1. Sentimos que os problemas estão demasiado perto e que as soluções se encontram excessivamente longe.
Habitualmente, achamos que a paz só está em risco no Paquistão, no Iraque, no Afeganistão. Longe, portanto. Muito longe.
2. Mas se olharmos para nós, a situação será assim tão diferente? Não há muita paz no mundo. Mas haverá muita paz em nós?
Poderá haver paz no mundo se não houver paz no coração de cada ser humano? Talvez. Depende do que entendermos por «paz».
3. Na nossa cultura, há basicamente três palavras que se traduzem por «paz». Mas existem algumas precisões a fazer entre elas.
A palavra mais óbvia é o latim «pax». Para os romanos antigos, a paz é o que resulta do diálogo, da negociação, do contrato. Aqui, portanto, a paz é a mera ausência de guerra.
4. Semelhante é o conceito veiculado pelo grego «eirene». A paz, para os gregos, decorre da harmonia entre forças contrárias. Ou seja, pressupõe-se não só a diferença, mas também a contradição. Mas estabelecem-se bases para que não haja conflitos.
5. O hebraico «shalom» contém muito mais. A paz é sentir-se completo, integral.
Não se reduz, pois, a um mero contrato ou a uma simples harmonia, o que já não é pouco, diga-se.
A paz reclama tudo o que faz parte do ser e da vida. Ela inclui a verdade e não dispensa a justiça.
6. É por isso que a paz só estará no mundo se estiver em cada pessoa que há no mundo. Antes da negociação, é fundamental pugnar pela conversão à paz.
Jesus, no Sermão da Montanha, considera felizes os construtores da paz. Só eles serão «chamados filhos de Deus» (Mt 5, 9).
Trata-se não de uma paz ensimesmada, mas de uma paz difusiva, que envolve o ambiente, que contagia o universo.
7. Esta paz, que é um dom, é também uma construção. Tem de ser reiventada todos os dias.
Nem sempre (a bem dizer, quase nunca) as religiões são aliadas da paz. Importa, porém, perceber que o primeiro sinal de Deus é a paz. Quando Deus vem à terra em forma de criança, os enviados celestes entoam um cântico que diz tudo: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra» (Lc 2, 14).
A paz desponta, assim, como o grande sinal de que Deus já está entre nós.
8. Temos de estar atentos porque, infelizmente, é possível perder a paz.
Perde-se a paz quando há vontade de domínio e existe complexo de superioridade. Quando se pretende mandar, nunca há serenidade. Subsiste sempre o receio de que alguém chegue primeiro.
A paz alimenta-se com a meditação, pela qual se acolhe a presença pacificante de Deus. E a paz alastra através da compaixão, através da qual se olha para o outro como irmão e nunca como adversário ou inimigo.
9. Só haverá paz fora se houver paz por dentro. A paz nunca pode ser imposta pela força. O medo não é portador de paz.
É por isso que em causa está muito mais que a «pax romana». Aqui valia o princípio enunciado por Cícero: «Si vis pacem, para bellum» (se queres a paz, prepara a guerra).
Não é o medo que nos prepara a paz. Nenhum outro caminho nos conduz à paz. Gandhi tinha razão quando dizia: «Não há caminho para a paz; a paz é o caminho»!
10. É por isso que o lugar onde mais se decide a paz no mundo não é a mesa onde os líderes mundiais se encontram.
O lugar onde a paz mais se decide é o nosso interior. Se um coração mudar, a mudança começará a acontecer.
Um dia, o paraíso vai descer à terra. Quando apostarmos na mudança a partir do interior, o exterior começará a exalar um perfume diferente!