1. Eis um momento que parece ser um despertar.
Para o povo, os limites já foram ultrapassados. Para o poder, porém, o limite parece que ainda não terá sido atingido. Cada medida de austeridade aparenta ser o prenúncio de...mais medidas de austeridade.
2. Há sensivelmente um ano, admitia-se que 2012 iria ser difícil, mas, ao mesmo tempo, garantia-se que, em 2013, a crise iria ser superada. Agora, já ninguém duvida que 2013 vai ser ainda mais duro que 2012.
O que, no fundo, nos é transmitido é que temos de empobrecer para enriquecer. E que
temos de ficar pior para ficar melhor.
É claro que nada disto não faz sentido. É a pura quadratura do círculo.
Mas é o que nos querem fazer crer!
As pessoas estão arrasadas. Muitos sonhos estão desfeitos. As maiores esperanças encontram-se degoladas.
3. O cidadão revê-se na célebre síntese de José Régio: «Não sei para onde vou. Sei que não vou por aí!»
O povo sabe que este caminho não nos conduz aos objectivos pretendidos. Mas não consegue ver quem seja capaz de fazer diferente e de nos levar para melhor.
4. Como diz Agustina Bessa-Luís, «o país não precisa de quem diga o que está errado; precisa de quem saiba o que está certo».
Saber o que está errado até nós sabemos. O mais curioso é que até aquilo que alguns dizem estar certo também está errado. Tudo somado, o país parece uma nau sem rumo nem timoneiro!
5. Como é óbvio, estou solidário com a gente sofrida do nosso povo. Acompanho-a nas manifestações de indignação.
Apenas espero que, apesar da dureza das medidas, se mantenha alguma moderação nas acções de contestação. É possível (e desejável) denunciar a injustiça num ambiente de paz.
6. Não é com gritaria nem com atitudes intempestivas que se resolvem os problemas ou superam as dificuldades. Mas o ruído serve de despertador e deve ser encarado como um alerta.
Subestimar os sinais de indignação, que já mal encobrem a revolta, é pouco avisado. Estamos surpreendidos com a violência dos protestos. Mas é bom não esquecer a violência das medidas.
7. As condições de vida das pessoas estão a degradar-se cada vez mais. O poder deveria ser o provedor do cidadão.
É certo que, às vezes (quase sempre), tem de tomar decisões dolorosas. Mas é fundamental que tenha a percepção dos limites. Até isto está a faltar!
8. O problema da classe política nem será da vontade. Não creio que haja uma estratégia deliberada de entrar em guerra com a sociedade, designadamente com a população trabalhadora.
O problema não é de vontade, é de sensibilidade. A classe política tem pouca sensibilidade para o sofrimento das pessoas. Já não se condói com as suas dificuldades. Tudo parece ser decidido numa mesa de contabilidade.
9. Acontece que não é apenas a política que está a falhar. Os povos têm também problemas de natureza cívica.
A política está numa curva de decadência. Mas o civismo também se encontra numa penosa fase de desmotivação. E no limiar de uma perigosa fase de desorientação.
Está visto que a política não consegue melhorar a vida do povo. Conseguirá o povo melhorar a política?