Gostaria de vos contar uma história. É uma história de Kirkegaard reproduzida por Joseph Ratzinger no seu livro Introdução ao Cristianismo.
Gostaria de vos contar uma história. É uma história de Kirkegaard reproduzida por Joseph Ratzinger no seu livro Introdução ao Cristianismo.
1. Neste tempo em que quase tudo está programado, ainda há acontecimentos que nos espantam e pessoas que nos surpreendem.
A renúncia do Santo Padre não é caso único na história, mas, nos últimos seis séculos, é facto inédito. Com efeito, em muitas centenas de anos, é a primeira vez que um Papa anuncia a data do fim do seu ministério.
2. É muito sintomático que uma pessoa tão cerebral se revele também uma pessoa tão sensível. Mas se repararmos, os momentos principais da sua vida foram marcados por uma intensa sensibilidade.
Em 1981, foi sensível ao apelo de João Paulo II e veio para Roma. Até 2005, manteve-se sensível ao mesmo João Paulo II, que não atendeu aos seus pedidos para se retirar. Em 2005, voltou a ser sensível ao colégio dos cardeais que o elegeu Papa. Desta vez, mostra-se sensível a si mesmo, à debilitação progressiva das suas forças.
3. As atitudes de João Paulo II e Bento XVI parecem diametralmente opostas, mas, a bem dizer, estão intrinsecamente ligadas.
O elo de ligação está na mesma fé e em igual amor à Igreja.
4. Foi por amor à Igreja que João Paulo II entendeu permanecer até ao fim. Foi por amor à Igreja que Bento XVI decidiu sair antes do fim.
João Paulo II optou por confiar naqueles que trabalhavam com ele. Bento XVI optou por confiar o trabalho a outro depois dele.
5. João Paulo II entendeu apagar-se à frente de todos. Bento XVI decidiu retirar-se da frente de todos.
João Paulo II expôs-se até quando se apagava. Bento XVI quer retirar-se antes de se apagar.
6. Neste sentido, não é correcto dizer que João Paulo II ficou apegado ao lugar nem que Bento XVI optou por abandonar a missão.
Afinal, trata-se da mesma leitura crente da realidade. Sejam quais forem as nossas opções, é sempre Deus que conduz a história: antes de nós, connosco e depois de nós.
7. Bento XVI tem inteligência, lucidez, coragem, obra feita. Só não teve imprensa favorável.
Nunca foi — nem procurou ser — mediático. A imagem que dele criaram não corresponde ao que ele é.
O presente não tem tido justo para com ele. Mas estou certo de que o futuro lhe fará justiça. Este Papa sempre preferiu a luminosidade das profundezas às fugazes luzes da ribalta!
8. Mas — atenção — o Papa vai cessar este ministério, mas não vai deixar a missão. Pretende continuar a servir a Igreja «com uma vida dedicada à oração».
E assim se faz história uma vez mais. Tudo começa na oração. Tudo deve decorrer na oração. Tudo há-de ser reconduzido à oração.
A oração é o berço, o alimento e o corolário da missão.
9. Este recolhimento não traduz, por isso, uma desistência. Traduz, sim, um acto de confiança.
Significa acreditar que, no fundo, é Deus que guia o Seu povo. Nós somos os Seus instrumentos, a Sua voz, as Suas mãos, os Seus pés!
10. No entanto, só pessoas verdadeiramente grandes são capazes desta compreensão. E de gestos com esta dimensão, com esta nobreza, com esta humildade.
Por isso e por tudo (que é tanto), muito obrigado, Santo Padre!
João Paulo II entendeu apagar-se à frente de todos. Bento XVI decidiu retirar-se de todos.
João Paulo II expôs-se até quando se apagava. Bento XVI quer deixar de se expor antes de se apagar.
Atenção que o Papa diz que vai continuar a servir. Vai continuar a servir rezando. Porque a oração também é serviço, o principal serviço, a base de todo o serviço.
Aliás, é bom não ignorar que Bento XVI recorda a natureza da missão que vai deixar.
Trata-se de uma missão sobretudo espiritual. É fundamental que nunca o esqueçamos!
Muito pessoalmente, também penso que a alusão do Papa à debilidade das suas forças não se refira apenas ao que se passa no seu corpo. É bem possível que ele pensasse também (e bastante) no que ocorre no corpo da Igreja.
Quer como cardeal, quer como Papa, Bento XVI nunca negou que o principal problema da Igreja é interno.
É natural, por isso, que esta evocação da falta de vigor inclua também muito desencanto sobre o que se passa na barca de Pedro!
As atitudes de João Paulo II e Bento XVI, perante a mesma situação, parecem diametralmente opostas, mas, afinal, estão intrinsecamente ligadas.
A ligação está na mesma fé e em igual amor à Igreja.
Foi por amor à Igreja que João Paulo II entendeu permanecer até ao fim. Foi por amor à Igreja que Bento XVI decidiu sair antes do fim.
Neste sentido, não é correcto dizer que João Paulo II ficou apegado ao lugar nem que Bento XVI optou por fugir da missão.
João Paulo II optou por confiar naqueles que trabalhavam com ele. Bento XVI optou por confiar o trabalho a outro depois dele.
No fundo, é a mesma leitura crente da realidade. Sejam quais forem as nossas opções, é sempre Deus que conduz a história: antes de nós, connosco e depois de nós!
É muito sintomático que o Papa tão intelectual se revele uma pessoa tão sensível.
Se repararmos, os momentos principais da sua vida foram marcados por uma intensa sensibilidade.
Em 1981, foi sensível ao apelo de João Paulo II e veio para Roma.
Até 2005, manteve-se sensível ao mesmo João Paulo II, que o impediu de se retirar.
Em 2005, voltou a ser sensível, desta vez ao colégio dos cardeais que o elegeram Papa.
Nesta altura, mostra-se sensível a si mesmo, à sua situação, concretamente à debilidade progressiva das suas forças.
Em todas estas manifestações de sensibilidade, aflora uma aguda racionalidade.
De facto, é muito racional dar atenção aos sinais da realidade. É um acto de profunda lucidez discernir com a razão (neste caso, iluminada pela fé) aquilo que a sensibilidade emite.
As forças do Papa podem estar a enfraquecer. Mas a inteligência continua intacta!
A renúncia do Papa, não o esqueçamos, é um acontecimento da vida da Igreja e, nessa medida, da história da humanidade.
Tendo em conta que a Igreja está na humanidade, é natural (e até saudável) que aquilo que diz respeito àquela seja discutido nesta.
Mas era importante que os critérios fossem adequados. Daí que seja curioso notar como, na grelha analítica que percorre a comunicação social, os critérios prevalecentes não são tanto os teológicos, mas os políticos.
É estranho olhar para este acontecimento a partir do ângulo mediático e da febre informativa.
Procuram-se explicações imediatas, descurando-se as motivações profundas. Curiosamente, tais explicações imediatas pertencem ao reino da especulação, da conjectura e até da conspiração. Já as motivações profundas econtram-se no texto papal.
Não custa lê-lo. É pequeno. Mas é fundamental lê-lo com muita atenção. Apesar de pequeno, é muito profundo!
A vida não é medida pelo número de anos, mas pela intensidade da vivência.
Para Jules Renard, «a vida não é comprida nem é curta: ela tem uma duração própria».
E, nessa medida, é eterna.
A eternidade não é o prolongamento indefinido; é o rasto que fica. E há vidas que deixam rasto para sempre!
«A política tem sido a arte de obter a paz por meio da injustiça».
Será que Agostinho da Silva tem razão?
De facto, nem sempre a paz nasce da justiça. Mas só quando nasce da justiça a paz é paz!
Crescenzo afirmou: «É fácil amar a humanidade, difícil é amar o próximo».
Sucede que só amando o próximo se conseguirá amar a humanidade.
Sem cada próximo a humanidade fica incompleta, inconcluída!
O contraste entre a ditadura e a democracia não é tão linear como parece.
A imposição da vontade de um sobre muitos é vista como ditadura. Mas será que a imposição da vontade de muitos sobre um é democrática?
A vontade de muitos será sempre (e necessariamente) melhor que a vontade de um?
É aqui que entra a função moderadora da ética e da lei.
A ética e a lei têm a função de nos livrarem do despotismo de um e a missão de nos acautelarem dos descontrolados ímpetos de muitos!
Hoje, 12 de Fevereiro, é dia de Sta. Eulália de Barcelona e Sto. António Cauleas.
Um santo e abençoado dia para todos!
A 19 de Maio, as agendas litúrgicas assinalam a memória de S. Celestino V.
Trata-se de alguém que, muito a contragosto, aceitou ser Papa, mas que, pouco tempo depois, abdicou.
O que sempre me impressionou mais neste homem foi a humildade com que aceitou a missão e a humildade com que se retirou dela.
Pedro Celestino, eremita, nasceu em 1221 em Isenia, na província de Apulia.
Tendo apenas seis anos de idade, disse à mãe: «Mãe, quero ser um bom servo de Deus».
Depois de ter terminado os estudos, retirou-se para um ermo, onde viveu dez anos.
Decorrido este tempo, ordenou-se em Roma e entrou na Ordem Beneditina.
Com licença do Abade, abandonou o convento, para continuar a vida de eremita. Como tal, teve o nome de Pedro de Morone, nome tirado do morro de Morone, no sopé do qual erigira a cela em que morava.
O tempo que passou naquele ermo foi uma época de grandes lutas e provações.
A paz e tranquilidade voltaram depois de Pedro ter confessado o estado de sua consciência a um sábio sacerdote.
Em 1251, fundou, com mais dois companheiros, um pequeno convento, perto do morro Majela. A virtude dos monges animou outros a seguir-lhes o exemplo.
O número dos religiosos, sob a direcção de Pedro, cresceu tanto que o superior, por uma inspiração divina, deu uma regra à nova ordem, chamada dos Celestinos.
Esta Ordem, reconhecida e aprovada por Leão IX, estendeu-se admiravelmente, e, ainda em vida do fundador, contava 36 conventos.
Com a morte de Nicolau V, em 1292, ficou a Igreja sem Papa.
Dois anos durou o conclave, sem que os cardeais chegassem a acordo.
Finalmente, a 5 de Julho de 1294, contra todas as expectativas, saiu eleito Pedro Morone.
Só que ao eremita faltavam por completo as qualidades indispensáveis para governar a Igreja, ainda mais num período tão crítico e difícil.
Os cardeais depressa viram que o eleito, em vez de ouvir os seus conselhos, preferia seguir os do rei e de alguns monges, ficando com isto seriamente afectados os interesses da Igreja.
O Pontífice, por sua vez, reconheceu que estava deslocado e depressa abdicou (13-12-1294).
Bonifácio VIII, seu sucessor, foi interpelado por muitos, que chegaram a declarar não justificada, e sem efeito a abdicação de Celestino, e ilegal a eleição de Bonifácio.
Para afastar o perigo de um cisma, mandou fechar Celestino, até à morte, no castelo Fumone.
Pedro sujeitou-se a esta medida coerciva e passou dez meses, por assim dizer, na prisão.
Por uma graça divina foi conhecedor do dia da sua morte, que predisse com toda a exactidão.
Tendo recebido os Santos Sacramentos, esperou a morte, deitado no chão. As últimas palavras que disse foram as do Salmo 150: «Todos os espíritos louvem ao Senhor».
Já em 1313 foi honrado com o título de Santo, pela canonização feita por Clemente V.
A Ordem dos Celestinos estendeu-se rapidamente pela Itália, França, Alemanha e Holanda.
Estimada pelos príncipes, teve em todos os países uma bela florescência, até à grande catástrofe religiosa na Alemanha e a Revolução Francesa.
Na Itália existem ainda poucos conventos da fundação de Pedro Celestino.