Katherine Mansfield: «Quero tornar-me aquilo que sou: uma criança feita de luz».
Eis uma ambição pejada de sensatez. No fundo, devíamos combinar a maturidade do crescimento e a simplicidade da infância.
Objectivo difícil, sem dúvida. Mas será uma missão impossível?
Como são as coisas! O bom é considerado mentira. O mau é considerado verdade.
Quando uma coisa boa nos acontece, confessamos quase por instinto: «Até parece mentira!»
Já quando algo de mau nos sucede, afirmamos igualmente de pronto: «Pode acreditar que é verdade, a mais pura das verdades»!
Terá a mentira um sortilégio de encanto? E terá a verdade um peso que esmaga?
De facto, a mentira é verdadeira; é verdadeira como mentira.
Já a verdade nunca é mentirosa. Sobretudo quando é incómoda!
«A glória só chega àqueles que com ela sonharam».
É compreensível que esta afirmação pertença a Charles de Gaulle, que sempre sonhou com a «grandeur» do seu país e também com a sua própria «grandeur» pessoal.
Com todo o respeito, há coisas mais importantes (e mais belas) com que sonhar: com um mundo melhor, por exemplo!
Nem sempre o antigo é degolado pelo novo. Sucede até, não raramente, que o surgimento do novo como que revaloriza o antigo.
Pensemos no caso do livro.
Já tantas vezes se dissertou sobre o seu putativo desaparecimento. A concorrência é forte. Mas o saldo até pode ser favorável.
Será que o livro estará a perder para a televisão?
Groucho Marx era muito claro: «Para mim, a TV é muito instrutiva. Quando alguém a liga, corro à estante e pego num bom livro».
E, deste modo, a televisão até se mostrará um forte aliada da preservação do livro!
Quando um recipiente está quase cheio ou já desgastado, pode não haver lugar para mais.
O que chega pode partir. O que parte pode nunca voltar.
Os amigos da infância, porém, voltam sempre. Porque a sua amizade está alojada no fundo. E o que está no fundo nunca do fundo sai.
Podem passar muitos anos sem uma palavra ou sem uma visita. Mas os primeiros amigos regressam sempre. Para provar que, afinal, nunca se ausentaram!
Hoje, 13 de Agosto, é dia de S. Ponciano, Sto. Hipólito, S. Cassiano de Ímola e S. Marcos de Aviano. Um santo e abençoado dia para todos!
1. As primeiras impressões dificilmente se extinguem. Mas são as últimas recordações que jamais se apagam.
D. António de Castro Xavier Monteiro chegou a Lamego com um coração de pastor e, quase 28 anos depois, despediu-se de Lamego com um olhar de pai.
Se a primeira marca constituíra já um registo forte, a derradeira imagem ofereceu, sem dúvida, uma memória imperecível.
É sabido que, ao aproximar-se o fim, D. António quase não falava. Mas não deixava de comunicar. Acima de tudo, com o olhar.
Era um olhar sofrido. Mas também um olhar sereno. Um olhar acolhedor. Um olhar agradecido. Um olhar de pai.
2. Foi há doze anos que D. António faleceu. Eram 18h30 do dia 13 de Agosto de 2000.
Confesso que me causa alguma estranheza que esta efeméride continue a passar incógnita na terra para onde ele veio com alegria e que serviu com extremos de dedicação.
D. António enchia as pessoas com a sua palavra e preenchia os ambientes com a sua presença.
Entrou na cidade a 8 de Outubro de 1972, vindo de Lisboa onde era bispo auxiliar do então Patriarca, D. Manuel Gonçalves Cerejeira.
3. Ao saber da nomeação, não escondeu o contentamento: «Foi de joelhos, diante do altar, que li a carta onde me era significada a transferência para Lamego. Agradeci ao Senhor esta nova e grande chamada Sua ao seu serviço; e só Lhe pedi, mas comovidamente, que estivesse sempre comigo».
A partir dessa altura, Lamego passou a ser «a minha casa e a minha família». Em Lamego queria «ser pastor, vínculo de paz, de amor e de unidade».
4. A entrada de D. António na diocese foi um acontecimento marcante.
Mobilizou toda a gente. E nem os mais pobres foram esquecidos.
As Conferências Vicentinas aumentaram (com mais um quilo de arroz, um quilo de açúcar, um quilo de massa e um pacote de chá) as dádivas para as velhinhas e (com alguns maços de cigarros) para os velhinhos!
Acompanhava o cabaz uma estampa em que se assinalava a «especial predilecção e ternura que o senhor Arcebispo já mostrara por esses membros sofredores de Cristo que são os pobrezinhos e os necessitados de toda a ordem».
5. A intervenção social e política não foi esquecida.
Nas eleições legislativas de 1979, publicou uma nota que teve larga repercussão.
Alertava ele: «A Igreja tem o uma dupla missão: afirmar e promover o respeito pelos direitos do Homem e denunciar e condenar todas as suas violações».
Já há trinta anos, D. António mostrava-se cônscio de que «a contestação das ideias pode ser um direito e até um dever» ao passo que «a destruição das pessoas nunca se justifica».
6. A sua grandeza ficava bem patente em pequenos gestos.
A 15 de Outubro de 1978, foi a Espadanedo, concelho de Cinfães, em visita pastoral.
Arlindo Pinto da Silveira, de 49 anos, estava paralítico há 36 em consequência do reumatismo agudo que o afectou. Pois D. António fez questão de o ir crismar a casa, ficando a corresponder-se com ele a partir desse dia.
7. Cultivava o D. António uma proximidade que surpreendia e cativava.
Era dotado de uma nobre simplicidade. Não falava muito, mas estimulava imenso.
D. António tinha, efectivamente coração de pastor, palavra de mestre e olhar de pai.
8. Não deixemos apagar o seu rasto. Não esbatamos a sua memória. Honremos o seu legado.
Disse Elie Wiesel que «esquecer é rejeitar». Seria imperdoável esquecer quem nunca nos esqueceu.
9. Jamais poderei esquecer a sua estatura espiritual, humana e intelectual.
A sua delicadeza sempre o distinguiu e nobilitou.
D. António nunca esqueceu Lamego durante a vida. Que Lamego não se esqueça de D. António após a sua morte.
10. Aqui deixo uma prece sentida. Daqui verto uma recordação entremeada de saudades. Profundas. Imensas.