1. O nosso grande problema, hoje, não é a ausência de conhecimento. Graças a Deus, dispomos de muitas vias de acesso ao conhecimento.
O nosso maior problema, hoje, é a vivência. Mas na vivência estão também as nossas possibilidades!
2. Não sei se o nosso défice, hoje, é a distracção ou a policoncentração. Só sei que estar concentrado em várias coisas ao mesmo tempo não me parece viável.
3. A hiperactividade é um dado e uma característica não exclusiva dos mais novos.
É fundamental estar atento. Aliás, já os antigos padres do deserto alertavam que «o único pecado é a distracção».
Pedro Paixão também estava convencido de que «pecado é "distrair-se" do fundamental».
4. Pecado poder ser estar atento apenas ao ruidoso; é não dispensar a atenção devida (e merecida) ao silencioso.
Até orar é, acima de tudo, atender, estar atento. Simone Weill não hesitava: «A atenção é a oração; a oração é a atenção».
5. Preocupante é sentir que, para muitos, a inocência é o que está longe, é o que está antes, sepultado nos começos.
No imaginário da maioria, a inocência não é só a ausência de maldade.
A inocência acaba por ser vista como ingenuidade. Daí não faltar quem ache que crescer é perder a inocência.
6. Devíamos olhar para a inocência não só como um dado, mas também como uma construção.
Como assinala Tolentino de Mendonça, «a inocência não é o estádio antes: antes da vida, antes da cultura, antes das decisões fundamentais».
Acontece que «a inocência é uma descoberta, um caminho, uma decisão». Porque é que o crescimento há-de ser uma decadência? Creio que se pode ser inocente para sempre!
7. Mas o que é a inocência, afinal? Para Tolentino de Mendonça, «tem que ver com a possibilidade de permanecer com o espanto a vida inteira e com uma simplicidade que nos desarma».
A inocência não é só a infância. Não se trata apenas de «um território que deixei e a que só em memória posso regressar, mas como um projecto».
8. Mas...o que é que nos espanta, hoje? Parece que está tudo programado, tudo controlado, tudo previsto.
Já nada nos surpreende. Não é, porém, que a surpresa tenha emigrado. Nós é que deixamos de estar atentos.
Há muito bem a ser semeado, a emergir. A seu tempo, há-de frutificar!
9. Habituámo-nos a procurar Deus no máximo. Habituemo-nos a encontrar Deus no mínimo.
Atenção, por isso, às pequenas coisas, aos pequenos gestos, aos pequenos acontecimentos.
Tudo depende deles...a começar pelas grandes coisas, pelos grandes gestos, pelos grandes acontecimentos.
10. Os ingleses dizem que Deus está no pormenor. E os monges budistas atestam que Deus Se encontra no grão de arroz.
De facto e como anota Tolentino de Mendonça, «é no pequeno, até no insignificante, no mais quotidiano, que Deus nos visita»!
11. A Teologia transporta uma pretensão, mas tem de ter em conta uma realidade.
Ela é o estudo sobre Deus, mas acaba por ser o estudo daquilo que o homem pensa sobre Deus.
É um esforço legítimo e um dever inadiável. Mas, como anotou Eduardo Lourenço, «o importante não é o que eu penso de Deus; é o que Deus pensa de mim».
12. O foco da fé transporta-nos para o mistério. E esse foco está à disposição de todos.
Neste Ano da Fé, é mister perceber que, hoje em dia, não existe uma crise do crer, mas uma crise do pertencer. As pessoas, porventura, até crêem cada vez mais. Mas pertencem cada vez menos.
Como anota Tolentino de Mendonça, «há mais dificuldade na pertença do que na crença».
Trata-se de uma interpelação aos crentes, mas também às instituições, designadamente à Igreja.
13. As pessoas continuam a aproximar-se de Deus. Mas, nessa proximidade, há quem se afaste da Igreja. Há quem queira crer. Há quem, querendo crer, não queira pertencer!
14. É óbvio que ninguém é capaz de ser tão humano como o homem. Mas também é verdade que ninguém consegue ser tão desumano como o mesmo homem.
Nenhum outro animal faz coisas tão belas. Mas também nenhum outro animal realiza coisas tão abjectas.
Tolentino de Mendonça avisa: «Os cristãos sabem que todos somos capazes de coisas abjectas».
É preciso estar atento. E, já agora, convém ter presente a exortação de Jesus: «Sem Mim, nada podeis fazer»(Jo 15, 5).
15. Qualquer um pode estar à beira do abismo. E ninguém está livre de dar um passo em frente.
Voltando a Tolentino, diria que «a experiência do mal atravessa todas as vidas». E nem sempre lhe conseguimos escapar. Todos precisamos de ser salvos».
E acredito que todos havemos de ser salvos!