Quando foi a Última Ceia? Para Colin Humphreys, da Universidade de Cambridge, terá ocorrido na quarta e não na quinta-feira.
A posição aparece no livro The Mystery Of The Last Supper, onde o autor analisa os calendários, os dados da história e as conclusões da exegese.
Refira-se, antes de mais, que esta questão não é original. Bento XVI, no seu último livro sobre Jesus, também a contempla. A própria Bíblia não permite dirimi-la totalmente.
Os Sínópticos (Marcos, Mateus e Lucas) apontam para «o primeiro dia dos Ázimos, quando se imolava a Páscoa» (Mc 14, 12). Era, com efeito, na tarde desse dia que, no templo, se imolavam os cordeiros pascais. Seria uma quinta-feira. Era nessa noite que começava a Páscoa e se comia a ceia. Terá sido no final que Jesus foi preso e apresentado a tribunal. Na manhã de sexta-feira, foi condenado e, à tarde, morreu. Como no outro dia era sábado, dia sagrado para os judeus, o corpo de Jesus tinha de ser sepultado antes do anoitecer de sexta-feira.
Surge, entretanto, uma dificuldade. Naquele ano, a Páscoa judaica era na sexta-feira. Será crível que Jesus fosse julgado e crucificado num dia tão solene? Não falta quem assegure que o processo e a crucifixão eram compatíveis com a Páscoa. Contudo, dois dias antes dos Ázimos, os sumos sacerdotes desaconselhavam que se matasse Jesus durante a festa para que o povo não se revoltasse (cf. Mc 14, 2). Como é que se mudou tão rapidamente de opinião?
O Evangelho de S. João apresenta uma nuance a respeito de tudo isto. Desde logo, não assegura que a Última Ceia tenha sido uma ceia pascal e até dá a entender que o julgamento de Jesus foi não durante a Páscoa, mas antes da Páscoa. Trata-se da alusão ao facto de as autoridades judaicas, que levaram Jesus a Pilatos, não terem entrado no pretório «para não se contaminarem e poderem celebrar a Páscoa» (Jo 18, 28). Isto significa que o processo e a morte de Jesus acontecem não durante a Páscoa, mas na véspera da Páscoa. Neste caso, naquele ano a Páscoa seria não numa sexta-feira, mas num sábado. Só que, como os judeus contam os dias a partir do crepúsculo do dia anterior, Jesus teria morrido na sexta-feira antes do ocaso.
Assim, Jesus teria tido a Última Ceia na quinta-feira, mas sem o carácter pascal judaico, e teria sido executado na sexta-feira, a qual seria véspera da Páscoa e não dia de Páscoa. Neste caso, o cordeiro pascal estaria a ser comido pelos judeus quando Jesus já estava morto. Como diz Joseph Ratzinger, «Jesus morre como o verdadeiro Cordeiro, que estava apenas preanunciado nos cordeiros».
Não faltou, entretanto, quem procurasse harmonizar as duas cronologias. Quem mais se destacou foi Annie Jaubert, que estudou a fundo os calendários judaicos. Encontrou um que, não atendendo à translação da Lua, previa um ano de 364 dias, dividido em quatro estações de três meses, dois dos quais com 30 dias e o outro com 31. Cada trimestre teria, então, 13 semanas e cada ano 52 semanas. Deste modo, as festas seriam sempre no mesmo dia da semana. Concretamente, a Páscoa judaica seria à quarta-feira. Por conseguinte, a Última Ceia teria sido na terça-feira à noite.
O curioso é que um texto do início do século III, Didascália dos Apóstolos, fixa a data da Ceia de Jesus na terça-feira. O problema é que a tradição mais antiga aponta para quinta-feira como a data mais segura da Última Ceia.
É certo que a terça-feira seria mais ajustada ao desenvolvimento posterior dos acontecimentos. Não é fácil admitir que, numas curtas horas (de quinta para sexta-feira), tenha acontecido tanta coisa: interrogatório no Sinédrio, transferência para Pilatos, sonho da mulher de Pilatos, envio a Herodes, regresso a Pilatos, flagelação, condenação, caminho para o Calvário e crucifixão.
Em síntese, a data da Última Ceia continuará a suscitar muitos estudos e a despertar compreensível curiosidade. Mas o mais importante não é quando aconteceu. É o que aconteceu.
E o que aconteceu, desde o lavar dos pés até à consagração do pão e do vinho passando pelo longo discurso, foi tão impactante que jamais foi esquecido. Fundamental é que nunca deixe de ser vivido.