1. A fé não é para pessoas ignorantes. Crer também é conhecer.
Desde logo, porque a fé não dispensa a razão. Se a fé afecta a pessoa toda, é óbvio que não deixa de lado a sua racionalidade.
2. Na fé, a razão é chamada a conhecer o que entende e a reconhecer aquilo que não consegue entender.
E note-se que nem sequer é irracional admitir os limites da razão. Na linha de Pascal, dir-se-ia que é um acto de razão assumir que há uma infinidade de coisas que a ultrapassam.
3. Na Bíblia, designadamente no Novo Testamento, sobressai uma afinidade entre a fé (pistis) e o conhecimento (gnosis). Por conseguinte e como assinalou Heinrich Fries, «existe um conhecimento crente e uma fé conhecedora».
A fé não é, pois, ausência de conhecimento. Ela pode ser princípio e plenitude de conhecimento.
4. O problema, ao longo da história da Igreja, esteve na tentação de separar a fé do conhecimento e o conhecimento da fé.
O resultado foi sempre desastroso: ou uma fé onde a razão não entra ou um conhecimento onde a fé não conta.
5. Na sua relação com Deus, o homem, que não pode dispensar a razão, também não pode limitar-se à razão. É que, a montante do acto de fé, encontramos a revelação divina e, a jusante desse mesmo acto de fé, deparamos com o dogma e com a doutrina.
Quer a revelação, quer o dogma e a doutrina, não sendo irracionais, estão muito para lá das fronteiras da razão. Isto significa que a razão pode acolher a revelação, a doutrina e o dogma, mas não está em condições de, só por si, os entender.
5. Como é que Deus, sendo único, é composto por três pessoas? Como é que Jesus, sendo divino e nessa medida poderoso, é morto na Cruz?
Aqui, o conhecimento meramente racional dá sinais de parar e, pior, parece capitular. Aliás, já na antiguidade, Tertuliano afirmava que «a razão está cravada na Cruz».
Mas isso não diminui a verdade nem apouca a respectiva credibilidade. O mencionado autor argumentava: «O Filho de Deus morreu. É uma coisa digna de crédito porque é uma loucura. Foi sepultado e ressuscitou. Trata-se de algo certo porque é impossível»!
6. Ressuscitar depois de morrer é algo que não está ao alcance do homem. Só está ao alcance de uma entidade sobre-humana. Enfim, só está ao alcance de Deus. A razão não entende, mas admite.
O paradoxo converte-se, assim, em paradigma de verdade. O que não tem explicação no homem só pode ter explicação em Deus.
7. Para o crente, não é a fé que está submetida à razão; é a razão que se vê iluminada pela fé.
Não é a razão que se erige em critério para a fé; é a fé que se assume como critério para a razão.
Não é a razão que ofusca a fé; é a fé que ilumina a razão.
8. É por isso que o homem crê não porque abdique de entender, mas porque deseja entender melhor.
Sto. Agostinho exarou este desígnio numa expressão que se tornou célebre: «Credo ut intelligam», creio para poder entender.
9. A fé não é, pois, uma abdicação da inteligência. Pelo contrário, é uma janela para a inteligência.
Crendo, a inteligência não fica obscurecida, mas iluminada. Daí o caminho de Sto. Anselmo: «Creio primeiro para, depois, me esforçar por compreender. Pois uma coisa eu sei: se não começar por crer, não compreenderei jamais»!