1. Estamos em Páscoa. Aliás, nunca deixa de ser Páscoa. É, portanto, tempo de festa e de alegria.
Acontece que a alegria não vem só pelo riso.
A alegria também pode ser certificada pelas lágrimas que caem, pelo pranto que corre. Não foi Jesus que proclamou felizes os que choram?
A fé não anula a natureza. E por muito grande que seja a fé, a natureza tem manifestações muito fortes.
A Páscoa é vida, vida eterna. Mas é vida que não dispensa a morte. É vida que vem depois da morte.
Jesus, que vence a morte, também sofreu a morte, também chorou a morte, também gritou diante da morte.
2. A morte pertence ao impensável, ao indizível. É por isso que o seu lugar devia ser o silêncio.
Como pensar o que não pode ser pensado? Como dizer o que não pode ser dito?
Acerca da morte, as palavras morrem nos lábios e os pensamentos secam na própria mente.
Como pensar aquilo que nós nem sequer experimentamos? Com efeito, só fazemos a experiência da morte dos outros. Ninguém faz a experiência da sua morte.
Já dizia Epicuro que quando nós estamos, ela ainda não está; quando ela está, nós já não estamos. Para nós, a morte será sempre futuro e nunca presente. Todos dizem «hei-de morrer». Ninguém afirma «morro» ou «morri».
Mia Couto afirma que «se morre nada quando chega a vez. É só um solavanco na estrada por onde já não vamos».
3. A morte só pode ser pensada no amor. A morte só pode ser dita com o coração.
A morte é a grande cátedra, dura cátedra, donde vem a maior (e a última) lição.
Ela é silenciosa. Não fala. Actua e de modo implacável. Vem sem avisar. Chega e não pede licença para entrar. Não deixa ninguém em casa. Leva a todos com ela.
A morte é imponente, é eficaz, friamente eficaz.
Vem sempre cedo ainda que viesse tarde. Nunca é tarde para morrer.
A morte pertence ao silêncio. Palavras para quê? Tudo isto é um mistério. Não é, pois, para compreender ou sequer para dizer. É tão-somente para acolher. Para aceitar?
Mas não é só a morte que está em silêncio. A esperança também não fala. A esperança acompanha-nos na dor. E ampara-nos na saudade!
4. A vida e a morte são, à partida, o mais distante. Mas, à chegada, surgem tão próximas.
A experiência assegura-nos que cada homem o paradoxo de alguém que luta pela vida e que caminha (inexoravelmente) em direcção à morte.
A experiência garante-nos que a vida é um caminho para a morte. Mas a fé afiança-nos que a própria morte é um caminho para a vida.
É por isso que,em Jesus Cristo, a morte não é morte. A morte de Cristo foi uma morte morticida, uma morte que matou a morte, uma morte que foi vencida pela vida.
5. Jesus mostra-nos que é preciso morrer para vencer a morte. Só quem morre ressuscita. Só quem dá a vida alcança a vida. A vida só se tem quando se dá!
É assim que,em Jesus Cristo, a morte não é termo; é passagem; não é fim; é trânsito.Termina o ciclo da nossa vida terrena. Começa o ciclo da nossa vida eterna.
6. Bergerac tem razão quando escreveu: «Morrer não é nada, é terminar de nascer».
Depressa partimos, rapidamente chegamos. A vida é, também ela, uma viagem.
Nas viagens, é nas partidas que começamos a chegar e é nas chegadas que nos preparamos para, novamente, partir.
Também na vida, é ao nascer que começamos a morrer e é na morte que acabamos, definitivamente, de nascer!
7. Mas a eternidade não é só o que vem depois do tempo. A eternidade começa no tempo. Afinal, «o Céu existe mesmo». O Céu começa na Terra. Quando se faz o bem!