1. A paisagem dos nossos dias assemelha-se a um prolongado (e entediante) passeio pela desesperança.
Os horizontes surgem tapados por todos os lados. A lamúria parece abafar as energias. E, como se isso não bastasse, asseguram-nos que, se o presente está cinzento, o futuro ameaça ser negro.
Os que nos acenaram com revoluções mostram-se incapazes de nos proporcionar a mais leve mudança. Alternam os protagonistas, subsiste a mesma ausência de rumo.
Na busca afanosa de uma solução, o dinheiro, que tudo garante, evapora-se. O poder, que quase tudo afiança, sufoca.
A alma das pessoas está abatida. Uma gigantesca onda depressiva parece varrer a sociedade. O exterior é sombrio. E o interior também está longe (muito longe) de ser luminoso.
Andámos a coleccionar, desde há muito, tardes que choram. Quando veremos, finalmente, uma manhã a sorrir?
2. Como sucede com quase tudo na vida, também uma crise tem muito de ambivalente. Ela encerra um vulcão de perigos. Mas transporta igualmente um universo de possibilidades.
As possibilidades da hora presente reclamam uma profunda transformação. A crise funciona como um estertor de hábitos contraídos e como uma espécie de despertador para atitudes novas.
Uma doença anela por uma terapia e um enfermo anseia pela cura. O ser humano, sobretudo neste ocidente descompensado, precisa de muita vitamina E: E de esperança e E de espiritualidade.
Não é, de facto, nos bancos que se vê a riqueza de uma pessoa. É nas atitudes de amor. É nos gestos de esperança.
Não esqueçamos o legado de Teilhard de Chardin, colhido pelo Concílio Vaticano II: «O futuro pertencerá àqueles que derem ao mundo um pouco de esperança». Um pouco que seja já é bom, muito bom.
3. Don Delillo, um dos autores mais lidos actualmente, denuncia: «A religião não é, hoje, uma espiritualidade profunda; é parte da política».
É por isso que uma crise, enquanto momento de acrisolamento, pode constituir, para a religião, um regresso a ela própria.
A espiritualidade não é um pretexto para a pessoa se fechar. Pelo contrário, é o melhor meio de se abrir. A partir de si mesma. A partir do fundo de si mesma!
Luc Ferry acaba de publicar uma magnífica obra em que propõe os alicerces daquilo a que chama uma espiritualidade laica.
A base é o amor e a espiritualidade não desponta como uma parte da vida. Emerge como o alimento da vida.
As religiões são chamadas a proporcionar uma oferta acrescida de espiritualidade. É isso o que as pessoas mais procuram hoje. E é o que elas têm direito a esperar.
É o Espírito que tudo torna possível. A começar pelo próprio impossível. Ele é, forte e suavemente, persuasivo.
Juan Martín Velasco alertava que «o cristão de hoje ou é místico ou, muito provavelmente, não poderá ser cristão».
Isto significa, segundo ele, que o cristianismo carece de uma reconfiguração: «Há um cristianismo que se vai derrubando à nossa vista»: o cristianismo de massas vai dando lugar a um cristianismo da pessoa.
4. Este é o tempo em que as nuvens obscurecem o sol. Virá o tempo em que o sol vencerá a barreira das nuvens.
Neste mundo, nada é eterno. Nem sequer a crise. Não desistamos da esperança. Ela pode ter migrado. Mas acabará por voltar.
Não deixemos, pois, adormecer a esperança. Mantenhamo-la acesa no coração. E não hesitemos em oferecê-la aos nossos irmãos.
O presente é tão sombrio, que o futuro só pode ser mais luminoso. Acredite. Amanhã será melhor!
Sei que acreditar não é tudo. Mas pode ser aquele «quase», sem o qual nunca chegaremos a lado nenhum!
Há um trabalho enorme a fazer na sociedade. Há uma tarefa ingente a realizar no coração de cada um.
Amanhã será melhor não por haver mais dinheiro. Amanhã será melhor se o interior de cada um for diferente. Mais fraterno. Mais humano.