A. Um cristão existe para cristianizar
- Dizem que cada um é para o que nasce. Para nós, é claro que o ser humano nasce para Deus, para a vida com Deus. É por tal motivo que nos tornamos cristãos. Tornamo-nos cristãos para estarmos com Deus em Cristo, o Filho de Deus feito homem. E é assim que, tal como um escritor nasce para escrever e um jogador nasce para jogar, um cristão nasce para cristianizar.
Um cristão existe para cristianizar a sua vida e para propor a cristianização da vida dos outros. Teilhard de Chardin usava até a expressão «pancristianização», para urgir a necessidade de meter Cristo em tudo: nas pessoas, no mundo e em toda a criação. Todos devem ser envolvidos por Cristo. Tudo há-de estar embebido em Cristo.
- A esta luz, compreende-se que, como alertou o Concílio Vaticano II, a Igreja seja por natureza missionária. E que, por inerência, cada membro da Igreja tenha de ser, efectivamente, missionário. A missão não nasce do sacramento da Ordem nem da Consagração Religiosa. A missão nasce logo a partir do Baptismo. Por conseguinte, ser missionário não é apenas para padres e para religiosos, mas para todos os cristãos.
Ser cristão é ser missionário. E ser missionário significa transmitir o que nos foi transmitido e oferecer o que nos é concedido. Cada um de nós foi agraciado com a feliz notícia de Deus chamada Jesus Cristo. Se as más novas não são caladas, como admitir que esta boa — e bela — nova possa ser silenciada?
B. Evangelizar não é facultativo, tem de ser imperativo
3. Quando pensamos na Boa Nova, costumamos dizer «Evangelho». É a tradução semântica — e sobretudo existencial — desta palavra. De facto, Evangelho significa «Boa Nova». Como se pode ver, trata-se de uma palavra que não se limita a indicar uma mensagem. Evangelho é uma palavra que, além de indicar uma mensagem, implica a obrigação de a difundir.
Daí que, na prática, Evangelho seja o mesmo que Evangelização. Esta, a evangelização, consiste em anunciar a feliz notícia da ressurreição de Jesus. Ou, para usar a terminologia bíblica, a feliz notícia sobre um certo Jesus que morreu e que nós afirmamos estar vivo (cf. Act 25, 19). Evangelizar é, portanto, anunciar que Jesus está vivo, que Jesus está connosco, que Jesus está no meio de nós, que Jesus está dentro de nós.
- Os cristãos da primeira hora tinham bem vincada esta prioridade, sentida em tons de urgência. S. Paulo até clamava: «Ai de mim, se não evangelizar»(1Cor 9, 16). Para ele, não fazia sentido existir fora do Evangelho e longe da evangelização. Anunciar o Evangelho não era, para S. Paulo, um «título de glória», mas «uma obrigação»(1Cor 9, 16). Não se tratava de uma actividade facultativa, mas do maior imperativo.
Ele sabia que a iniciativa não era dele. Se anunciasse o Evangelho por sua iniciativa, até poderia esperar alguma recompensa. Mas evangelizar era um «encargo que lhe foi confiado»(1Cor 9, 17). Aliás, S. Paulo sempre se considerou apóstolo não por iniciativa humana, mas por iniciativa de Jesus Cristo e do próprio Pai (cf. Gál 1, 1). O evangelizador existe para levar o Evangelho, não para alterar o Evangelho. S. Paulo não abre lugar para quaisquer dúvidas: «Não há outro Evangelho». O que pode haver é pessoas que «pretendem alterar o Evangelho»(Gál 1, 7). Só que, como vinca o Apóstolo, Evangelho só há um: o «Evangelho de Cristo»(Gál 1, 7). É este Evangelho, e não nenhum outro, que somos chamados a viver e a testemunhar.
C. Não de sol a sol, mas de noite a noite
5. Ser cristão é ser pregador — e pregoeiro — do Evangelho de «maneira gratuita»(1Cor 9, 18). De resto, também foi de maneira gratuita que o Evangelho nos foi entregue. Como poderia, então, o Evangelho ser anunciado a não ser gratuitamente, a não ser graciosamente?
Esta gratuidade vai ao ponto de o evangelizador aceitar ser escravo de todos com o objectivo de a todos tentar ganhar para o Evangelho (cf. 1Cor 9, 19). A «causa do Evangelho»(1Cor 9, 23) merece tudo: todos os trabalhos, todos os sacrifícios. A resposta pode não vir de todos, mas a proposta tem de chegar a todos. É por isso que, sem exclusivismos nem preferências arbitrárias, o evangelizador tem de se fazer «tudo para todos»(1Cor 9, 22).
- Neste empreendimento, S. Paulo parecia nunca se cansar mesmo quando também se sentia cansado. Como reconheceu S. João Crisóstomo, por causa do Evangelho, Paulo «desejava sempre mais o trabalho sem descanso do que nós desejamos o descanso depois do trabalho». Aliás, foi o que S. Paulo aprendeu com Jesus, o portador do Evangelho por excelência e o Evangelho em pessoa. Jesus também não descansa. Ele mesmo o assume: «Meu Pai trabalha continuamente e Eu também trabalho»(Jo 5, 17). Jesus não trabalha de sol a sol, mas de noite a noite. Dedica-Se à evangelização de dia e de noite. Jesus trabalha de dia e não Se poupa de noite.
Neste Domingo, voltamos a acompanhar Jesus na «Jornada de Cafarnaum». Vemo-Lo, incansável, a sair da sinagoga para ir curar a sogra de Simão e todos os doentes que Lhe apareciam (cf. Mc 1, 31-34). Teve de atender toda a população da cidade, que se reuniu junto da porta da casa de Pedro (cf. Mc 1, 33). A população de Cafarnaum naquela altura andaria por mil habitantes. Atender mil pessoas é, seguramente, desgastante. Apesar disso, na manhã seguinte, Jesus não dispensou a oração. O encontro com os homens não dispensa — antes requer — o encontro com o Pai. E é assim que contemplamos Jesus a orar, «de manhãzinha, ainda muito escuro», num «sítio muito ermo»(Mc 1, 35).
D. O evangelizador começa por ser um orante
7. Que fique bem claro. Não é a oração que tira tempo à evangelização. É a oração que alenta — amamenta e alimenta — a evangelização. O encontro com Deus não afasta as pessoas, atrai as pessoas. É no encontro com Deus que Jesus é encontrado pelas pessoas, por todas as pessoas. «Todos Te procuram!»(Mc 1, 37) — dizem Simão e os companheiros.
É espantoso como todos procuram o Orante. É espantoso como todos são contagiados pelo aroma da oração. É espantoso como a oração move, como a oração movimenta, como a oração motiva, como a oração mobiliza. Não admira, portanto, que a experiência evangelizadora de S. Paulo também tenha começado por uma forte experiência de oração (cf. Act 13, 1-3). A oração é como que a parteira da evangelização. Na oração, sentimos a voz do Deus que chama e do Deus que envia.
- A oração é não só o despertador, mas também o persistente alimento da evangelização. S. Marcos não diz que Jesus tenha tomado o pequeno-almoço. Porque o Seu alimento era fazer a vontade do Pai (cf. Jo 4, 34), pode dizer-se que o Seu pequeno-almoço foi a oração.
Finda a oração, Jesus dirige-Se imediatamente para «as povoações vizinhas»(Mc 1, 38), para «toda a Galileia»(Mc 1, 39). Jesus vai e leva outros consigo. Jesus instala e, ao mesmo tempo, desinstala: instala o Evangelho na vida e desinstala a nossa vida com o Evangelho. O Evangelho não se acomoda à nossa vida, a nossa vida é que deve acomodar-se ao Evangelho. O Evangelho não traz a paz do comodismo. O Evangelho traz a paz da permanente inquietação.
E. Pode não haver resposta, mas não pode deixar de haver proposta
9. Podemos pensar que não temos capacidade para a missão. Acontece que — como alertou Einstein — Deus não escolhe os capazes, mas capacita os escolhidos. A evangelização não se faz em nosso nome, mas em nome de Jesus. De um evangelizador não se requer capacidade, mas apenas — e sempre — fidelidade. Quem está com o evangelizador deve sentir que está com o Evangelho. Tal como Jesus foi a transparência do Pai — «quem Me vê, vê o Pai»(Jo 14, 9) —, também o evangelizador é chamado a ser a transparência de Jesus Cristo. De resto, o próprio Jesus disse aos primeiros evangelizadores que quem os ouvia a eles, ouvia-O a Ele (cf. Lc 10, 16).
Façamos, então, como Jesus, como S.Paulo e os outros apóstolos: «Vamos, também nós, para a missão». Vamos, também nós, anunciar o Evangelho. Procuremos anunciar o Evangelho em toda a parte e a toda a gente. Não recuemos diante das dificuldades. Deus é maior que as maiores dificuldades que possamos encontrar. Anunciemos o Evangelho com os lábios e anunciemos o Evangelho sobretudo com a vida.
- Job recorda que «a nossa vida não passa de um sopro»(Job 7, 7) e que «os nossos dias fogem mais rápidos que a lançadeira no tear»(Job 7, 5). Por isso, não há tempo a perder. Todo o tempo é precioso para viver o Evangelho e para anunciar o Evangelho. Num tempo de más novas, como desperdiçar tantas oportunidades de testemunhar a Boa Nova? Há muitos que desesperam enquanto estão à nossa espera.
Em relação ao Evangelho, poderá haver quem não o aceite, mas não deve haver quem não o anuncie. A nossa fraqueza está habitada pela força de Deus. Transportemos, pois, o Evangelho com os nossos lábios e sobretudo com o testemunho da nossa vida. Levemos a todos o Evangelho em forma de amor, em forma de solidariedade, em forma de justiça, em forma de paz. Onde estiver o Evangelho, estará sempre a acender-se a manhã de um tempo novo!