudes concretas. Deus não pode estar subordinado ao dinheiro; o dinheiro é que tem de estar subordinado a Deus. É segundo os critérios de Deus — sobretudo segundo os critérios do amor ao próximo — que havemos de gerir a relação com o dinheiro.
- Também pelo dinheiro passa a nossa fidelidade a Deus. O dinheiro não pode ser obtido de qualquer maneira nem pode ser aumentado a qualquer preço. É essencial ser honesto em tudo. Não podemos reduzir a honestidade às palavras e aos discursos. É preciso ser honesto com a vida inteira.
Não é fácil ser honesto. É muito difícil e bastante dificultado. No século XVII, já dizia William Shakespeare dizia que «ser honesto, tal como o mundo está, é ser um homem escolhido entre dez mil». Há muitas pressões para violar a honestidade. Nem toda a riqueza é honesta. Mas toda a honestidade é rica, sumamente rica!