- Dizem que recordar é viver.
Mas notamos, sobretudo a partir de certa altura, que viver é (também) recordar.
- Somos, de facto, os lugares que habitámos, as pessoas que fomos conhecendo e as memórias que conseguimos alojar.
É por isso que, em boa verdade, não há passado. O passado não passa. Está sempre presente.
- Há uma experiência que os anos vão impondo. Se a escola é um local de conhecimento, o cemitério acaba por ser um poderoso lugar de reconhecimento.
Sempre que voltamos à terra donde saímos, vamos dando conta de que as nossas referências se encontram debaixo da terra.
- Lá estão os nossos familiares, os nossos vizinhos, os nossos conhecidos. Lá repousam as pessoas que eram idosas quando nós éramos crianças.
Foram elas que povoaram a nossa infância com histórias que, por muito efabuladas que fossem, eram amassadas na realidade.
- As nossas lágrimas começam a desfilar. Elas ficam lá mesmo quando nós saímos de lá.
A morte vai-nos visitando. Vai-se habituando a nós e nós vamo-nos habituando a ela.
- Onde outros estão, nós estaremos. Para onde levamos os outros, outros nos hão-de levar a nós.
Há toda uma circularidade entre a morte e a vida. Nós vamos morrendo na morte dos outros. Os mortos vão (sobre)vivendo na nossa vida.
- Vamos sentindo que o tempo que mais ganhamos foi o tempo que mais perdemos.
Aquele tempo que gastámos com os outros ficou guardado, como se da maior preciosidade se tratasse.
- Hoje, apesar da crise, ainda temos muito para dar. Mas percebemos que não temos o que mais importaria oferecer: tempo.
Trocamos muitos presentes e esquecemos que o melhor presente é o presente da presença.
- Fazemos tanta coisa só por fazer: sem pensar e sem sentir. Não ponderamos as causas. Só nos apercebemos de algumas consequências.
Mostramo-nos sem o menor recato e expomo-nos sem qualquer limite. Depois, queixamo-nos de ver a nossa vida devassada: prolixamente comentada e injustamente julgada.
- Nunca houve tanto tempo para descansar e nunca nos sentimos tão cansados.
O problema é que não é o trabalho que nos gasta. É o nosso estilo de vida que nos vai desgastando. E para este desgaste não há férias que compensem. Só uma nova humanidade nos fará rejuvenescer!