1. A história chega-nos carregada de factos e sobrecarregada de interpretações.
E se acerca do que é público já são muitas as conjecturas, então sobre aquilo que é suposto ser privado, as especulações parecem tocar o infinito. E atingir o delírio.
2. Como vimos, o cardeal Giuseppe Siri esteve envolvido em muitos factos e foi envolvido por muitas especulações.
Há quem assegure que ele esteve à beira da eleição papal. E não falta sequer quem vá mais longe, garantindo que, em 1958, foi ele o escolhido. Siri terá sido quase Papa ou não terá sido mesmo Papa?
3. Esta última tese, que tem feito fortuna em alguns sectores, foi difundida por um antigo consultor do FBI: Paul Williams.
Em 2003, publicou um livro com o título «O Vaticano exposto: dinheiro, assassinato e a máfia». Nele, procura conjugar sinais e agrafar indícios.
4. No terceiro escrutínio do Conclave de 1958, o cardeal Siri terá sido eleito e escolhido o nome de Gregório XVII.
O fumo branco terá saído da chaminé. Ao fim da tarde, porém, a Rádio Vaticano informou que os resultados eram incertos. Que se terá passado?
5. Alguns cardeais terão objectado que Siri (visto como anticomunista) provocaria tumultos e até assassinatos de bispos nos países de leste.
Como alternativa, teriam optado por eleger o cardeal Frederico Tedeschini. Só que este estava muito doente. Foi então que se voltaram para Ângelo Roncalli que se tornou no Papa João XXIII.
6. Não é crível, porém, que as coisas tenham sido assim. Primeiro, porque não há documentos disponíveis. E, em segundo lugar, porque o Código de Direito Canónico torna completamente inválida uma decisão destas.
De facto, segundo as leis canónicas, ninguém pode anular uma eleição papal que tenha sido aceite.
7. Algo parecido terá sucedido, aliás, no Conclave de 1903. Aqui, também houve um veto, mas por antecipação. A oposição do imperador austro-húngaro ao cardeal Mariano Rampolla terá ocorrido antes da eleição se consumar.
Tal veto fez-se ouvir ao fim das primeiras votações quando o referido cardeal era o mais votado, mas sem ter alcançado a maioria. E registe-se que, mesmo depois, a votação em Rampolla continuou a ser alta, apesar de o eleito ter sido outro: Giuseppe Sarto, o Papa Pio X.
8. Teria havido o Concílio Vaticano II se Siri tivesse sido Papa? É provável que não.
E se Rampolla tivesse sido o escolhido? É possível que o mesmo Concílio tivesse começado (muito) antes.
9. Mas isso é o que poderia ter acontecido. E o que poderia ter acontecido não faz parte da história. Pertence à especulação.
O que não aconteceu não é realidade. É efabulação!