A. É Cristo que nos une
- É bem verdade que aquilo que nos une é mais — e muito maior — que aquilo que nos separa. O problema é que, muitas vezes, vivemos mais dominados por aquilo que nos separa do que por aquilo que nos une. As nossas diferenças só são superadas em Cristo.
Retomando a linguagem de São Paulo, reconhecemos que o mais normal é haver judeus e gregos, homens e mulheres. Mas, quando estamos em Cristo, o que sobressai não são essas notas diferenciadoras. O que sobressai é o que nos une: Jesus Cristo. «Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher, todos vós sois um só em Cristo Jesus» (Gál 3, 28).
- É por isso que unidade não é só — nem principalmente — «estar com»; unidade é sobretudo «estar em». Não basta estar com os outros. Aliás, podemos estar perto sem estarmos unidos.
«Estar com» faz ajuntamento; «estar em» faz unidade. Só quando estamos em Cristo é que estamos unidos. Só quando estamos em Cristo é que somos felizes. É preciso, por isso, aprender a «cristoviver». Só quando «cristovivemos» é que verdadeiramente vivemos.
B. Seguir Jesus é também seguir a oração de Jesus
3. Olhemos, então, todos para a mesma direcção: para Jesus Cristo. Neste Domingo, começamos por vê-Lo a orar. Jesus é apresentado, muitas vezes, como um orante. Daí que seguir Jesus seja, antes de mais, orar como Jesus. Aliás, o Evangelho anota que, apesar de Jesus estar a orar sozinho (cf. Lc 9, 18), os discípulos estavam com Ele (cf. Lc 9, 18). Isto significa que seguir Jesus é seguir também a Sua oração. Uma vez que ser discípulo é fazer o que faz o Mestre, ser discípulo de Jesus implica, desde logo, aprender a orar como Jesus. Eis o que falta, eis o que importa, eis o que urge.
Orar como Jesus leva-nos necessariamente a orar em Jesus e, por Jesus, a orar ao Pai na força do Espírito Santo. Orar como Jesus ajuda-nos a estar com Jesus, a intimar com Jesus, a escutar Jesus, a sentir o chamamento de Jesus. Temos de reconhece que, hoje em dia, há muitas acções sobre Jesus. É fundamental, porém, que toda a nossa vida esteja centrada em Jesus.
- Acresce que a referência à oração de Jesus é sinal de que alguma coisa importante está para acontecer. É habitual em São Lucas apresentar sempre Jesus em oração antes de um momento importante (cf. Lc 5,16; 6,12; 9,28-29; 10,21; 11,1; 22,32.40-46; 23,34). Depois de rezar, Jesus tem sempre alguma coisa relevante para comunicar.
Desta vez, Jesus não aparece com respostas, mas com uma pergunta. Tenhamos presente que Jesus não é apenas a resposta para as nossas perguntas; Ele é também — e bastante — a pergunta para as nossas respostas. A questão relevante que, desta vez, Jesus tem para colocar é acerca d’Ele mesmo. E, como tivemos oportunidade de escutar, as respostas sobre Jesus eram, no mínimo, insuficientes. As nossas respostas sem Jesus são sempre insuficientes. Razão tinha o teólogo Karl Rahner quando advertiu que «só Jesus é a resposta total para a pergunta total».
C. O que significa ser Messias, Cristo
5. Sucede que esta resposta de Jesus começa por uma pergunta que nos traz o próprio Jesus. É, por isso, fundamental que nos deixemos questionar sempre por Jesus. O que as multidões pensavam sobre Jesus estava longe da verdadeira identidade de Jesus. Estando o Povo de Deus marcado pelo sofrimento da opressão, é natural que enquadrassem Jesus na linha dos grandes enviados de Deus para libertar o Seu povo. E, de facto, Jesus veio para libertar o Povo e não apenas da opressão política. Jesus veio para libertar — no fundo, para salvar — toda a humanidade, oprimida por toda a espécie de mal.
Como podemos reparar, quem melhor conhece Jesus é quem mais está com Jesus. A resposta certa é a de Pedro: «Tu és o Messias de Deus» (Lc 9, 20). Pedro dá a resposta certa porque anda com Jesus, porque acompanha Jesus.
- Pedro representa todos os discípulos, aqueles que acompanham Jesus e são testemunhas da sua estreita ligação com Deus. Dizer que Jesus é o Messias significa reconhecer n’Ele não mais um enviado, mas o enviado de Deus. Refira-se que Messias (palavra de origem hebraica) significa o mesmo que Cristo (palavra de origem grega). Ambas significam «ungido». A mesma raiz está incluída, aliás, na palavra Crisma, que significa «unção». Assim sendo, Cristo é o que tem o Crisma, Cristo é o ungido com a unção divina.
Jesus é, por conseguinte, o Cristo de Deus, o ungido por Deus. Todo Ele é divino. Compreende-se, entretanto, que Ele tenha proibido Pedro de o dizer em público naquela altura, porque os discípulos ainda não tinham percebido o autêntico alcance desta afirmação.
D. O segredo da revolução Jesus
7. Jesus sabia que os discípulos sonhavam com um Messias predominantemente político. Jesus sabia que eles estavam à espera de alguém que substituísse o poder opressor por um outro tipo de poder. Daí que, para cortar cerce todas as veleidades e equívocos, Jesus comece a instruí-los sobre Si mesmo. Foi certamente com grande perplexidade que os discípulos ouviram as palavras seguintes: «O Filho do Homem [Ele próprio] tem de sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos-sacerdotes e pelos escribas; tem de ser morto» (Lc 9, 22) antes de ressuscitar.
Ora, tudo isto era o contrário do que eles estavam à espera. Os discípulos estavam à espera de um Messias que não sofresse, que não fosse rejeitado nem morto. Estavam à espera de um Messias que triunfasse. que eliminasse os adversários.
- Como se isto não bastasse, Jesus vai mais longe. Quem quisesse segui-Lo teria de fazer como Ele: «negar-se a si mesmo e pegar na Cruz todos os dias» (Lc 9, 23). Jesus não vinha com uma proposta de poder, mas com um projecto de vida. Tal projecto de vida era não só diferente, mas completamente oposto ao que estavam habituados: «Quem quiser salvar a própria vida há-de perdê-la; mas quem perder a vida por Minha causa há-de salvá-la» (Lc 9, 24).
É uma novidade sem igual e uma revolução sem paralelo. Jesus não vem para mudar estruturas, mas para mudar a vida. Jesus vem para alterar tudo: é preciso dar para receber; é preciso perder para ganhar; no limite, é preciso morrer para ressuscitar. Ou seja, é preciso deixar o que se é para ser totalmente novo. Haverá revolução maior?
E. Pela Cruz à Ressurreição
9. Habituemo-nos a olhar para Jesus, «aquele que transpassaram» (Zac 12, 10). São João vê em Jesus, morto na cruz e com o coração trespassado pela lança do soldado, a concretização da figura evocada por Zacarias (cf. Jo 19,37).
Nunca deixemos de seguir Jesus. E não esqueçamos que, no Seu horizonte próximo, não está um trono, mas a Cruz. É aí, na entrega da vida por amor, que Ele realiza a promessa de salvação feita por Deus.
- Todos somos convidados a seguir Jesus, tomando — como Ele — a Cruz do amor e da entrega. Deste modo, derrubaremos os muros do egoísmo e do orgulho, renunciando a nós mesmos e fazendo da vida um dom.
Eis o projecto para a nossa vida de cada dia: pegar na Cruz aliviando a Cruz. Não sobrecarreguemos a Cruz de ninguém; ajudemos, antes, a aliviar a Cruz de todos. Seguir Jesus é pegar na Cruz. Só depois da Cruz virá a Ressurreição. Quem com Cristo quiser ressuscitar, a Sua Cruz tem de levar. Não há aqui nada de depressivo, mas de realismo, de comunhão e de solidariedade. Se ajudarmos a levar a cruz uns dos outros, a cruz de todos será menos pesada. Há tanta cruz para levar. Há tantos crucificados para aliviar. Não recusemos aliviar a cruz dos nossos irmãos!