A. Adiantada vai a noite
- O vento continua a soprar. O vento do Advento continua a soprar. Com uma força suave e uma suavidade forte, eis que o vento do Advento está a levar-nos até às proximidades do Natal. Está quase a chegar o grande — e tão esperado — dia. É o dia em que nunca anoitece. É o dia em que a luz nunca escurece e em que até a escuridão parece brilhar. É o dia em que o céu desce à terra e a terra sobe ao céu. É o dia em que os extremos se tocam e os contrários se abraçam. É o dia da reconciliação universal.
É o dia em que, como vaticinara Isaías, «o lobo habitará com o cordeiro»(Is 11, 6). É o dia em que até «a criança de peito brincará na toca da víbora»(Is 11, 8). É o dia em que não haverá mais «destruição»(Is 11, 9). Nesse dia, não serão os poderosos a mandar; será um «menino a conduzir-nos»(Is 11, 6), porque «o Senhor levantará a Sua mão para libertar o resto do Seu povo»(Is 11, 11).
- A sentinela, que nos vai acompanhando na noite, ouve o clamor da nossa alma, como outrora ouvira o grito de Seir: «Sentinela, sentinela, a que horas vai a noite?» E a sentinela responde: «Vai chegar a manhã»(Is 21, 11-12). De facto e como observa S. Paulo, «a noite vai adiantada e aproxima-se o dia»(Rom 13, 12). Agora, «a salvação está mais perto de nós»(Rom 13, 12).
Deus é o dia, mas não deixa de agir na noite. Aliás, a sabedoria rabínica regista que Deus intervém na história do mundo ao longo de quatro «grandes noites»: na noite da criação, quando pôs ordem no caos; na noite em que fez aliança com Abraão; na noite da libertação do Egipto; e na noite quando Ele voltar para romper todas as correntes, toda a escravidão, todo o pecado, criando um mundo novo. Como reconheceu João Paulo I, «Deus tem os Seus olhos abertos, mesmo quando nos parece que é de noite». Acrescentaria: «Sobretudo quando nos parece que é de noite»!
B. O parto está perto
3. O ser humano assemelha-se à natureza. Também nós passamos por fases. Também o nosso interior amanhece, entardece e anoitece. Só que a noite, quando cai sobre nós, parece cair para ficar prolongadamente. Dá a impressão de que vivemos tempos nocturnos. Mesmo de dia, comportamo-nos nocturnamente, soturnamente, obscuramente. Mas a noite não é o fim. A noite aloja ânsias de luz. Já Teógnis de Mégara pressentia que «as trevas escondem o acontecimento futuro».
O parto está perto. E o parto do futuro faz-se, quase sempre, após longas incursões das trevas. Não esqueçamos que é a escuridão da noite que antecede o brilho da manhã. Por conseguinte, não desesperemos na noite: a manhã está quase a despontar.
- A «luz terna e suave no meio da noite» trouxe-nos para «mais longe». Mas, entretanto, este «mais longe» está cada vez mais perto. Mesmo na noite, já sentimos brilhar o dia. S. Paulo recomenda aos cristãos para terem comportamentos diurnos, claros: «Comportemo-nos dignamente, como em pleno dia»(Rom 13, 13). E previne para que deixemos as obras das trevas revestindo-nos com as armas da luz (cf. Rom 13, 12).
Mesmo na noite — sobretudo na noite —, é imperioso ser luz. Mesmo na noite — sobretudo na noite —, é fundamental ser luminoso. Não somos chamados a ser «homens da noite», mas «homens do dia» até durante a noite. O grande dia — Jesus — já brilha. Jesus é o dia que até de noite brilha. E Maria é a estrela que nos conduz até esse dia. É uma estrela que acende a luz. Eis, pois, o Emanuel que vem, o Deus connosco que chega, o Deus para nós que nos visita. Como não chorar de comoção diante de tanto amor?
C. O Advento é (também) tempo de Maria
5. Advento é o tempo de Deus, o tempo de Jesus, e, nessa medida, o tempo de Maria que, fiel a Deus, nos traz Jesus. A Primeira Leitura fala-nos de uma casa (cf. 2Sam 7, 4). Maria é a casa que Deus escolheu para habitar neste mundo. O Evangelho diz-nos que o enviado de Deus foi à casa de Maria e sobre a casa de Maria ressoou uma celestial mensagem de alegria: «Alegra-Te, Maria», pois «o Senhor está conTigo»(Lc 1,28). Por isso, não há motivo para ter medo (cf. Lc 1,30).
Neste encontro de Deus com Maria encontramos um perfil para a Igreja. Hoje também, estamos convocados para constituirmos, em Jesus e com Maria, uma Igreja da Anunciação, uma Igreja da Alegria, uma Igreja sem Medo.
- É natural que, como sucedeu a Maria, também nós fiquemos perturbados com a proposta de Deus (cf. Lc 1, 29). Não há-de ser, porém, esse medo a impedir-nos de dar uma resposta à (divina) proposta. É importante perceber que a missão não é iniciativa nossa; a iniciativa é de Deus. É Ele que bate à nossa porta e nos chama (cf. Ap 3, 20).
Tal como Maria deixou que o Filho de Deus Se fizesse carne na Sua carne (cf. Lc 1,31-33), é fundamental que também nós deixemos que o mesmo Filho de Deus Se faça vida na nossa vida. Maria serva é o modelo para uma Igreja serva. Cada um de nós é convidado a fazer suas as palavras de Maria: «Eis a serva do Senhor; faça-se em Mim segundo a Tua Palavra»(Lc 1,38). Maria é senhora porque aceitou ser serva. O seu «sim» faz de Maria inteiramente feliz até ao fim.
D. O que por nós vela, no Natal Se desvela
7. Está aqui o grande mistério, que ao longo da história por nós vela e que no Natal se desvela. S. Paulo fala-nos do mistério «mantido em silêncio por tempos sem fim»(Rom 16,25), mas em Cristo manifestado (cf. Rom 16,25-26), tornando-se, portanto, mistério conhecido.
Mistério aqui não é o que está escondido, o que não se sabe. Pelo contrário, mistério é o que Deus nos dá a conhecer. E o que Deus nos dá a conhecer é Ele próprio, no Seu infinito amor.
- Criados à imagem e semelhança de Deus, somos criados à imagem e semelhança do Seu amor. Mas o amor que recebemos de Deus em Jesus não é só para nós nem para os nossos. Na noite de Natal, quando tivermos a nossa casa cheia e a nossa mesa farta, não esqueçamos que, de sete em sete segundos, uma criança com menos de dez anos morre no mundo. Motivo? A fome! Alguém poderá dormir descansado? O Menino que para nós nasceu, há mais de dois mil anos, agoniza, cheio de fome, nessa imensa legião de irmãos nossos. Se Ele é, de facto, diferente, quem pode permanecer indiferente?
Não há dúvida de que é bonito ver tanta gente a beijar, comovida, a imagem de barro do Menino Jesus. Mas porque é que não mostramos o mesmo afecto pela Sua imagem de carne e osso, às vezes, mais osso que carne? Não percamos de vista que o Menino não está só no presépio. Ele, hoje, também está nos hospitais e na rua: tantas vezes ignorado, tantas vezes rejeitado.
E. Do aconchego do lar ao desassossego do mundo
9. O Natal é habitualmente — e muito bem — associado às crianças. Na verdade, o Filho de Deus apareceu no mundo em forma de criança. Mas Ele está presente em todo o ser humano. E há tantos seres humanos que, nesta época do ano, são ainda mais esquecidos, ainda mais abandonados, ainda mais maltratados. Será que, por exemplo, nos lembramos dos idosos? Será que nos apercebemos da presença de Deus neles? Será que temos a preocupação de passar pelo leito em que muitos deles se encontram? Será que já compreendemos que beijar um velhinho é, hoje em dia, uma nova forma de beijar o Deus Menino?
Que o Natal não seja só para nós. Que o Natal seja para todos. Que o Natal não deixe ninguém só. Que o Natal nos leve a procurar os que estão sós. Por esta altura, a tarefa está quase concluída: a lista está pronta, as compras estão quase todas feitas e bastantes prendas já terão sido dadas. Enfim, já demos muita coisa. E nós, será que já nos demos? Será que já nos entregamos a quem Se entregou por nós? É bom receber, mas é muito mais belo oferecer. Procuremos dar, mas não nos esqueçamos de nos dar. Demo-nos a Cristo e procuremos darmo-nos em Cristo.
- Há Natais que mais parecem um aniversário sem aniversariante. Há muitos Natais frios, ainda que aquecidos à lareira. Só haverá Natal na realidade quando mergulharmos na realidade do Natal. E a realidade do Natal passa não somente pelo aconchego do lar, mas também (e sobretudo) pelo desassossego do mundo.
Não esqueçamos nunca que o Natal é a festa do nascimento de Jesus. Depois da festa em nossa casa, procuremos fazer festa na Casa d’Ele, na Casa de Jesus. A consoada começa em nossa casa e continua na Casa de Jesus. O divino Aniversariante espera por nós para a divina Consoada. Na noite santa, na noite em que o grande — e definitivo — dia começou a brilhar, procuremos participar na Eucaristia. O nascimento é de Jesus. O Natal é para nós. Jesus não é só o esperado que nos aguarda. Jesus é o (totalmente) Inesperado que nos visita. Por isso, alegremo-nos, comovamo-nos, choremos, procuremos sorrir, cumprimentemos, abracemos. E procuremos fazer do Natal um dia com 365 dias. Enfim, que o Natal, que seja logo, que o Natal seja longo. Que o Natal seja aqui. Que o Natal seja agora. Que seja sempre Natal!