1. Deus está em toda a parte: no grande, no pequeno e no pequeníssimo. Até a uma partícula subatómica, extremamente difícil de localizar, deram o nome de «partícula de Deus»!
Com a sua descoberta, a ciência terá dado o último passo para chegar ao primeiro instante, aquele em que cada organismo recebe condições para existir. Esta, no fundo, é a aspiração de sempre: conhecer os inícios.
2. Os métodos refinaram-se, mas as preocupações mantêm-se. A actualidade apura o engenho, mas não esvazia as ânsias dos começos.
E é interessante notar como a ciência hoje acaba por ter as mesmas inquietações da filosofia de outrora. Ambas se empenham na procura da «archê», ou seja, do que está no início de tudo.
É claro que a ciência actual tem recursos infinitamente maiores. Mas é significativo verificar que a direcção da procura é semelhante: o que está na origem, o que desencadeia tudo.
3. Naqueles tempos, uns achavam que era o «ar», outros a «água», outros a «terra», outros o «fogo», outros o «indeterminado» («apeiron»).
No nosso tempo, a busca da «archê» tomou uma dupla orientação. A Cosmologia já identificou o momento inicial do universo: o «Big Bang». A Física acabou de localizar o elemento primordial da matéria: o «Bosão de Higgs», a partícula que dá massa às outras partículas!
4. A descoberta desta partícula corresponde, desde logo, a um postulado, a uma espécie de exigência.
Há cerca de 50 anos, vários físicos procuravam uma explicação para a existência da matéria. O que é que explica que a matéria exista?
Sabia-se que é necessário haver uma partícula que confira massa às outras partículas. Sem essa partícula (ínfima), o universo (enorme) nunca teria surgido. Nem as galáxias, nem as estrelas, nem os planetas, nem nós, humanos. Em suma, nada do que existe existiria. Uma vez mais se certifica como o múltiplo depende do uno e como o grande radica no pequeno!
5. Não foi fácil, porém, detectar essa partícula, que, pelos vistos, é deveras instável.
Trata-se de uma partícula subatómica que aparece nas colisões de protões lançados uns contra os outros a uma velocidade próxima da da luz.
Nos aceleradores de partículas, esta partícula desintegra-se para dar origem a uma série de outras partículas: fotões e quarks.
Estas colisões (na casa das 500 milhões) têm sido analisadas desde 2010 na expectativa de encontrar sinais de que um bosão por aí tenha passado, ainda que durante uma pequeníssima fracção de segundo.
6. Já agora, refira-se que um bosão é uma partícula que possui spin inteiro (este é um termo que se associa às possíveis orientações que partículas subatómicas podem apresentar num campo magnético) e obedece à estatística de Bose-Einstein. Ele tem este nome em homenagem ao físico indiano Satyendra Nath Bose.
7. Joe Incandela, físico norte-americano, entende que «estamos a começar a olhar para o "tecido" do universo como nunca o tínhamos feito até aqui. Este bosão é algo de muito profundo. Ocupa um lugar diferente, tem uma relação com o estado do universo, encarna de facto a substância das partículas com as quais vivemos».
A importância desta descoberta é tanto maior quanto ela era tida por impossível até há pouco. Stephen Hawking, por exemplo, chegou a apostar que tal partícula jamais seria encontrada.
8. Esta partícula é conhecida por duas designações. Há quem lhe chame «Bosão de Higgs» porque foi Peter Higgs e outros cinco cientistas que, em 1964, postularam a sua existência.
Em 1972, Benjamin Lee associou o nome de Higgs ao bosão, ficando as outras pessoas remetidas para notas de rodapé.
9. Mas o mais curioso é que esta é também denominada «Partícula de Deus»!
Tal expressão surge no título de um livro de Leon Lederman. Parece que a sua vontade era que a obra fosse intitulada «Goddamn particle»(literalmente, «o raio da partícula»). Só que o editor não aceitou. Optou-se, então, por deixar cair a segunda parte da palavra e o livro passou a chamar-se «God particle», ou seja, «Partícula de Deus»!
10. É espantoso como, também neste aspecto, subsiste uma similitude relativamente à antiguidade. Também nessa altura, o divino era postulado como a explicação última de tudo. Recorria-se a Deus para explicar o mundo.
Deus era, portanto, visto como o fundamento. Com uma subtileza refrescante, o divino era descrito por alguns como a alma do que existe. Ele é o ser que faz com que tudo seja. Daí a tendência para não categorizar o divino. Usavam-se termos como «pneuma», que tem que ver com ar, e «theós», que originalmente significa hálito!
«Pneuma» costuma traduzir-se por «Espírito» e «theós» por «Deus». E, a bem dizer, Deus é esta «aragem» que nos cerca e este «hálito» que, vindo das alturas ou das profundezas, nos envolve.
11. O «Bosão de Higgs» será, provavelmente, um dos últimos passos que nos transporta aos primeiros instantes.
As questões quanto ao «como» do funcionamento da natureza estarão à beira das respostas definitivas. Mantém-se, entretanto, a pertinência do grande «porquê».
Deus não é, obviamente, uma partícula. Mas pode ser procurado a partir do estudo dessa partícula.
12. A ciência presenteia-nos, uma vez mais, com um forte «caudal». de respostas. E deixa-nos a «ponte» para continuarmos atentos às perguntas.
Este é, pois, um momento prodigioso para o conhecimento humano e para o prosseguimento da escuta, da procura, do debate.
Nada está arrumado. Tudo permanece cada vez mais em aberto!