1. A esta hora, grande é a azáfama. Já se preparam as casas e as ruas. Já se ultimam os folares. Já se encomendam os foguetes.
Apesar da crise, há muita alegria no ar e bastante vibração nos corações. Os mais pequenos anseiam pelas prendas. Os mais idosos multiplicam recordações.
A Páscoa está perto. Está perto no tempo. Já faltam poucos dias.
Eu gostava que a Páscoa também estivesse perto da vida: da vossa vida, da vida do mundo inteiro.
2. Páscoa, como sabeis, quer dizer «passagem».
Outrora, a Páscoa assinalava a passagem, pelo Mar Vermelho, da escravidão para a liberdade. Agora, celebra a passagem da morte para a vida.
Queria que soubésseis que, na Páscoa, não recordais um acontecimento do passado. Na Páscoa, sois chamados a reviver um acontecimento de cada presente.
Às vezes, fazemos muita coisa importante e acabamos por esquecer o principal.
Nesta altura da Páscoa, não faltam actividades no exterior. Mas falta um pouco de recolhimento no interior.
3. Queria que soubésseis que Eu continuo a vir ao vosso encontro. Continuo a falar-vos, como há dois mil anos.
Continuo a falar a cada um de vós no alto da Cruz. Muitas vezes, falo muito alto.
Como há vinte séculos, continuo a gritar. Continuo a gritar contra a violência, contra a opressão.
Continuo a gritar por mais fraternidade, por maior igualdade.
Continuo a gritar para que os grandes repartam com os pequenos. Continuo a gritar para que as dívidas sejam perdoadas.
Mas quem Me ouve?
4. Não penseis que deixei a Cruz. Não. Não deixei a Cruz.
Hoje, em cada dia, continuo a levar uma pesada Cruz. É Cruz de tantas pessoas que são atiradas para a berma das estradas da vida.
A Minha Cruz, hoje, é a Cruz dos que têm fome, é a Cruz dos que estão no desemprego, é a Cruz dos doentes, é a Cruz das vítimas da injustiça, é Cruz dos idosos abandonados.
Há vinte séculos, houve alguém chamado Simão de Cirene que Me ajudou a levar a Cruz. Nos tempos que correm, sou Eu que faço o papel de Cireneu. Sou Eu que ajudo a levar a Cruz de tanta gente. E como continua a ser pesada, horrivelmente pesada, a Cruz!
5. Queria que soubésseis que também vos falo do silêncio do sepulcro. Ou seja, também vos falo quando (aparentemente) não digo nada.
Hoje, eu continuo a estar nas profundidades da vida, da vossa vida. Eu moro nos vossos corações.
Posso estar em silêncio, mas não estou escondido. Eu acompanho-vos sempre. Estou convosco, como prometi há dois mil anos.
Estou convosco nas horas de alegria. E estou convosco nos momentos de aflição.
As vossas alegrias são as Minhas alegrias. E as vossas dores nunca deixaram de ser as Minhas dores.
6. Muitas vezes, pensais que o fracasso é uma derrota.
Naquele tempo, também não faltou quem achasse que o sepulcro era como o ponto final num texto.
Pensavam que tudo estava terminado. Mas Eu ressuscitei. Voltei para o Pai e voltei para vós.
O próprio fim tornou-se um novo começo. Uma tarde de pesadelo deu lugar a uma aurora de esperança.
Tudo voltou a começar. Por isso, nunca comeceis a desistir e nunca desistais de começar.
Às vezes, temos de bater no fundo para recomeçar a subir e temos de ficar para trás para voltar a avançar.
Nem tudo está perdido quando muito parece perder-se. É quando parece que tudo acaba que tudo verdadeiramente começa.
7. Desejo-vos, pois, uma Páscoa com muita alegria, com muito amor, com muita paz.
Eu continuo a estar convosco. No próximo Domingo, entrarei em vossa casa. Vou na Cruz. Mas aquela já não é a Minha Cruz. É a Cruz de cada um de vós.
No próximo Domingo, Eu vou trazer as vossas dores. E vou deixar-vos a Minha paz.
De vós só quero uma coisa: que sejais felizes. Hoje. Amanhã. E sempre.
Jesus de Nazaré
Aquele que morreu por vós,
Aquele que ressuscitou para todos!
Há lágrimas que, não correndo pela face, escorrem pela alma.
A humildade de Jesus, o amor de Jesus, o despojamento de Jesus, a paz de Jesus não são apenas para ser evocados em rituais. São, acima de tudo, alicerces para uma vivência.
Muito se fala de Jesus por estes dias. Que se viva Jesus em cada dia.
Ele morre por nós. Que Ele viva em nós.
Muitas vezes, a presença de Jesus é percebida em forma de uma ausência, de uma distância. Não d'Ele em relação a nós, mas de nós em relação a Ele.
Muito há para celebrar, sem dúvida. Muito mais há para viver. Inquestionavelmente.
Nos últimos dias, surgiu uma discussão com pretensões de novidade em torno de um problema que não é novo.
Quando foi a Última Ceia? Para Colin Humphreys, da Universidade de Cambridge, terá ocorrido na quarta e não na quinta-feira.
A posição aparece no livro The Mystery Of The Last Supper, onde o autor analisa os calendários, os dados da história e as conclusões da exegese.
Refira-se, antes de mais, que esta questão não é original. Bento XVI, no seu último livro sobre Jesus, também a contempla. A própria Bíblia não permite dirimi-la totalmente.
Os Sínópticos (Marcos, Mateus e Lucas) apontam para «o primeiro dia dos Ázimos, quando se imolava a Páscoa» (Mc 14, 12). Era, com efeito, na tarde desse dia que, no templo, se imolavam os cordeiros pascais. Seria uma quinta-feira. Era nessa noite que começava a Páscoa e se comia a ceia. Terá sido no final que Jesus foi preso e apresentado a tribunal. Na manhã de sexta-feira, foi condenado e, à tarde, morreu. Como no outro dia era sábado, dia sagrado para os judeus, o corpo de Jesus tinha de ser sepultado antes do anoitecer de sexta-feira.
Surge, entretanto, uma dificuldade. Naquele ano, a Páscoa judaica era na sexta-feira. Será crível que Jesus fosse julgado e crucificado num dia tão solene? Não falta quem assegure que o processo e a crucifixão eram compatíveis com a Páscoa. Contudo, dois dias antes dos Ázimos, os sumos sacerdotes desaconselhavam que se matasse Jesus durante a festa para que o povo não se revoltasse (cf. Mc 14, 2). Como é que se mudou tão rapidamente de opinião?
O Evangelho de S. João apresenta uma nuance a respeito de tudo isto. Desde logo, não assegura que a Última Ceia tenha sido uma ceia pascal e até dá a entender que o julgamento de Jesus foi não durante a Páscoa, mas antes da Páscoa. Trata-se da alusão ao facto de as autoridades judaicas, que levaram Jesus a Pilatos, não terem entrado no pretório «para não se contaminarem e poderem celebrar a Páscoa» (Jo 18, 28). Isto significa que o processo e a morte de Jesus acontecem não durante a Páscoa, mas na véspera da Páscoa. Neste caso, naquele ano a Páscoa seria não numa sexta-feira, mas num sábado. Só que, como os judeus contam os dias a partir do crepúsculo do dia anterior, Jesus teria morrido na sexta-feira antes do ocaso.
Assim, Jesus teria tido a Última Ceia na quinta-feira, mas sem o carácter pascal judaico, e teria sido executado na sexta-feira, a qual seria véspera da Páscoa e não dia de Páscoa. Neste caso, o cordeiro pascal estaria a ser comido pelos judeus quando Jesus já estava morto. Como diz Joseph Ratzinger, «Jesus morre como o verdadeiro Cordeiro, que estava apenas preanunciado nos cordeiros».
Não faltou, entretanto, quem procurasse harmonizar as duas cronologias. Quem mais se destacou foi Annie Jaubert, que estudou a fundo os calendários judaicos. Encontrou um que, não atendendo à translação da Lua, previa um ano de 364 dias, dividido em quatro estações de três meses, dois dos quais com 30 dias e o outro com 31. Cada trimestre teria, então, 13 semanas e cada ano 52 semanas. Deste modo, as festas seriam sempre no mesmo dia da semana. Concretamente, a Páscoa judaica seria à quarta-feira. Por conseguinte, a Última Ceia teria sido na terça-feira à noite.
O curioso é que um texto do início do século III, Didascália dos Apóstolos, fixa a data da Ceia de Jesus na terça-feira. O problema é que a tradição mais antiga aponta para quinta-feira como a data mais segura da Última Ceia.
É certo que a terça-feira seria mais ajustada ao desenvolvimento posterior dos acontecimentos. Não é fácil admitir que, numas curtas horas (de quinta para sexta-feira), tenha acontecido tanta coisa: interrogatório no Sinédrio, transferência para Pilatos, sonho da mulher de Pilatos, envio a Herodes, regresso a Pilatos, flagelação, condenação, caminho para o Calvário e crucifixão.
Em síntese, a data da Última Ceia continuará a suscitar muitos estudos e a despertar compreensível curiosidade. Mas o mais importante não é quando aconteceu. É o que aconteceu.
E o que aconteceu, desde o lavar dos pés até à consagração do pão e do vinho passando pelo longo discurso, foi tão impactante que jamais foi esquecido. Fundamental é que nunca deixe de ser vivido.