1. Há palavras que funcionam como chaves. Permitem-nos abrir portas para a compreensão de tanta coisa.
«Pericorese» é uma das palavras mais estimulantes da Teologia. Ela pretende indicar a presença das pessoas divinas umas nas outras.
2. Jesus disse que Ele e o Pai eram um só (cf. Jo 10, 30). O mesmo acontece entre o Pai e o Filho com o Espírito Santo: cada um está nos outros, todos estão em todos.
A esta circularidade de vida e de amor chama-se precisamente «pericorese» ou «circumincessão».
3. Dizem que «pericorese» tem que ver com «dança». Trata-se de uma palavra composta por três radicais: 1) «peri», que significa «à volta de», ou «movimento circular» (como por exemplo perímetro, periférico); 2) «corea», que significa «dança», ou «bailado» (como por exemplo coreografia); e 3) «esis», que é um sufixo para formar palavras de acção ou processo.
A esta luz, «pericorese» era a palavra designada para o nome de uma dança tradicional em que um grupo de pessoas dançava de maneira circular e de mãos dadas.
4. A partir do século VIII, com S. João Damasceno, a «pericorese» foi aplicada à Cristologia, descrevendo a mútua interpenetração das duas naturezas de Cristo.
Mais tarde, passou a ser encarada como a comunhão entre as pessoas da Santíssima Trindade. Designa uma relação co-igual e co-eterna entre pessoas ao mesmo tempo iguais e diferentes: iguais na divindade, diferentes como pessoas.
5. Curiosamente, há evangelhos apócrifos que apresentam Jesus a dançar com os discípulos.
Os chamados «Actos de João» referem um episódio da Última Ceia a que dão o nome de «dança de roda da cruz».
6. Esta teria sido instituída por Jesus, ao dizer: «Antes de Eu ser entregue, cantemos um hino ao Pai».
Ordenou, então, que fosse formado um círculo à Sua volta, tendo todos dado as mãos e dançando. Os apóstolos gritaram «Ámen» à medida que era entoado o hino de Jesus.
7. Mais espantoso ainda é notar como algumas representações bizantinas do Crucificado mostram o corpo de Jesus a baloiçar, visando mostrar a unidade entre a morte e a ressurreição.
É o misto de humilhação e exaltação de que fala S. João (cf. Jo 12, 23) e que, no fundo, dá cumprimento à prece do Salmo: «Converteste em júbilo [há quem diga «em dança»] o meu pranto»(Sal 30, 12).
8. É claro que importa tomar algumas cautelas, evitando apresentar concepções de Deus só para agradar à «cultura mainstream».
Temos presente a (provocadora) posição de Nietzsche, que confessou só acreditar «num Deus que soubesse dançar».
9. Não terá sido em vão, porém, que a Teologia recorreu a estas imagens.
Tomás Halik notou que a dança pode ser «o símbolo da airosidade divina, da liberdade e da alegria, o símbolo da oposição ao "espírito de azedume" e ao "espírito de vingança"» de que, não raramente, o Cristianismo parece imbuído.
10. Não será esta alegria o alimento - e o permanente alento - da fé em Cristo? Não terá, por isso, chegado o momento de recompor a nossa vivência cristã, tantas vezes taciturna, enfadonha e, portanto, pouco pascal?
Não esqueçamos que somos depositários da notícia mais felicitante da história: a vitória da vida sobre a morte. Porquê, então, tanta tristeza? Porquê tanta cara de enterro? Não tenhamos medo de pôr uma «cara de gente salva». Até porque, em Jesus Cristo, fomos (mesmo) salvos!