1. O que transita de um ano para outro são as grandes ocorrências. É nelas que se centra a atenção. É para elas que se dirigem os olhares.
Mas até os maiores acontecimentos são tecidos de pequenas incidências.
Podem escapar aos holofotes da fama. Podem inclusive passar ao lado das nossas deambulações reflexivas. Só que, se pensarmos bem, a sua importância é decisiva.
2. A informação que nos é servida não é isenta de parcialidades nem de obsessões.
A falta de matéria alia-se à necessidade de apresentar serviço e a solução é, invariavelmente, a mesma: insistir, até à exaustão, nos mesmos assuntos.
Os protagonistas são os habituais. Os consumidores continuam a ser os de sempre.
3. Os poderosos são notícia até pelas suas mais insignificantes trivialidades. Já o cidadão só notícia consegue ser quando o invulgar o atormenta.
As férias de uma figura pública têm maior espaço que as aspirações de povoações inteiras.
O cidadão, quando é referido, é diluído no número e dissolvido na massa anónima.
4. Habitualmente, tem de haver uma tragédia para que o seu caso seja trazido para o conhecimento geral.
Foi o que aconteceu, quase no fim de 2011, com aquela mulher que, em desespero, se atirou de uma ponte.
Mas não se atirou sozinha. Com ela levou também o seu futuro: a sua filha de vinte meses.
5. Todos anotaram o facto. Mas quem se preocupa com as ilações? Quem está atento a tantos (possíveis) casos semelhantes?
Quando novas tragédias se verificarem, não faltará quem registe, quem lamente. Mas continuará a faltar quem reflicta, quem medite.
6. Aquela mãe morreu. A filha sobreviveu. Conseguirá viver? Era a própria mãe que achava que não havia futuro para o seu rebento.
Alguém poderá duvidar do amor daquela mãe? E, mesmo assim, ela entendeu que o mundo não tinha lugar para a sua filha.
7. É por isso que não basta olhar para a vida a partir de cima. É claro que não é fácil governar, dirigir, orientar.
Mas era importante que, a montante de certas decisões, se pensasse no efeito que elas podem ter na vida (e na morte) das pessoas!
E que cada um de nós ponderasse bem, antes de falar ou de agir, se determinadas atitudes não irão magoar alguém.
8. Há causas que podem desencadear as mais terríveis consequências e conduzir aos piores desfechos.
Nunca se pode acautelar nem prever tudo. Mas era bom que, nos grandes centros, se olhasse para os pequenos casos. Se é que são pequenos. Nada é pequeno quando em jogo está um ser humano.
9. Confesso que esta imagem é a que mais me acompanha no trânsito de 2011 para 2012. A esta hora, quantas vidas não estarão na iminência de se atirar de um qualquer viaduto?
É nestas alturas que a esperança tem de ser mais forte. Quando tudo parece perdido, não deixemos perder a esperança.
E, por favor, não nos concentremos só nos números. Olhemos para as pessoas, para cada pessoa.
10. Uma comunidade só se faz com a totalidade dos seus membros. Onde há marginalização, não pode haver desenvolvimento.
Vivemos num mundo onde nos sentimos perto de todos os lugares. Mas onde ainda não estamos próximos de todas as pessoas.
Às vezes, parece que é mais fácil chegar ao lugar mais distante do que à pessoa mais próxima.
11. Dizem-nos que o mundo se transformou numa aldeia. Mas, por vezes, tal aldeia parece um deserto.
As pessoas passam umas pelas outras. Mas chegarão a entrar no interior umas das outras?
Afinal, ainda há um longo caminho a percorrer até que o mundo seja autenticamente mundo. E até que a humanidade seja verdadeiramente humana!