1. Desfaçamos já um preconceito. Ou, se possível, dois.
A Quaresma não é, necessariamente, um tempo triste. E a tristeza não tem de ser sempre uma coisa negativa.
2. A alegria é certamente saudável. Mas nem toda a tristeza será doentia.
Uma certa tristeza tornará ainda mais valiosa a própria alegria. Era talvez por isso que Kahil Gibran achava que «aquele que nunca viu a tristeza nunca reconhecerá a alegria».
3. A vida é composta de tudo. A sabedoria budista preceitua: «Assim como a terra recebe com serenidade tudo o que se atira sobre ela, assim também aceitarás com serenidade tanto a alegria como a tristeza, se pretendes atingir a sabedoria».
Porventura para nosso espanto, Jaime Milheiro considera que «só poderá saborear as verdadeiras alegrias quem tiver a capacidade de se entristecer e de se percorrer em tal sentimento, sem a obrigatoriedade de lhe fugir».
4. Aliás, uma alegria meramente folgazã pode ser o alarme de uma existência vazia, sem vontade de mudança.
Por outro lado, uma pessoa triste não é, necessariamente, uma pessoa desalentada nem derrotada. Pode ser uma pessoa consciente, insatisfeita com o presente e à procura de mudanças para o futuro.
5. S. Paulo, munido de grandes doses de psicologia teologal, exaltava a «tristeza segundo Deus» (2 Cor 7, 10).
Ser visitado pela tristeza pode não ser o mesmo que ser tentado pelo desânimo. Pode significar, antes, determinação em seguir por caminhos novos.
6. Bento XVI entendia que «há duas espécies de tristeza: uma que perdeu a esperança, que deixou de confiar no amor e na verdade e, consequentemente, destrói o homem por dentro; mas há também a tristeza que deriva da comoção provocada pela verdade e leva o homem à conversão, à resistência contra o mal. Esta tristeza cura, porque ensina o homem a esperar e a amar de novo».
Será por isso que a Bíblia diz que a tristeza é melhor que o riso (cf. Ecle 7, 3)?
7. Eric Wilson defendia que «a tristeza ensina a ver a realidade».
E foi assim que Zita Seabra notou que «se aprende muito com a tristeza».
8. Definitivamente, a existência não é unicolor. Respeitemos os tons polifónicos da vida.
Não recusemos, obviamente, a alegria. Mas também não fujamos da tristeza.
9. Afinal, muita coisa pode surgir mesmo que tudo pareça estar a cair!