O mais fácil é dizer que é a voz de alguém ressabiado. Mas, além do preconceito e da injustiça, uma tal apreciação desvia do essencial: o conteúdo.
A entrevista de José María Castillo ao «Público» pode ser incómoda. Mas merece ser lida, reflectida e serenamente ponderada.
É a palavra de um homem livre. E que toca num ponto sensível.
Estamos na Igreja não por causa do sistema eclesiástico, mas por causa de Jesus. Ele é que é o centro!
Existe o poder através das armas, o poder através das leis, o poder através das palavras, das imagens, etc.
E existe também o poder sobre as consciências. É um poder muito perigoso.
José María Castillo denuncia-o na sua entrevista. Trata-se de um poder ao qual a religião é tentada a recorrer.
Jesus veio reposicionar as coisas no seu devido lugar. Nenhuma autoridade é dona da consciência de ninguém. Para Jesus, a dignidade da pessoa é um valor prioritário.
O discurso não verbal acaba por ser infinitamente mais eloquente do que o discurso verbal.
As atitudes pesam mais do que as palavras. E o porte define melhor que qualquer pose.
É por isso que a mais elevada doutrina pode ficar comprometida com uma prática desconforme.
José María Castillo, sem entrar pela via do protesto, faz uma advertência. É preciso ver se, em Igreja, não corremos o risco de fazer o oposto de Jesus.
Os discípulos de Jesus não devem portar-se como órgãos de poder e como aliados dos poderes.
O que Jesus quer é que se «portem como as crianças».
Não cabe à Igreja «emendar o projecto de Deus». Cabe-lhe, sim, pô-lo em prática. Na humildade e na modéstia!
O caminho da Igreja não pode ser o de lançar culpas para cima das pessoas.
O caminho da Igreja só pode ser aliviar as pessoas do sofrimento. «Só humanizando-nos, lembra Castillo, sendo cada vez mais profundamente humanos, podemos corrigir este mundo, dar esperança às pessoas, estar perto de quem sofre».
Deus não é encontrado fora do mundo. Estando nós no mundo, é na profundidade do mundo que O encontraremos!
Jesus não eliminou, mas superou a imagem de Deus no Antigo Testamento. Muitas vezes, a Igreja limita-se a integrar essa mesma imagem.
Parece que nem sempre faz a triagem operada por Jesus.
Dá a impressão de que tanto adoramos o Deus amor como o Deus castigador.
Castillo entende que «não se pode estar de acordo com coisas tão contraditórias».
Se Jesus é o critério, então a Sua imagem de Deus é que há-de prevalecer.
Jesus mostra-nos Deus como o Pai que acolhe e vai ao encontro sobretudo dos pecadores e dos pobres. O mínimo que se pode esperar de uma religião, diz Castillo, «é que torne claro em que Deus crê».
O que José María Castillo pede é uma Igreja que não se envolva em «interesses ou pactos polítcos».
É uma Igreja que aposte tudo na «sua exemplaridade evangélica». O que pretende «é recuperar as origens, a inspiração profética e carismática de Jesus».
Às vezes, parece difícil. Daí a pergunta: «Não tenho o direito de pedir que voltemos ao Evangelho?»