1. O feriado foi extinto. Mas a vivência não se extingue. E, aproveitando o andar do tempo, valerá a pena recuar um pouco nele para reavivar o que aconteceu a 1 de Dezembro de 1640.
Foi nesse dia que Portugal viu a sua independência restaurada. Era um saboroso ponto de chegada. Mas havia ainda muito por fazer. Uma das prioridades do novo rei era obter o mais amplo reconhecimento internacional.
Com esse propósito, D. João IV organizou uma embaixada ao Vaticano. Queria prestar obediência ao Papa e conseguir que este o reconhecesse como rei.
Nada melhor que colocar um clérigo à frente de tal embaixada. E quem foi o escolhido?
Não foi o bispo de Lisboa, nem do Porto, nem de Braga, nem de Coimbra, nem de Évora. O escolhido, por sinal, até nasceu em Évora, mas era bispo de Lamego!
Curiosamente, tinha sido proposto para o episcopado pela corte espanhola, em 1635. Mas, apesar disso, as suas convicções patrióticas deviam ser bem conhecidas.
Restaurada a independência nacional a 1 de Dezembro de 1640, D. Miguel foi chamado a Lisboa logo a 8 de Janeiro de 1641 para chefiar a referida missão diplomática com o título de «embaixador extraordinário».
O rei admirava-o não só pelo seu saber, mas também «pela sua delicadeza natural» e, repare-se, «pelo facto de residir continuamente na sua igreja de Lamego». O que, naqueles tempos, não era habitual.
É claro que esta era uma missão deveras melindrosa. Sabia-se que os representantes de Espanha iriam fazer tudo para impedir a audiência papal.
Por isso, o rei já se contentava com um encontro privado. A audiência pública poderia esperar.
2. A partida ocorreu a 15 de Abril. Em Paris, o Núncio Apostólico rescusou-se a receber a delegação portuguesa. Não era bom augúrio, mas nem isso foi motivo para desistir.
D. Miguel chegou a Roma a 20 de Novembro, sete meses depois de ter saído de Lisboa, recebendo escolta pontifícia porque constava que os espanhóis já mobilizavam pessoal e armas.
O Papa Urbano VIII esteve a par de todas as movimentações, mas nunca chegou a satisfazer as pretensões portuguesas.
A Espanha moveu as suas influências e conseguiu que o Sumo Pontífice não recebesse D. Miguel: nem como embaixador nem sequer como bispo!
O máximo que conseguiu, depois de muita insistência, foi uma recepção pelas portas secretas. Mas isso foi rejeitado pelo bispo de Lamego.
Como refere Gonçalves da Costa, a Espanha «moveu uma verdadeira guerra diplomática enviando à cúria pontifícia longos e sucessivos memoriais contra o direito de D. João IV, libelos que os portugueses procuravam rebater pelo mesmo processo».
3. Assim se foi passando o tempo. Concretamente, o ano de 1642 foi todo passado em Roma, com diligências portuguesas e obstáculos espanhóis. Estes não olharam a meios e, a 20 de Agosto, organizaram mesmo um atentado contra D. Miguel, que regressava de uma ceia em casa do embaixador francês.
O bispo de Lamego não foi atingido. Conseguiu chegar à sua residência. Mas do confronto resultaram vários mortos: cinco do lado português e oito do lado espanhol!
D. João IV, que era cristão devoto, ficou ressentido e determinou que, se até 20 de Novembro (quando se completava um ano de permanência em Roma), o Papa não recebesse D. Miguel, este regressaria a Portugal.
Desiludido e exausto, abandonou Roma a 20 de Dezembro de 1642. O Papa nem a bênção apostólica deu ao representante do monarca português.
A missão não teve o resultado desejado, mas D. Miguel não deixou de ter o reconhecimento devido. D. João IV ficou-lhe sempre grato e quis nomeá-lo arcebispo de Évora. Só que o Papa (uma vez mais!) não atendeu o seu pedido.
Mas ele também faleceu pouco depois, a 3 de Janeiro de 1644. Morreu porventura desapontado com o que se passou em Roma, mas certamente reconfortado por ter servido o seu país.
4. Lamego não o esqueceu. A sua figura está imortalizada em frente ao Museu, que, como se sabe, foi, durante muito tempo, a Casa Episcopal.
O monumento foi inaugurado em 1951 e é uma obra do escultor madeirense Francisco Franco.
Quem por ali passar terá oportunidade de evocar alguém que tinha Portugal no nome e no coração. E que fez tudo para que o país fosse reconhecido no mundo.
Eis um grande ensinamento para o presente. Eis uma preciosa lição para o futuro.