A. Cuidado com a escravatura do dinheiro
- É certo e sabido que a humanidade tem um prolongado contencioso com o dinheiro e, mais vastamente, com os bens materiais. Precisamos deles, mas não raramente submetemo-nos a eles. E é assim que, em vez de serem nossos servos, tornam-se nossos senhores. O senhorio do dinheiro é uma das formas de escravatura mais torturante neste nosso mundo. Ele é, sem dúvida, o responsável pela riqueza de muitos, mas é também o culpado pela pobreza de muitos mais.
E o mais preocupante é que o dinheiro domina não apenas quem o possui, mas também o procura. Temos, por isso, de nos libertar deste jugo, criando uma relação equilibrada com o dinheiro, com base na justiça e na dignidade. O dinheiro é necessário para sobreviver, mas nunca consintamos que ele nos sufoque e asfixie.
- É neste sentido que a liturgia deste Domingo nos interpela acerca da atitude que assumimos face aos bens deste mundo. Fica bem claro que eles não podem ser os senhores da nossa vida. O ser humano está vocacionado para mais, para diferente, para melhor. São outros os bens que dão sentido à nossa existência e que nos garantem a vida em plenitude.
No Evangelho, através da «parábola do rico insensato», Jesus denuncia a insolvência de uma vida voltada apenas para os bens materiais: o homem que assim procede é visto como um «louco», que esquece aquilo que dá sentido à existência. Na Primeira Leitura, encontramos uma meditação sobre o absurdo de uma vida voltada para a mera acumulação de bens. Temos aqui uma espécie de patamar para nos lançarmos à descoberta de Deus e para n’Ele encontrarmos o autêntico sentido da nossa existência. Por sua vez, a Segunda Leitura convida-nos a não nos afeiçoarmos às coisas da terra. Mesmo em baixo, devemos olhar para o alto, orientando-nos para Deus.
B. Sozinho, não conseguimos nada
3. Diante de Deus, tudo é caduco, finito e periclitante. O Livro de Qohélet — também conhecido como Livro do Eclesiastes —, além de apontar caminhos, procura desmontar certezas e seguranças. Formula perguntas e não se preocupa, minimamente, em fornecer respostas no imediato.
Não espanta, por isso, que o tom geral do livro seja atravessado por um grande pessimismo. O autor parece vergado ao peso da realidade, negando qualquer possibilidade de encontrar um sentido para a vida. Segundo ele, o esforço humano é inútil. Haja o que houver, aconteça o que acontecer, nada vale a pena porque a morte está sempre à espreita. É, pois, um livro, marcado pelo fracasso da sabedoria tradicional. Nele se faz eco da angústia de uma humanidade ferida, que teima em não encontrar razões para viver.
- Olhando, concretamente, para o texto que hoje a liturgia nos apresenta, o «qohélet» não hesita em proclamar a inutilidade de qualquer esforço humano. Partindo da sua própria experiência, ele foi capaz de concluir friamente que os esforços desenvolvidos pelo homem não servem para nada.
O homem, só pelo seu esforço, pouco consegue e o pouco que consegue de nada vale. Que adianta trabalhar se, afinal, temos de deixar tudo aqui? É por isso que o «qohélet» resume a sua frustração e o seu desencanto nesse refrão que se repete, por 25 vezes, em todo o livro: «Tudo é vaidade».
C. Não é mais quem tem mais
5. A grande lição que este texto nos dá é a certificação da incapacidade de o homem, por si só, encontrar um rumo, um sentido para a vida. O pessimismo do «qohélet» ajuda-nos a reconhecer a nossa impotência, a impotência de uma vida voltada apenas para o material.
É assim que a reflexão deste livro nos leva a olhar para mais além. Para onde? O «qohélet» não o diz expressamente, mas nós, iluminados pela fé, sabemos onde está a resposta: em Deus. Só em Deus seremos capazes de (re)encontrar o sentido da vida e preencher a nossa existência.
- O Evangelho apresenta-nos Jesus a escusar-Se, delicada e decididamente, tomar partido em questões familiares. Daí que diga a quem o interpelou acusando o seu irmão: «Amigo, quem me fez juiz ou árbitro das vossas partilhas?» (Lc 12, 14). O que estava em causa era a luta pelos bens e o apego excessivo ao dinheiro, provavelmente por parte dos dois irmãos em causa.
A conclusão que Jesus extrai (cf. Lc 12, 15) explica porque é que Ele não aceita intrometer-se em tal discussão. O dinheiro, tendo a sua importância na vida, não é o mais importante para a vida. O desejo imoderado de dinheiro não é bom, é idolatria: não conduz à vida plena, não corresponde às aspirações mais profundas do homem, não contribui para a felicidade da pessoa. A lógica do Reino vai mais além dos bens materiais; pelo que quem quiser viver para o Reino deverá ter isto presente. Não é mais quem tem mais, mas quem vê mais e quem vai mais além.
D. Mais que amealhar, é importante acrescentar
7. O problema é que, apesar de passarmos o tempo a relativizar os bens materiais, acabamos por passar a vida envolvidos pelos bens materiais. Até parece que eles bastam. Para Jesus, os bens materiais não bastam. A parábola que Jesus apresenta (cf. Lc 12, 16-21) ilustra a atitude do homem dominado pelos bens perecíveis, esquecendo-se do essencial, isto é, daquilo que dá a vida em plenitude.
Jesus fala-nos de um homem previdente, responsável e trabalhador. Só que, de forma egoísta e obsessiva, vive apenas para os bens que, a seus olhos, lhe asseguram tranquilidade e bem-estar material. Este homem é a imagem de todos aqueles cuja vida só pretende amealhar e não acrescentar. Pensam que o dinheiro traz tudo, esquecendo que, só por si, não consegue nada.
- É preciso dizer que mais importante que o dinheiro é a família, mais importante que o dinheiro é o relacionamento humano e muito mais importante que o dinheiro é Deus. Não é a vida que deve andar em função do dinheiro, o dinheiro é que deve andar em função da vida.
A decisão de Deus, que terminantemente põe um ponto final nesta existência egoísta, mostra que uma vida deste género não tem sentido e que quem vive apenas para acumular mais e mais bens não agrada a Deus.
E. Não nos deixemos dominar pelo dinheiro
9. O que é que Jesus pretende, com esta história, não é demonizar o dinheiro. O que Jesus quer é que não nos deixemos dominar por ele. O que Jesus quer é que não vivamos em regime de escravatura, dominados pelo dinheiro e pelos bens materiais, como se eles fossem a coisa mais importante da nossa vida. A preocupação excessiva com os bens, a busca desenfreada de bens, só concorre para a desumanização, que centra o homem em si próprio e o impede de estar disponível para os valores mais importantes: os valores do Reino de Deus.
Quando o coração está cheio de avareza, quando a vida se torna um combate obsessivo pelo «ter», o homem torna-se insensível aos outros e indiferente a Deus; Nessa altura, o homem pensa que tudo começa e acaba com o dinheiro. Terrível desilusão, esta, que corrói a humanidade.
- Não espanta, por isso, que São Paulo nos convide a aspirar às «coisas do alto» e não às «coisas da terra». Pelo Baptismo, estamos unidos a Cristo ressuscitado. Desse modo, morremos para o pecado e renascemos para uma vida nova. Comportemo-nos, pois, como portadores desta vida nova, como construtores desta vida nova. Esta vida nova vai crescendo progressivamente, para se manifestar, em plenitude, quando Cristo voltar.
Não é o céu que é imagem da terra; a terra é que deve ser imagem do céu. Nós somos habitantes do céu que vão caminhando na terra. Que seja Cristo a viver em nós. Que a nossa vida seja sempre uma «cristovida». Que as portas do nosso coração nunca se fechem. Que o nosso coração esteja sempre aberto e que todo o nosso ser fique mais desperto. Tenhamos sempre presente isto: o mais importante na vida é Jesus Cristo!