A. Sempre a ouvir Jesus e nunca a aprender com Jesus
1. Todos os dias, ouvimos a mesma lição. E todos os dias, parece que desaprendemos a mesma lição. Dois mil anos é muito tempo para ensinar, mas parece não ser tempo bastante para aprender. Não são apenas os discípulos da primeira hora a ter dificuldades em conhecer Jesus. Nós, os discípulos desta hora, continuamos a manifestar tremendas dificuldades em compreender Jesus. Os discípulos de outrora sonhavam com o poder ao lado de Jesus (cf. Mc 10, 37). Muitos de nós, discípulos de agora, continuam a ambicionar o poder em nome de Jesus.
Aliás, não deixa de ser curioso notar como, já naquele tempo, «direita» e «esquerda» designavam categorias de poder. Para realizar a sua vontade de poder, os discípulos pediam para ficar à «direita» e à «esquerda» de Jesus (cf. Mc 10, 37). Nesse caso, tanto valia ficar à «direita» ou ficar à «esquerda». No seu imaginário, quer a «direita», quer a «esquerda» eram geradoras de poder. E isso bastava. E isso parecia ser o bastante.
- Não é, porém, esse o modo de ver de Jesus. Não é esse o mundo inaugurado por Jesus. Não é esse o mundo em que Jesus quer reinar. Só que, há dois mil anos, ninguém O entendeu. Será que, dois mil anos depois, já O teremos entendido?
No pretérito Domingo, víamos como Jesus, mais do que pressagiar o fim do mundo, estava apostado em contribuir para o fim deste mundo: para o fim deste mundo de ódio, de rancor, de mentira e de injustiça. Não é de um mundo assim que Jesus é rei. Jesus é rei, sim, mas de um mundo novo, de um mundo renovado, de um mundo totalmente transfigurado. Definitivamente, Jesus não é rei deste mundo. Jesus é rei para mudar este mundo.
B. Como é o reino de Jesus?
3. Neste sentido, Jesus não Se considerava um rival do imperador nem um concorrente de Pilatos. Jesus não quer ocupar o seu lugar, mas transfigurar a sua vida e a vida do mundo inteiro. O Seu reino não é daquele mundo (cf. Jo 18, 36), daquele mundo de jogos de poder e de ambições, de senhores e de servos, de preferidos e de preteridos. O reino de Jesus não é o reino do imperador nem do seu representante Pilatos. O reino de Jesus não é daquele mundo e, como diria o escritor João de Melo, o mundo de Jesus também não é daquele reino.
Jesus é rei de um mundo de irmãos, onde todos são filhos de um único Pai. A grande revolução de Jesus é, pois, a filiação plena e a consequente fraternidade universal. Porque filhos de Deus, somos irmãos de todos. Foi por isso que Jesus não nos ensinou a invocar um «Pai meu», mas um «Pai nosso»(cf. Mt 6, 9). E nessa medida, também não nos ensinou a pedir um «pão meu», mas um «pão nosso»(cf. Mt 6, 11), ou seja, um pão para todos.
- É deste mundo que Jesus é rei. É um mundo que nos parece utópico e que, nessa medida, achamos ser apenas futuro. Daí que nos aquietemos e acomodemos. Daí até que, em nome de um estranho pragmatismo, nos integremos na lógica de um mundo assim. Em vez de contribuir para a transformação deste mundo, optamos por nos inserir na lógica deste mundo.
Acontece que, quando Jesus diz que o Seu reino não é deste mundo (cf. Jo 18, 36), não está a sugerir que fiquemos à espera de que este mundo passe, embora saibamos que ele vai passar. O que Jesus está a dizer — quando diz que o Seu reino não é deste mundo (cf. Jo 18, 36) — é que Ele veio para transformar este mundo, nomeadamente as pessoas que nele vivem. O que Jesus está a propor é que todos trabalhemos para que este mundo seja, não o contrário do mundo futuro, mas a preparação — e o alicerce — do mundo futuro.
C. O reino de Jesus é um reino de verdade
5. Ao confirmar que é rei (cf. Jo 18, 37), Jesus está a dizer que Ele é o primeiro nesta causa em prol da transformação deste mundo. Ele é o primeiro e é também o modelo e a referência para essa mesma transformação. Isto significa que, ao dizer que é rei, Jesus está a mostrar em que consiste o mundo renovado que Ele veio inaugurar. Trata-se de um mundo guiado pelo Evangelho e pela Lei Nova do Amor.
No fundo, Jesus não está a prevenir-nos para a dissolução — ou para a destruição — deste mundo. Jesus está a convocar-nos para a transformação deste mundo num mundo diferente, num mundo onde o Evangelho seja a única regra de vida. De facto, Jesus não quer uma expectativa passiva, mas uma esperança activa. Ele não quer que fiquemos à espera de que este mundo acabe. O que Ele quer é que contribuamos para que este mundo se renove. Uma coisa é certa. Só há mundo novo com pessoas novas.
- A este propósito, não deixa de ser significativo — e poderosamente revelador — verificar como Jesus associa o Seu reino à verdade. De facto, ao dizer que o Seu reino não é deste mundo, fica claro que Jesus não quer ser rei de um reino de mentira, de um reino de falsas verdades ou de um reino de meias verdades.
Como assinala o Prefácio da Oração Eucarística deste Domingo, o reino de Jesus é um «reino de verdade». A mentira não tem lugar nele. Na mentira, nenhum de nós terá lugar nele. É que Jesus veio a este mundo «para dar testemunho da verdade»(Jo 18, 37). Mais: Ele próprio é a Verdade (cf. Jo 14, 6).
D. A verdade é uma pessoa: Jesus
7. Como pode Jesus ser rei neste mundo se neste mundo há tanta mentira? Como pode Jesus ser rei neste mundo se neste mundo se enriquece à custa de tanta mentira? Como pode Jesus ser rei neste mundo se neste mundo se triunfa à custa de tanta mentira? Jesus tanto escancara a verdade do mundo novo como desmascara toda a mentira deste mundo envelhecido.
Mas o que é a verdade? Não ouvimos esta pergunta no texto que escutámos, mas é a pergunta que aparece logo a seguir, nos lábios de Pilatos (cf. Jo 18, 38). Jesus não responde a tal pergunta porque, afinal, já tinha respondido. Essa resposta vem mesmo no fim do Evangelho deste dia: «Todo aquele que é da verdade escuta a Minha voz»(Jo 18, 37).
- Está aqui condensado todo o programa do reino de Jesus e aponta-se aqui também a única condição para sermos cidadãos desse reino: basta sermos verdadeiros. Seremos verdadeiros se estivermos na verdade. Como avisava Xavier Zubiri, não se trata de possuir a verdade, mas de nos deixarmos possuir pela verdade.
Acontece que a verdade não é um conceito, uma afirmação, um enunciado. A ser assim, haveria muitas verdades e haveria — como infelizmente tem havido — muitos conflitos entre essas verdades. A verdade é uma pessoa, é uma vida: é a pessoa de Jesus, é a vida de Jesus.
E. Dar testemunho da verdade é dar testemunho de Jesus
9. A verdade não é tanto para dizer; é sobretudo para viver. A verdade não vem tanto pelos lábios; vem sobretudo pela vida. É verdade o que sai dos lábios quando corresponde ao que brota da vida. A voz de Jesus (cf. Jo 18, 37) estava em plena sintonia com a vida de Jesus. Podíamos acreditar na Sua voz porque a Sua voz era a transparência total da Sua vida.
Como refere o Livro do Apocalipse, Jesus é «testemunha fiel»(Ap 1, 5), é a testemunha fiel da verdade. Também nós seremos testemunhas da verdade se formos testemunhas fiéis de Jesus. Nenhum de nós tem a verdade, mas cada um de nós pode — e deve — estar na verdade. Nós não somos a verdade, mas podemos — e devemos — ser verdadeiros. Seremos verdadeiros se estivermos com a verdade, isto é, se estivermos com Jesus, que é a verdade.
- Eis, pois, aqui desenhado o percurso da missão. A missão é, antes de mais e acima de tudo, um serviço à verdade ou, como dizia São João Paulo II, uma «diaconia de verdade». Estaremos dispostos a exercer esta «diaconia da verdade»? Sabemos onde está a verdade. A verdade é Jesus. Dar testemunho da verdade é, pois, dar testemunho de Jesus. O Seu reino há-de consumar-se no mundo que há-de vir, mas há-de germinar já neste mundo: não neste mundo como ele está, mas neste mundo como Jesus quer que ele esteja.
É por isso que este rei não está num palácio. Jesus quer reinar no coração de cada pessoa. De cada pessoa verdadeira, de cada pessoa que vive o Evangelho a vida inteira!