A Igreja sempre exaltou o martírio e sempre condenou o suicídio. No plano dos conceitos, a diferença é clara: enquanto o suicídio consiste em tirar a vida, o martírio consiste em oferecer a vida. Só que, na prática, pode haver situações nebulosas, em que é difícil perceber se estamos diante de um martírio ou de um suicídio. Daí a necessidade de discernimento e de prudência.
O martírio é um dom que não é concedido a todos. E é preciso não confundir a disponibilidade para entregar a vida com uma espécie de jactância do martírio («jactatio martyrii»), denunciada por Tertuliano. Este teólogo antigo recordava que a fé «proíbe que cada um se entregue por si mesmo».
O caso de Santa Pelágia, que as agendas litúrgicas mencionam neste dia 8, dá que pensar.
Esta jovem de 15 anos foi acusada, em 302, de ser cristã, pelo que lhe foi dada voz de prisão. Subtil, recebeu bem os guardas e, quando estes se preparavam para a levar, pediu-lhes permissão para trocar de roupa. Obtida a autorização, dirigiu-se para o seu quarto. Querendo escapar aos ultrajes que a esperavam e a receando perder a sua virgindade, subiu ao tecto da casa, em Antioquia, e de lá se atirou para o chão, morrendo imediatamente.
Que pensar? Desde logo, o caso de Santa Pelágia não é único. O mesmo aconteceu com Santa Berniceia e Santa Prosdocéia que, detidas por soldados, pediram licença para se afastarem momentaneamente, atirando-se a um rio. Sucede que, mais do que de um suicídio, estamos diante de um acto assumido como um imperativo de consciência. No fundo, estas mártires não procuraram a morte, mas evitar que a sua honra fosse violada.
Outras santas virgens agiram deste modo. Foi o caso de Digna de Aquiléia, oferecida a um capitão como despojo. Tendo ficado os dois numa torre, disse a jovem ao capitão: «Se me queres possuir, segue-me». Assim aconteceu e, chegando ao ponto mais alto da torre, atirou-se ao rio, onde se afogou. Como escreveram os seus biógrafos, «com a sua morte, salvou a sua castidade»!