O problema da nossa época é que se concentrou muito em si mesma, na nossa época.
Queremos tudo no instante. Perdemos a noção dos tempos longos. Até Deus é invocado para conseguirmos conquistar tudo imediatamente.
Era neste sentido que Vaclav Havel dizia estarmos na «primeira civilização ateia». Não quer dizer que tenhamos perdido as referências a Deus. Mas já perdemos «a conexão com o infinito e com a eternidade».
Vivemos como se não tivesse havido ontem. E como se já não houvesse amanhã!
Estes são tempos em que muitos se arrogam no direito de falar e poucos se capacitam da necessidade de ouvir.
Não é fácil ser profeta nem intelectual. O seu papel, dizia Vaclav Havel, é «antever as ameaças, os horrores e as catástrofes».
A missão do político será «escutar as vozes de aviso, tomar nota dos perigos e, ao mesmo tempo, pensar intensamente no modo de os afrontar ou prevenir». Mas quem está disponível para esta missão?
Somos a primeira civilização global. As suas vantagens são óbvias. Já o seu principal perigo parece ser mais subtil. Mas ele existe. Cada perigo num determinado ponto do mundo pode tornar-se numa ameaça global.
As perspectivas são grandes, mas estranhamente os nossos horizontes são curtos.
Vaclav Havel nota que a preferência é pelo ganho a curto prazo.
Todos querem assegurar o melhor para si. Mas poucos pensam como os nossos actos afectarão a vida dos outros daqui a cem anos!
A nossa época avançou muito, mas também regrediu bastante. Temos a ideia de que sabemos tudo e que aquilo que ainda não sabemos depressa o descobriremos.
O nosso saber está focado no crescimento, que julgamos imparável, irreversível.
Esquecemos, porém, algo que os antepassados sabiam: «que nada é evidente por si mesmo».
A autoconfiança desproporcionada é um mau sintoma. Esta crise financeira é um aviso.
Vaclav Havel entrevia aqui um apelo à humildade para que «não tomemos nada como automaticamente garantido».
Para Havel, se não corrigirmos o orgulho e a sua consequente miopia, caminharemos para a catástrofe!
Vaclav Havel considerava-se um «meio crente». Não cria na personalização de Deus, nem aderia a uma religião. Mas acreditava no mistério.
«O mundo não é apenas efeito do acaso. Estou convencido de que há um ser, uma força velada por um manto de mistério. E é o mistério que me fascina. O que ele defendia não era tanto a militância religiosa, mas a espiritualidade e o sentido da transcendência. «A transcendência é a única alternativa real à extinção».
Para Vaclav Havel, o grande erro do Ocidente é não compreender devidamente a História.
O que se passou no Leste não foi só a queda de um regime, mas «um espelho deformador da civilização no seu todo».
Daí que a derrota do comunismo não resolva, em si mesma, a «doença da civilizaçao ocidental».
O problema só será superado quando o Ocidente recuperar os seus valores.
O pragmatismo e a pressão das eleições impedem os políticos de «assumirem a dimensão metafísica da sua linha de acção».
Uma nova «divindade» se perfila e se coloca acima do respeito pelo horizonte metafísico da vida humana: «o ideal de uma produção e de um consumo incessantemente crescentes».
Este «deus» sacia. Mas satisfaz?
A legitimidade da política não assenta em si mesma. Ela deve ser legitimada «através de qualquer coisa que a transcenda, como valores éticos e espirituais».
É por isso que a dissidência liderava por Vaclav Havel não ambicionava a conquista do poder».
Só que os acontecimentos evoluiram no sentido de sempre.
Porventura, a humanidade terá ainda de atravessar muitos mais conflitos para perceber algo elementar: como «pode ser incrivelmente míope um ser humano ao esquecer que não é Deus». E se até Deus quis humanizar-Se, não é pelo caminho da desumanização que o desenvolvimento chega!