Estamos em crise porque a prioridade se foi deslocando das pessoas para as coisas. Sairemos da crise quando reposicionarmos a pessoa no centro. Em suma, não nos falta mensagem nem doutrina. Falta, sim, aquele fogo de Jesus para reaquecer tantas almas arrefecidas!
Refira-se que D. Óscar Romero agiu em sentido contrário ao que era esperado. Ele foi colocado à frente da diocese de San Salvador com o objectivo de refrear as intervenções mais inflamadas de alguns padres.
Foi, entretanto, o assassinato do Padre Rutílio Grande que operou uma enorme viragem na alma e na acção do bispo. Ele mesmo tornou-se uma voz profética e muito inconformada diante do poder. Para ele, mais importante que a ordem era a justiça. E acima da prudência encontrava-se a frontalidade. Sabia dos riscos que corria. As ameaças não paravam. Só que, humilde, achava-se indigno da graça do martírio.
Além da hostilidade dos poderosos, sofreu com uma certa frieza de alguns colegas e superiores. Desafiar a ordem (ainda que seja uma ordem injusta) nem sempre cai bem. D. Óscar, de facto, não cumpriu o preceito da imparcialidade. Ele tomou partido. Não por partidos, obviamente. Mas pelos pobres, pelos sem voz, pelos sem terra, pelos sem esperança e pelos sem amor.
D. Óscar Romero é um dos maiores expoentes de uma Igreja samaritana, que faz sua a causa dos que são assaltados nas estradas da vida. Realçar o seu exemplo é uma forma de mobilizar quem o procure reproduzir.
Na década de 1980, foram muitos os sacerdotes que, na linha de D. Óscar, pagaram com o sangue a coragem de uma missão que nunca cedeu à demissão. Um deles foi o Padre Ignacio Ellacuria, reitor da Universidade de El Salvador, morto, com mais alguns padres, em Novembro de 1989.
Note-se que o Padre Ellacuría deixou o conforto de uma carreira universitária na Espanha, donde era natural, para se entregar ao povo crucificado (como ele dizia) de El Salvador.
Óscar Romero e Ignacio Ellacuría são ícones de uma Igreja que não receia arriscar e que não recua, ainda que pela frente esteja o perigo supremo: o da própria vida. Em tempos de resignação, é importante olhar para o exemplo dos que nunca se conformam. Não será este o perene milagre?
4. Como bem anota Heiner Geibler, a chave de interpretação do Sermão da Montanha encontra-se na parábola do bom samaritano (cf. Lc 10). Todos são convidados a estar próximos de quem está em dificuldade, de quem sofre a injustiça.
Esta proximidade samaritana não passa apenas pela ajuda imediata. Passa também (e bastante) pela mudança das estruturas. Há, com efeito, situações de injustiça, de abuso de poder, de opressão e de desumanização que contrariam frontalmente o amor ao próximo. Não basta identificar estas situações. É fundamental ajudar a transformá-las.
A Igreja não há-de cessar de olhar para Maria junto à Cruz. Aí, Ela posiciona-Se silumtaneamente como a «Mãe das dores» e a «Mãe da esperança». Nas situações-limite, a Igreja continua a esperar contra toda a esperança. Porquê? Como explica Henri Schlier, «sem ter nenhum motivo de esperança, numa situação de total desesperança, numa situação de total de desesperança e em total contraste com a promessa, continua a esperar unicamente por causa da palavra de esperança pronunciada por Deus».
Tal como Maria esteve perto de Jesus na Cruz, assim a Igreja é chamada a ficar perto dos crucificados de hoje: dos pobres, dos sofredores, dos humilhados e dos ofendidos. De que modo? Através da solidariedade e da esperança.
A Igreja é interpelada a ser, de forma humilde, o eco da esperança num futuro melhor, mostrando que o sofrimento pode não ter explicação, mas tem um sentido, porque haverá ressurreição depois da morte. Ora, se até a morte é superada, que problema existirá que não possa ser vencido?
A esperança não é ilusão; é força motivadora. Sem esperança, poder-se-á sobreviver por algum tempo, mas não se poderá viver por muito tempo. Como reparou Raniero Cantalamessa, «os homens precisam de esperança para viver como do oxigénio para respirar».