1. Apercebemo-nos do que a fé é e sentimos que a fé está. Mesmo antes de nos apercebermos do que é a fé, sentimos que a fé está.
Numa aproximação inicial, dir-se-ia que a fé está na nossa relação com as coisas e na nossa relação com as pessoas.
2. Na nossa relação com as coisas, a fé começa por estar em nós como percepção de que não sabemos. Ou de que não sabemos plenamente.
De facto, num primeiro momento, quando alguém diz «creio» está a dizer que não sabe ou, então, que não sabe com toda a certeza.
Daí que quando alguém diz «creio» esteja — pelo menos, implicitamente — a admitir que o contrário também é possível. Quando alguém diz «crer» que o seu clube vai ganhar sabe que também conta com a possibilidade de perder.
3. Neste caso, a fé assemelha-se a uma tentativa de conhecimento antes do acontecimento. Tratar-se-á mais de um desejo do que de um vaticínio.
A fé, assim vista, está mais perto do palpite, do vislumbre, onde tudo parece possível, mas em que nada surge como garantido nem seguro.
Ela parece ficar a meio entre a mera suspeita e o conhecimento exacto. Será superior a um simples alvitre, mas continuará inferior ao verdadeiro saber.
4. Já no que toca à relação com as pessoas, a fé assume outras proporções. O índice de certeza e segurança é bastante diferente e incomparavelmente maior.
Quando alguém diz «creio em ti» expressa um acto de confiança que envolve a inteligência, a vontade e o sentimento. Ou seja, abarca a totalidade da pessoa.
5. Assim sendo, a fé pressupõe um relacionamento e pode até implicar uma entrega de toda a vida.
Aliás, a etimologia das palavras remete-nos para isso. Em alemão e inglês, acreditar (glauben, believe) tem a mesma raiz de amar (lieben, love). E, no latim, o verbo credere (acreditar) procede, segundo algumas derivações, de cor-dare, dar o coração.
6. Isto significa que, no plano pessoal, a fé oferece um conhecimento seguro. A pessoa entrega-se a quem conhece e conhece bem. É impensável que alguém se entregue a quem não conhece.
É claro que pode haver um equívoco acerca da pessoa. A coisa mais fácil do mundo — reconhecia Madre Teresa de Calcutá — é sermos enganados. É, no entanto, com base no relacionamento que presumimos conhecer as pessoas. Não se trata de uma relação sujeito-objecto, mas de uma relação eu-tu.
7. É a partir da confiança que nos merece a pessoa que damos assentimento e concordância àquilo que ela diz, àquilo que ela fez.
Esta é, pois, a «porta da fé», expressão usada por Bento XVI e que se encontra no centro do Livro dos Actos dos Apóstolos (17, 24).
Paulo e Barnabé encontram-se em Antioquia e relatam aos cristãos como, apesar das dificuldades, muitos se tinham tornado cristãos em diversas cidades, transpondo assim a «porta da fé».
8. É uma porta aberta por Deus na medida em que cumpre o que promete, na medida em que diz o que faz e faz o que diz. É uma porta que nunca fecha e que, por conseguinte, está à disposição de todos.
É uma porta que podemos transpor pela resposta vivencial à vivencial proposta de Deus.
9. A fé é uma porta que dá para uma casa. É a casa do Evangelho. Do Evangelho difundido pela palavra, acolhido pela oração, mantido na caridade e fortalecido pelo testemunho.
10. Não fiquemos à porta. Entremos na casa. A fé não é para tudo. Mas é para todos!