A. A Igreja não é uma federação, mas uma comunhão
- A Igreja santa é, ao mesmo tempo, única e múltipla. O facto de ser única não a impede de ser múltipla e o facto de ser múltipla não a impede de ser única. Sendo única, ela está presente em toda a parte e está sempre aberta a toda a gente. Por isso, ela é universal e local. Podemos dizer, com muitos teólogos, que pertencemos a uma Igreja de igrejas. Não se trata de uma federação de igrejas, mas da comunhão entre todas elas. Em cada Igreja, está presente toda a Igreja. Cada Igreja é uma realização da inteira Igreja de Cristo. E tendo em conta que a Eucaristia faz a Igreja, então a Eucaristia de cada Igreja torna presente a comunhão de toda a Igreja.
A mesma palavra — Igreja — serve para indicar esta presença simultaneamente universal e local. Tanto se diz «a Igreja» como se pode dizer «a Igreja de Jerusalém», «a Igreja de Corinto» ou «a Igreja de Lamego». Os apóstolos e seus sucessores constituíram a Igreja em toda a terra constituindo igrejas por todo o mundo.
- Em todas as dioceses, há, por assim dizer, uma sede da unidade. E, dentro dela, encontra-se a cadeira para aquele que, em nome de Cristo, garante a unidade: o Bispo. Tal cadeira tem o nome de cátedra. É por isso que a igreja-sede de uma diocese — com a respectiva cátedra do Bispo — é denominada sé catedral. (Sé vem de sede e catedral de cátedra). Cada diocese tem um dia para assinalar a dedicação da sua catedral.
Hoje, 09 de Novembro, é o dia da dedicação da catedral da diocese de Roma. Uma vez que o Bispo de Roma é o Papa, entende-se que a dedicação da sua catedral seja assinalada em toda a Igreja. É um sinal de comunhão com a Igreja de Roma e para com o seu Bispo, sucessor de Pedro. Como refere o Concílio Vaticano II, o Bispo de Roma é «o perpétuo e visível fundamento da unidade, não só dos bispos, mas também da multidão dos fiéis». Aliás, já no princípio, Sto. Inácio de Antioquia notava que a Igreja de Roma é aquela que «preside à comunhão universal da caridade». Não admira, portanto, que a sua catedral seja reconhecida como a «mãe de todas as igrejas».
B. A catedral do Papa como Bispo de Roma
3. Regra geral, estamos habituados a ver o Papa a presidir a grandes celebrações na Basílica de S. Pedro. Mas a igreja do Papa como Bispo de Roma é a Basílica de S. João de Latrão. «Latrão» vem de «Laterano», o nome da família proprietária do terreno e do palácio que o imperador Constantino doou ao Papa Melquíades.
Aí se construiu também uma igreja dedicada ao Santíssimo Salvador. A dedicação terá ocorrido por volta do ano 320. Mais tarde, já no século VII, S. Gregório Magno dedicou esta Basílica aos dois grandes santos com o nome João: S. João Baptista e S. João Evangelista. Entretanto, a origem da actual Basílica de S. João de Latrão remonta a 1646, no pontificando de Inocêncio X, que introduziu alterações que a deixaram com a configuração actual.
- Foi nesta igreja que se realizaram as sessões de cinco concílios ecuménicos: 1123, 1139, 1179, 1215 e 1517. Daí que eles sejam comummente conhecidos como «Concílios de Latrão» ou «Concílios Lateranenses». Alguns destes concílios abordaram temas muito importantes para a vida da Igreja. Por exemplo, o terceiro Concílio de Latrão, realizado em 1179, estabeleceu as normas para a eleição do Papa por dois terços dos cardeais presentes no conclave. O quarto Concílio de Latrão, ocorrido em 1215, definiu a transubstanciação do pão e do vinho no Corpo e Sangue de Jesus.
Por conseguinte, não espanta que 21 papas lá estejam sepultados. O último pontífice a ser tumulado na Basílica de S. João de Latrão foi o Papa Leão XIII, falecido em 1903.
C. A dedicação é uma consagração
5. A dedicação de uma igreja é, essencialmente, um acto de consagração. Até ao século III, os cristãos reuniam-se nas suas próprias casas, utilizando a sala mais espaçosa para as celebrações. Alguns desses locais de culto são mencionados no Novo Testamento. Nos Actos dos Apóstolos (20, 7-11), conta-se que S. Paulo presidiu ao culto num terceiro andar, adornado com muitas lâmpadas. Também é tradição certa que S. Pedro se hospedava em Roma em casa do senador Pudente. Ali se juntavam os cristãos para ouvir as suas instruções e receber a Sagrada Eucaristia.
Ao longo do século III, estes aposentos foram crescendo em importância separando-se paulatinamente das outras partes do edifício. A Casa da Igreja (Domus Ecclesiæ) transforma-se assim em Casa de Deus (Domus Dei).
- Quando, a partir do século IV, os cristãos passaram a construir as suas igrejas de raiz, foram-nas consagrando solenemente, com ritos e textos que se foram desenvolvendo ao longo dos séculos. Foram surgindo também festas anuais, para assinalar a dedicação das igrejas mais significativas.
Ainda hoje se recomenda que as igrejas sejam dedicadas, sobretudo as catedrais e paroquiais. As outras devem ser, pelo menos, benzidas. Os traços característicos da dedicação das igrejas, após a entrada solene com aspersão e a proclamação da Palavra, são as ladainhas, a oração consecratória, a unção do altar e das paredes, a sua incensação e iluminação e, sobretudo, a celebração da Eucaristia. O altar e a igreja só se dedicam a Deus. Mas também podem ser titulares de uma igreja a Virgem ou os Santos, embora as suas imagens não devam estar sobre o altar.
D. Da igreja feita de pedras à Igreja feita de pedras vivas
7. Tudo isto significa que a igreja é a Casa de Deus, a Casa para Deus e a Casa onde o centro é Deus. Ele é o Santo, o Santíssimo. É por isso que, ao entrar numa igreja, não nos devemos logo sentar. A primeira coisa a fazer deve ser ajoelhar diante do sacrário e adorar o Santíssimo Sacramento. Só depois é que se poderá venerar a imagem de Maria e dos Santos. Infelizmente, porém, vê-se muita gente que passa pelo altar sem o menor sinal de reverência apressando-se a ir para junto das imagens de Nossa Senhora e dos Santos. Não é por mal, mas não está bem. O bem é fazer o que deve ser feito. E, aliás, é isso o que mais agrada a Nossa Senhora e aos Santos.
No texto que acabamos de escutar, vemos como Jesus ficou profundamente enfurecido quando viu que estavam a alterar a finalidade da Casa de Deus. O autor sagrado informa mesmo que Jesus fez um chicote de cordas (cf. Jo 2, 15), tal era a indignação que sentia. E embora não se diga que tenha atingido alguém com tal chicote, não há dúvida de que empregou a máxima força e determinação. Ele não podia aceitar que se transformasse a Casa de Deus numa Casa de Comércio (cf. Jo 2, 16).
- Aquele Templo é imagem do novo e definitivo Templo que é o próprio Jesus (cf. Jo 2, 19-21). Cada templo é figura do templo que deve ser o discípulo de Jesus. Com efeito, S. Paulo recorda-nos que nós, cristãos, somos «templo de Deus»(1Cor 3, 16). O templo feito de pedras evoca o templo feito de pedras vivas que somos todos nós. A atitude que devemos ter no templo é a atitude que devemos ter para com Deus, para connosco e para com os outros. Poderá essa atitude ser outra coisa que não seja respeito?
Hoje, há a tendência para cada um pensar primordialmente em si e no que é seu, esquecendo os outros e o que é dos outros. Quem entra numa igreja deve pensar na finalidade do lugar que está a pisar. Não deve preocupar-se com os seus interesses, mas com o significado do espaço em que se encontra. Em linha com o exemplo de Jesus, não podemos consentir que se transforme a Casa de Deus numa Casa de Conversa, numa Casa de Eventos ou então numa Praça, num Estádio ou numa Esplanada. É importante respeitar — e fazer respeitar — a Casa de Deus como ela é. A Igreja é para todos, mas não é para tudo. Qualquer um é bem-vindo, mas não para fazer qualquer coisa.
E. Devemos estar santamente no lugar santo
9. A Casa de Deus não é um destino turístico nem um simples monumento. Os turistas podem vir, desde que compreendam que a Casa de Deus é para fazer experiência de Deus. Quem não pretende fazer tal experiência não pode perturbar quem a deseja realizar. Em síntese, não podemos estar na Casa de Deus como estamos em casa e na rua. A Casa de Deus é diferente, «o templo de Deus é santo». Nele, devemos estar santamente, até para aprendermos a estar santamente na vida. Aliás, profano nem sequer é o contrário de sagrado, mas o que está diante do sagrado. Mesmo na rua, devemos respeitar o carácter sagrado de Deus, o carácter sagrado da pessoa humana e, nessa medida, o carácter sagrado da vida humana.
Temos obrigação de saber que um dos valores fundamentais da convivência é o respeito. Deste respeito não hão-de ficar fora o espaço sagrado e os actos sagrados. Quem tem fé compreenderá com facilidade e quem não tem fé também perceberá sem dificuldade.
- Sucede que, nos últimos tempos, chega-se a uma igreja e o que avulta é o ruído. A vontade de conversar sobrepõe-se ao direito de meditar. Parece que se pode falar com todos menos com Deus. Parece que se ouve toda a gente, menos a voz de Deus. Isto colide frontalmente com a natureza do lugar e das celebrações que nele decorrem. Não raramente, prevalece a impressão de que a igreja é para tudo, excepto para aquilo que ela existe: rezar. Até parece que o incorrecto tem mais espaço que o correcto. E que o errado encontra maior acolhimento que o certo. Aliás, quem é apontado como estando errado acaba por ser quem tenta corrigir o erro. Apesar de tudo, creio não ser impossível restituir a dignidade aos lugares e a beleza às celebrações para glória de Deus e bem-estar de todos.
Termino com uma sugestão muito concreta. Quando entrarmos numa igreja, olhemos para a frente e olhemos para dentro. Procuremos sentir que Deus está à nossa frente e que Deus Se encontra dentro de nós. Nessa altura, fechemos os lábios e fechemos os olhos. Haveremos de notar que Deus nos vê e nos fala. Deixemo-nos envolver pelo Seu amor. E habitar pela Sua infinita paz!