1. Muitas e sapientes são as palavras que nos servem neste tempo da Quaresma.
Tantas e tão variadas são as propostas que, num primeiro olhar, somos tentados a concluir que toda a gente tem muito para dizer. Será que existe a mesma disponibilidade para escutar?
A Quaresma tem tudo para ser um tempo de silêncio, um tempo de espera, um tempo de esperança.
É importante haver um tempo em que se possa pensar mais no tempo, no que andamos a fazer no tempo.
É necessário agir. É fundamental que haja acção. Mas é vital não reduzir a acção a mera agitação.
Parece que quem não se move não vive. Parece que quem não grita não comunica. Parece que quem não corre não caminha.
Até na fé corremos o risco de ser hiperactivos. Fazemos, refazemos e, por vezes, desfazemos.
2. Haja em vista que também Jesus era uma pessoa muito ocupada. Frequentemente, nem tempo tinha para comer nem para descansar. E, no entanto, parecia sentir uma profunda necessidade de silêncio e de solidão.
Sempre que podia, Jesus retirava-Se para os montes ou para o próprio deserto. As Suas grandes decisões são antecedidas de longas permanências em locais ermos.
Não é possível seguir Jesus sem O acompanhar no Seu silêncio, na Sua solidão. Desde logo, porque só na medida em que O acompanharmos no silêncio, estaremos em condições de assimilarmos a Sua palavra.
Não é fácil criar silêncio no mundo barulhento de hoje. Vivemos cercados de toneladas de ruído: de ruído sonoro e de ruído visual.
Se o silêncio não nos procura, temos de ser nós a procurar o silêncio. Fazer silêncio é muito mais que estar calado. É criar uma predisposição para a escuta do outro, para o acolhimento da sua presença.
O silêncio despoja-nos dos nossos preconceitos acerca das pessoas e das coisas. Faz-nos estar de coração limpo, completamente desarmadilhados.
Hoje em dia, há uma pressão enorme para estar sempre em cena, para nunca deixar o palco ou o «prime time».
3. A vida humana é um equilíbrio entre o relacionamento e a solidão. A solidão não é necessariamente corte. Pode até ajudar a aprofundar os nossos relacionamentos.
Anthony Storr assinala que os grandes génios e os maiores sábios nunca abdicaram de longos períodos de solidão.
Tal como o trabalho do dia ganha muito com o descanso da noite, também a qualidade da missão beneficia bastante com algum silêncio.
Como nota Albert Nolan, «temos de encontrar uma forma de nos desligarmos, de tempos a tempos, do fluxo imparável de palavras, de sons e de imagens que nos bombardeiam a toda a hora». Mais importante ainda, «precisamos de um silêncio interior que desligue a nossa torrente interior de pensamentos, imagens e sentimentos».
4. Neste espírito, a Quaresma é uma oportunidade preciosa para perceber o que se passa no mundo e na nossa vida.
É um tempo para perceber que, antes de ter uma opinião sobre tudo, é necessário alcançar uma visão acerca de cada coisa.
Faz falta uma pastoral que escute, que pense nas perguntas e que procure meditar nas interpelações.
Precisamos de uma pastoral que não queira ter uma resposta pronta para tudo e para todos.
Precisamos de uma pastoral que estacione nas pessoas e nas situações e que não remeta logo para planos, programas e projectos.
A diferença cristã não está tanto nas palavras ditas às pessoas, mas na atenção dedicada às pessoas.
Enzo Bianchi alerta que tal diferença cristã «deve expressar-se sobretudo na atenção aos pobres, aos mais humildes».
Por muito que nos sintamos em minoria, não nos podemos demitir de escutar a dor e a expectativa de uma imensa maioria que peregrina ao nosso lado.
O silêncio do Sábado Santo é uma boa terapia quaresmal. Nele fermentará a alegria da Páscoa como a chegada do futuro ao nosso presente.
O silêncio ajuda a suspender o mesmo, o igual. O silêncio surpreende-nos com a beleza do diferente, com a visita do que é novo!
Eis-nos chegados, uma vez mais,
ao tempo da conversão,
ao tempo da mudança,
ao tempo da transformação.
Quaresma é tempo de penitência,
mas não é tempo de tristeza.
É oportunidade de sermos diferentes,
de nos abrirmos a Deus
e de pensarmos mais nos outros.
É convite a vencermos o egoísmo
e a partilharmos o que somos e o que temos
com os que mais sofrem.
É sermos o sorriso de Deus na penumbra triste do mundo.
É sermos o ombro onde repousam as mágoas de tantos corações.
É sermos o rosto onde desagua o pranto de tantas vidas.
A Quaresma não nos rouba a alegria
e até nos pode acrescentar felicidade.
Vamos fazer jejum e abstinência da comida e da bebida,
mas também das palavras agressivas e dos sentimos violentos.
Vamo-nos abster da superficialidade e do egoísmo,
dos juízos apressados e dos julgamentos implacáveis.
Vamos acompanhar Jesus pelo deserto e pelas ruas de Jerusalém.
Ele acompanha-nos em cada instante da nossa vida.
Vamos acolher o dom.
Vamos ser dom.
Vamos ser a ressonância do grande dom, do único dom:
JESUS!
1. Já estamos na Quaresma, um tempo na vida, uma oportunidade para a vida.
Numa primeira (e rápida) leitura, ela é o retrato mais fidedigno da nossa existência. De facto, não é só na Quaresma que muitos fazem penitência.
O quotidiano de muitos assemelha-se a uma grande, a uma interminável, penitência. Há quem faça jejum não apenas na Quarta-Feira de Cinzas e na Sexta-Feira Santa, mas todos os dias do ano.
Há casas onde o alimento não chega. Há lares onde o alimento não entra.
A Quaresma leva-nos a pensar que vivemos num mundo tecido de injustiças e semeado de gritantes desigualdades.
Para muitos, a penitência ainda pode ser uma opção. Para muitos outros, porém, é uma imposição, uma condenação.
2. A Quaresma recorda-nos que alguém (Jesus) tomou partido e assumiu a condição dos mais desfavorecidos.
A Quaresma avisa-nos de que Deus não Se conforma com a situação actual do nosso mundo.
Deus não aposta na manutenção, mas na transformação. O que é dito a cada um no início deste tempo santo («arrependei-vos») é repetido a todos os membros da humanidade: «mudai de vida, de conduta, de paradigma».
Há uma sabedoria muito grande na proposta quaresmal. A mudança no mundo tem de começar pela transformação de cada pessoa que existe no mundo.
Porque cada pessoa é, como dizia Gregório de Nissa, um «pequeno mundo», o que se passar em cada homem repercutir-se-á no mundo inteiro. Daí o imperativo de Gandhi: «Sê tu mesmo a mudança que queres para o mundo».
Há ideologias que propugnam a revolução a partir das estruturas. E é claro que estas também têm de ser transformadas. Mas só mudando o interior de cada pessoa, é possível alavancar uma mudança mais vasta, no mundo.
3. A Quaresma permite-nos ver que, afinal, somos uns permamentes nómadas. No fundo, não somos. Tornamo-nos. Estamos sempre em viagem. Estamos sempre em devir.
A questão que se coloca é se, nesta viagem, nos tornamos melhores. A experiência não nos traz especiais novidades nem boas notícias.
É sabido que, por si mesma, a inércia nada resolve. Tudo tem de radicar na vontade, na opção.
A Quaresma é um imperativo de reflexão. É um dado que estamos diferentes. Será que, diferentes, estaremos melhores?
Um dia, Leonardo Boff perguntou ao Dalai Lama qual era, para ele, a melhor religião. Quem estivesse à espera de que a resposta fosse «o Budismo» ficou, no mínimo, surpreendido.
«A melhor religião - respondeu o mestre tibetano - é aquela que faz de ti uma pessoa melhor».
É claro que o problema não pode ser colocado apenas do lado da proposta. Também tem de ser remetido para o lado do receptor. Mas subsiste a pertinência da interpelação.
4. O ambiente de recolhimento, próprio da Quaresma, não é somente uma ajuda à meditação pessoal. É igualmente (e bastante) uma oferta de sentido.
A reflexão ajudar-nos-á a ver como é que tem sido a nossa conduta em relação a Deus e em relação ao próximo. Jesus fala-nos de Deus como Pai e do ser humano como Irmão.
Os dois maiores eixos do tempo quaresmal são a espiritualidade e a solidariedade. Somos convidados a alicerçarmos uma vida descentrada ou, melhor, recentrada em Deus e na Humanidade.
É por isso que a Quaresma, sendo uma época que nos lembra muito o tempo presente, também nos ajuda a vislumbrar o que pode (e deve) ser o tempo futuro: um tempo de partilha, um tempo de doação, um tempo de fraternidade, um tempo de luz.
A estrutura do tempo quaresmal permite-nos perceber como, por vezes, é preciso bater no fundo para começar a subir.
No fundo de nós, acolhamos o melhor que Deus semeou no mundo e nas pessoas. Demos uma oportunidade à vida.
Procuremos escovar a poeira do egoísmo que nos infecta. Conjuguemos o verbo dar na forma transitiva, mas sobretudo na forma reflexa. Ou seja, demos algo de nós e aprendamos a darmo-nos a nós!
Não nos resignemos ao que somos. Tornemo-nos melhores pessoas, mais tolerantes, mais fraternas, mais humanas, mais felizes!
Para Charles de Foucauld, é possível imitar Jesus de três formas: pela pregação, pelo deserto e por...Nazaré. Esta última foi a via escolhida pelo Irmão Universal. Em que consiste? Na reprodução da vida de Jesus em Nazaré ao longo dos trinta anos de vida oculta. Trata-se, então, de uma via feita de:
- imitação;
- obediência;
- contemplação (isolamento, recolhimento, oração, prece);
- sacrifício;
- glorificação de Deus.
Eis uma proposta interessante a seguir neste tempo santo da Quaresma.
Só uma palavra.
Só uma palavra para Ti, Senhor.
Só uma palavra para Te agradecer,
para Te louvar.
Hoje, Senhor, apareces com uma mensagem de alento,
com uma proposta com sabor a novidade.
Tu queres, Senhor, que olhemos para a frente,
que não fiquemos dominados pelo passado.
Obrigado, Senhor, por fazeres algo de novo,
por fazeres tudo de novo.
Essa novidade já começa a aparecer,
essa novidade és Tu:
a Tua palavra e a Tua presença.
Tu, Senhor, és o caminho aberto no deserto,
o rio lançado na terra árida.
Tu és aquele que junta multidões,
que faz andar os paralisados.
Tu és aquele que perdoa,
que transforma e revigora.
Como há dois mil anos,
também hoje nunca vimos nada assim,
nunca vimos nada igual.
Tu, Senhor, és incomparável,
Tu, Senhor, és único.
Por isso, nós Te dizemos «sim»,
sim com os lábios,
sim com a vida.
Recebe o sim do nosso amor,
do amor que vem de Ti,
JESUS!