Conta-nos S. Lucas (23, 46) que o Filho de Deus, antes de exalar o último suspiro, confirmou a entrega que, desde sempre, fizera do Seu ser: «Pai, nas Tuas mãos entrego o Meu espírito».
É uma expressão em que ressoa fortemente uma das orações modelo do Antigo Testamento: «Nas Tuas mãos entrego o meu espírito» (Sal 31, 6). Faz parte de um salmo de súplica individual, que contém elementos de louvor e acção de graças. Na Bíblia, as mãos de Deus invocam o Seu poder (cf. Deut 4, 34), mas evocam acima de tudo o Seu amor para com o justo (cf. Sal 89, 22; Jb 5, 18; Sab 3, 1).
Daí que até Antero de Quental tenha recorrido a esta imagem para se dirigir aos céus: «Na mão de Deus, na Sua mão direita, repousa, afinal, meu coração».
Como o salmista, também Jesus Se sabe escutado. Tanto mais que se entrega ao Pai quem sempre cultivara uma intensíssima relação com Ele.
É profundamente sintomático notar como, na narrativa lucana, o Pai, que surge na última frase pronunciada por Jesus, aparece já na Sua primeira intervenção: «Não sabíeis — pergunta a José e a Maria — que devia estar em casa de Meu Pai?» (Lc 2, 49). Não admira, por tudo isto, que volte a figurar na derradeira instrução dada aos Onze após a ressurreição: «Vou mandar sobre vós o que Meu Pai prometeu» (Lc 24, 49).