A. Pouco produzimos no trabalho, pouco produzimos no descanso
- Para muitos, já é tempo de férias, o que não quer dizer que seja tempo de descanso. De facto, muito estranha parece ser a nossa época. Não repousamos quando trabalhamos e não repousamos quando descansamos. As ocupações podem ser suspensas, mas há preocupações que nunca são interrompidas. E, como sabemos, as preocupações (des)gastam muito mais que as ocupações.
Parece que vivemos em permanente défice de produtividade. Dizem que não produzimos muito no trabalho e — vá lá saber-se porquê — parece que não produzimos muito no descanso. Cansados estamos antes das férias. Cansados continuamos a estar depois das férias. Tudo isto mostra que carecemos de alternativa e não de mera alternância. No fundo, somos os mesmos em locais e em actividades diferentes. Nas praias ou nas viagens de veraneio, andamos apressados e ansiosos como sempre. Como repousar em ambientes destes? Não são, pois, os locais ou as actividades que nos fazem descansar. O que nos faz descansar é um modo de vida diferente.
- É curioso notar como Jesus aparece, neste Domingo, preocupado com o descanso dos Seus discípulos. Jesus, que os mandara em missão, convida-os, agora, a descansar (cf. Mc 6, 31). E eles bem precisavam de descanso já que nem tempo tinham para comer (cf. Mc 6, 31). É interessante verificar o tipo de lugar que Jesus escolhe para o descanso. Não convida os discípulos para um local muito frequentado, mas para um sítio isolado (cf. Mc 6, 32). Para descansar, nada como o recolhimento propício à meditação e ao reencontro. E como faz falta que nos reencontremos neste tempo sem tempo e nesta vida que nos vai levando — velozmente — para fora da vida!
Tudo tende a tumultuar nestes tempos sem paragem, sem paz, sem norte e, aparentemente, sem destino. Que falta faz a serenidade, o aconchego de uma presença, a oferta de um sorriso, a paz de um gesto feito com cortesia e compostura. Tentemos ser diferentes neste tempo diferente.
B. Como devem descansar os discípulos?
3. Também para descansar, Jesus tem uma proposta diferente. Jesus convida os discípulos para um sítio isolado, mas não com o objectivo de fugir. Aliás, eles não chegaram a ficar isolados nesse sítio isolado pois muitos foram para o mesmo local (cf. Mc 6, 33). E foi nesse local que todos encontraram a melhor forma de descanso: a presença de Deus, a presença de Deus em Jesus Cristo.
Na verdade, Jesus ficou com os discípulos e com toda a multidão que se gerou. Começou então a instruí-los, a instruí-los demoradamente (cf. Mc 6, 34). Não há melhor descanso do que escutar Jesus, do que escutar este Jesus cheio de compaixão (cf. Mc 6, 34). É que, como confessou Sto. Agostinho, todos nós andamos inquietos enquanto não descansamos em Deus. Cada um de nós pode repetir o desabafo do salmista: «Só em Deus descansa a minha alma»(Sal 62, 2). Com efeito e como poetou Antero de Quental, é «na mão de Deus, na Sua mão direita, [que] repousa afinal o meu coração».
- A solicitude de Deus vai ao ponto de Se preocupar com o nosso descanso. Deus quer o nosso descanso, Deus é o nosso descanso. Nós, que tantas vezes nos portamos como «ovelhas sem pastor»(Mc 6, 34), só encontramos descanso quando encontramos o sentido. Só descansamos quando encontramos quem nos aponta o sentido. Jesus é aquele que nos aponta o sentido da vida. Jesus é, na Sua mensagem e na Sua conduta, o sentido para a nossa vida.
Ser pastor é, por conseguinte, indicar o sentido para tanta gente que parece andar sem qualquer sentido, rumo ou direcção.
C. É preciso estar com Jesus para aproximar de Jesus
5. É por isso que, logo na Primeira Leitura, pela voz do profeta Jeremias, Deus condena os pastores indignos, que usam o rebanho para satisfazer os seus interesses pessoais. Daí que o mesmo Deus anuncie que vai, Ele próprio, tomar conta do Seu rebanho, assegurando-lhe a fecundidade, a paz, a tranquilidade e a salvação.
O Evangelho torna claro que a solicitude de Deus pelos homens, corporizada em Jesus, é agora continuada pelos discípulos. Os discípulos devem ser, na linha de Jesus, as testemunhas do amor, da bondade e da compaixão de Deus por tanta gente que caminha, perdida, pelo mundo «como ovelhas sem pastor». Acontece que a solicitude dos discípulos tem de estar centrada em Jesus. Os discípulos devem amar as pessoas com o amor do próprio Jesus. Por tal motivo, precisam de vir frequentemente ao Seu encontro, para serem instruídos. Aliás, como poderemos mostrar Jesus se não convivemos com Jesus?
- A oração não é, portanto, um entrave à missão, mas o permanente alimento da missão. Só quem está próximo de Jesus consegue aproximar Jesus das pessoas e aproximar as pessoas de Jesus. É na oração que escutamos as Suas propostas e crescemos na intimidade com a Sua pessoa.
A Segunda Leitura apresenta-nos S. Paulo a dar testemunho da solicitude de Deus pelo Seu Povo. Foi na oração que S. Paulo pôde experimentar essa mesma solicitude divina, manifestada na entrega de Jesus Cristo. A todos, sem excepção, Ele dá a possibilidade de integrarem a família de Deus. Reunidos na família de Deus, os discípulos de Jesus são agora irmãos, unidos pelo amor. Tudo o que é barreira, divisão, inimizade, fica definitivamente superado.
D. As ovelhas não pertencem aos pastores, mas ao Pastor
7. São muitas, por conseguinte, as responsabilidades dos pastores. Eles não actuam em nome próprio, mas em nome de Deus. Daí o alerta que nos chega pela boca do profeta: «Ai dos pastores que arruínam e dispersam as ovelhas»(Jer 23, 1).
É preciso perceber que as ovelhas não são propriedade dos pastores, mas de Deus. Deus chama os pastores para cuidar das ovelhas, não para oprimir ou afugentar as ovelhas. O mau testemunho dos pastores prejudica as ovelhas, pelo que Deus lhe pede contas (cf. Jer 23, 2). Deus não está disposto a tolerar abusos de confiança nem aceita pactuar com aqueles que exploram o rebanho em seu proveito próprio.
- As ovelhas são maltratadas pelos pastores quando não lhes é oferecida e verdade e quando lhes é negada a justiça. As ovelhas são maltratadas quando os pastores se calam na hora de as instruir e se escondem no momento de as defender. As ovelhas são maltratadas quando os pastores não rezam por elas nem com elas, quando os pastores não lhes apresentam o Evangelho ou, o que é pior, quando os pastores lhes distorcem o Evangelho.
Só que nem a infidelidade dos pastores põe em causa a fidelidade de Deus. Ele promete vir ao encontro das ovelhas para as juntar e (re)unir. E assegura que lhes dará pastores que as hão-de apascentar para que não mais tenham receio ou pavor (cf. Jer 23, 4).
E. Não férias da missão, mas férias em missão
9. Os pastores não se sentirão donos, mas servidores do rebanho. Afinal, ser pastor não é ser patrão. Porque, no fundo, o pastor aponta, mas é Deus quem conduz. Como cantávamos no Salmo Responsorial, o Senhor é o nosso pastor; é Ele quem nos conduz; é Ele quem nos guia por caminhos seguros; é a Sua bondade e misericórdia que nos acompanham sempre (cf. Sal 23, 1-6).
Percebe-se, então, que Sto. Inácio de Antioquia tenha olhado para o Espírito Santo como o «bispo invisível». É este «pastor invisível» que conduz todos os «pastores visíveis», para que todos sejam fiéis e permaneçam unidos.
- Peçamos a Deus pelos nossos pastores e para que nos dê a graça de termos sempre pastores à imagem do Bom Pastor. Peçamos a graça de termos pastores que conduzam sempre o rebanho para o Bom Pastor.
A pastoral está sempre em marcha, sempre em acção. A vida pastoral nunca se encerra nem se interrompe. O próprio repouso faz parte da pastoral, ou seja, faz parte da missão do pastor junto das ovelhas. Nunca façamos, pois, férias da missão, mas férias (sempre) em missão. Jesus vai com aqueles que vão. Ele nunca abandona os que plantam em todas as vidas as sementes do Seu amor. Plantemos, então, em todas as vidas as sementes do amor de Jesus!