1. A história não é feita só de grandes acontecimentos. Ela é também tecida de pequenas circunstâncias e não poucos incidentes.
Só que, habitualmente, a pequena história não chega ao grande público. E, se chega, não chega por via pública.
2. Chega, antes, pela via da inconfidência, do sussurro, muitas vezes da insinuação. Ou seja, vem por uma via que, na maior parte dos casos, não é documentada nem testada. É o que toda a gente comenta, mas quase ninguém confirma.
No fundo, trata-se daquilo que, em condições normais, não se deveria saber. Só que aquilo que não se pode saber acaba por ser aquilo que, geralmente, as pessoas mais gostam de conhecer.
3. É pela via desta pequena história que encontramos uma figura hoje praticamente desconhecida, mas que esteve à beira de ser Papa: não uma, não duas, não três, mas quatro vezes.
É, de facto, voz corrente que, em quatro dos oito conclaves que decorreram no século XX, o cardeal Giuseppe Siri esteve sempre entre os maiores favoritos.
4. Já em 1958, com apenas 52 anos, terá entrado nas cogitações dos cardeais.
Só que, após um pontificado de quase vinte anos (o de Pio XII), prevaleceu a opção por um pontificado mais curto. E, na verdade, João XXIII já tinha 77 anos quando foi eleito. O seu pontificado só durou cinco anos.
Consta, aliás, que o cardeal Pietro Ciriaci terá espirituosamente vaticinado que, se Siri fosse eleito, teríamos tido não um «Santo Padre», mas um «Eterno Papa»!
5. Tudo indicava, entretanto, que o momento da eleição de Siri tinha chegado em 1963. E o certo é que um conjunto de cardeais ter-se-á abeirado dele no sentido de que aceitasse.
Acontece que Siri não se terá mostrado receptivo. Parece que o Concílio Vaticano II, que João XXIII convocara e estava em pleno curso, não lhe suscitava especial entusiasmo.
As atenções viraram-se, então, para outros nomes. E o escolhido foi o cardeal Montini (Paulo VI).
6. No primeiro conclave de 1978, Siri foi o mais votado nos primeiros escrutínios. Todavia, nos seguintes, Albino Luciani passou para a frente. E aquele que Basil Hume qualificou como o «candidato de Deus» viria a ser o Papa João Paulo I.
O «candidato óbvio» não passaria de uma promessa? Para Siri, nem à terceira foi de vez!
7. Sucede que, volvido pouco mais de um mês, o «Papa do Sorriso» morre e mais um conclave se inicia.
Siri destaca-se desde o princípio, mas, quando parecia que pouco faltava, os votos começam a diminuir.
8. O que parecia inevitável transforma-se em impossível.
E é Karol Wojtyla, inicialmente com poucos votos, que se torna no Papa João Paulo II.
9. Que se terá passado? Há quem aponte dois factores.
Siri ter-se-á recusado a nomear Secretário de Estado, em caso de eleição, o segundo mais votado (cardeal Benelli).
Dizem, porém, que o que mais pesou foi uma entrevista que Siri deu à «Gazzetta del Popolo». Nela, fazia uma avaliação negativa das mudanças introduzidas pelo Concílio Vaticano II, criticando (embora com respeito) a acção de João XXIII e Paulo VI.
10. Perante estas declarações, os poucos votos que faltaram nunca chegaram a aparecer. E foi assim que o outrora visto como «Eterno Papa» se converteu em «quase Papa», em «nunca Papa».
Há momentos em que o silêncio, mesmo não sendo eloquente, pode ser persuasivo. E muito mais convincente!