1. Não será propriamente o tema mais exaltante. Pela sua natureza, a corrupção putrefaz tudo por onde passa. A própria linguagem que a denuncia não parece ficar incólume.
É por isso que se propende a ficar pelo sussurro, pela conversa privada ou, então, pela delação anónima.
2. É claro que a corrupção estará tanto mais disseminada quanto menos nos apercebemos dela, quanto mais nos acostumamos a ela.
Também salta à vista que a corrupção não é um exclusivo de nenhum sector. Ela estará presente, de forma consumada ou de forma tentada, em praticamente todos os compartimentos da sociedade.
3. Há portas que ora se fecham, ora se abrem de acordo com critérios ínvios. São critérios que quase ninguém escrutina e que poucos se dão ao trabalho de explicar.
Há uma espécie de mentalidade avuncular que vê o nepotismo como uma coisa trivial, quiçá sadia.
4. Todos se revoltam, mas aparentemente ninguém contesta. A corrupção só nos indigna quando nos toca, ou seja, quanto somos vítimas dela. Se nos beneficia, calamos e até agradecemos.
O «factor C» corre à velocidade da luz e invade todos os departamentos da vida de modo larvar. Mas, atenção, a corrupção não existe apenas para obter favores para alguém. Subsiste também quando se tenta prejudicar alguém.
5. É por isso que falar de corrupção exige não só coragem, mas também cuidado. Estamos a falar de pessoas. E uma pessoa é sagrada. Seja ela quem for.
Pessoalmente, o poder suscita-me desencanto. Mas a honra de quem o exerce merecer-me-á sempre o maior respeito.
Por conseguinte, que as discordâncias não façam cair as (necessárias) pontes. E que a espuma das palavras não nos impeça de descer até às raízes do problema. Tais raízes, creio, são muito mais fundas do que aquilo que parece.
6. Na verdade, a corrupção é discutida primordialmente em relação à lei. E tende a ser descrita como violação da lei. Mas será só isso?
Regra geral, a corrupção é tida como aquilo que é ilícito. Ou seja, como aquilo que não está contemplado na lei. Ou, pior, como aquilo que é contrário à lei.
Mas a corrupção será alçada aos mais altos patamares de gravidade quando, sem que ninguém se aperceba, ela encontra respaldo na própria lei.
7. De facto, nem sempre a legalidade é irmã gémea da moralidade. Nem sempre o que é lícito é recto. Nem sempre a lei consagra o que é justo.
Numa altura em que são pedidos sacrifícios a tantos, é estranho que se multipliquem tantas excepções. Estas são (oportunamente?) arrumadas no eufemismo dos «ajustamentos» ou das «adaptações».
8. A circunstância de tudo isto estar preceituado na legislação não é garantia automática de decência. É legal. Será aceitável?
É nestas horas que maior carência sentimos de uma oposição que se afirme como verdadeira alternativa. Não basta, com efeito, divergir agora para (eventualmente) continuar depois.
9. Este é, assim, um tema demasiado substancial para ser adjectivado.
Pertinente não é chamar corrupto a alguém. Até porque isso (além da possível injustiça) desencadeia mecanismos de defesa que inviabilizam qualquer discussão.
Importante é, com serenidade e lucidez, não deixar cair a corrupção no esquecimento ou nos convenientes pretextos do hábito.
10. Ela é tão pluritentacular que está sempre a bater à nossa porta. Ela é tão sedutora que nos pode arrebatar mesmo quando a pretendemos exorcizar.
Não desfoquemos o debate. E comecemos sempre a crítica por um (indispensável) auto-exame!
Arthur Adamov reconheceu: «A única coragem é falarmos na primeira pessoa».
Todas as coisas devem ter as marcas de quem as faz.
Realizar mostra capacidade. Assumir o que se realiza revela coragem. E não é só na hora do aplauso que se deve aparecer.
Há quem goste de se «solteirizar» na hora dos êxitos e dispersar responsabilidades no momento do fracasso.
Ser inteiro em cada momento é o segredo de uma vida digna, limpa!
A sabedoria está muito para lá de fazer tudo o que apetece. A sabedoria até pode estar em conseguir dominar os instintos.
Da sabedoria judaica vem-nos esta preciosa recomendação: «É considerado homem aquele que sabe dominar os maus desejos»!
Gervaso confessou: «Quando um escritor se transforma num clássico, já não há necessidade de lê-lo: basta citá-lo».
Ainda assim, faz sempre bem ler o que é bom e reler o que é importante!
Na escala da mobilidade social, o primeiro passo costumava ser o curso universitário. Agora parece ser o segundo.
O primeiro passo passou a ser conseguir uma carreira política e assegurar um lugar partidário.
O curso virá depois. Não tanto para obter conhecimentos. Mas sobretudo para alcançar um estatuto.
Eis o que a actualidade nos mostra!
Cair não é agradável. Mas pode ser determinante. Uma queda pode ensinar mais do que um êxito. Séneca asseverava que um homem grande, quando cai, não deixa de ser grande.
E, mais tarde, Shakespeare sustentou: «Algumas quedas servem para que nos levantemos mais felizes».
Por isso, não tenha medo de cair. Só tenha medo se não tiver vontade de se levantar!
Hoje, 19 de Julho, é dia de Nossa Senhora da Divina Graça, Sta. Justa. Sta. Rufina, Sto. Arsénio e Sta. Áurea.
Um santo e abençoado dia para todos!