1. A lógica explica muito, mas também ilude bastante. Há, pois, que usá-la sem medo, mas com algumas cautelas.
É possível que pouca coisa escape à lógica. Acontece que essa pouca coisa que escapa à lógica pode ser a mais importante, a mais decisiva.
2. O mundo até é bastante lógico. O problema é que não é inteiramente lógico. Chesterton dá um exemplo esclarecedor.
Imaginemos um habitante da Lua a olhar para o corpo humano. A primeira impressão que obterá é que o corpo humano é uma duplicação. Cada pessoa é dupla, sendo a parte direita muito semelhante à parte esquerda.
3. O habitante da Lua notará que existe um braço direito e um braço esquerdo, uma perna direita e uma perna esquerda, um olho direito e um olho esquerdo, uma narina direita e uma narina esquerda.
A lógica levá-lo-á a concluir, ao detectar que existe um coração voltado para um lado, que também existirá um coração voltado para o outro lado. E é aí, no momento em que a certeza parece maior, que o engano se revela total.
4. Isto significa que a lógica nunca pode distanciar-se da realidade. A lógica tem de seguir de perto a realidade. Esta, a realidade, é feita de muitas semelhanças, mas também é composta por muitas dissemelhanças.
Há momentos em que os elos se quebram. Há alturas em que as sequências se interrompem. Sem uma constante observação da realidade, podemo-nos tornar uma espécie de nefelibatas.
5. Apesar de poderosa, a lógica também falha. E é por isso que os muitos sábios — os que mais costumam manusear a lógica — também erram. Aliás, a história demonstra que os grandes sábios também incorrem em grandes erros.
Porquê? Basicamente, porque dão mais atenção às constantes do que às variáveis. Porque presumem que aquilo que acontece é uma mera decorrência daquilo que já aconteceu.
6. E, no entanto, a experiência atesta que a lógica não é completamente sólida. Parafraseando Zygmunt Baumann, diria que a lógica também é bastante líquida. De há uns anos para cá, tudo parece instável, fragmentado, disperso e incerto. O mito do progresso irreversível parece cair e desmoronar-se à nossa frente.
De repente e como avisa Baumann, apercebemo-nos de que «vivemos numa espécie de irrealidade nos últimos trinta anos, pensando que o crescimento era ilimitado; agora estamos em choque porque verificamos que não é».
7. O nosso equívoco foi acharmos que os recursos eram inesgotáveis e com acesso garantido. Fizemos do dinheiro o instrumento básico e erigimos o consumo em valor supremo. A lógica parecia imbatível.
Só que começamos a notar que o dinheiro não dá para o consumo desejado e escasseia até para as necessidades mais elementares.
8. Continua a haver muito dinheiro nas mãos de poucos. Mas há cada vez menos dinheiro nas mãos de muitos.
Haverá alguma justiça no meio de tudo isto? E subsistirá alguma lógica?