«Vitor Pereira revoltasse».
Foi o que os meus olhos, incrédulos, colheram na primeira página de um jornal na sua edição online.
Aquele já foi um jornal onde se primava pela qualidade da escrita.
Mas esses eram outros tempos. Não voltarão jamais?
1. Tal como Maria, a Igreja segue sempre Jesus. É este, aliás, o grande critério de autenticidade do nosso ser cristão.
O seguimento, como nos recorda José García Paredes, «é a forma de entrar no círculo familiar de Jesus». Ele chama quem quer. Chama também familiares Seus. O critério de pertença a Jesus é, pois, «o seguimento, a fé, e não os laços carnais».
No Evangelho de S. Lucas, Maria desponta como «a primeira pessoa humana que acolheu em Seu corpo e em seu coração - sem nenhum tipo de limitações conscientes - a entrega do melhor de Deus à humanidade».
Segundo o texto lucano, Maria pertenceu ao círculo dos discípulos de Jesus. É preciso ressalvaqr que havia, por assim dizer, dois grupos: os domésticos, que acreditavam em Jesus e permaneciam na sua terra aguardando a vinda do Reino de Deus, e os itinerantes, queque seguiam Jesus para onde quer que Ele fosse.
Para fazer parte deste último grupo, era preciso ser convocado por Jesus. Ele chamou os que quis (cf. Mc 3, 14), pedindo-lhes que deixassem tudo. Faziam parte dele os Doze e também Cléofas (Lc 24, 18), Barsabás e Matias (Act 1, 23) e cinco mulheres: Maria de Magdala, Joana, Susana, Maria, mãe de Tiago, e Salomé (Lc 8, 1-3).
Maria, a Mãe de Jesus, deverá ser inscrita no primeiro grupo. Ela não acompanhou sempre Jesus nem consta que tivesse sido convidada para tal. Fazia parte daqueles que permaneciam em casa e aí proclamavam o Reino de Deus. Quando Se encontra com Sua Mãe no decurso do ministério, Jesus não questiona a Sua relação familiar, mas amplia-a: «Minha Mãe e Meus irmãos são os que ouvem a Palavra de Deus e a cumprem»(Lc 8, 21).
No quarto Evangelho, Maria aparece, logo nas Bodas de Caná, como aquela que aponta para Jesus: «Fazei o que Ele vos disser»(Jo 2, 5). É uma atitude de discípulo. Como refere José Rey Paredes, «Maria mostra-Se incondicional de Seu Filho». Além de discípula, Maria surge como a Mãe do discípulo amado (cf. Jo 19, 27).
2. Compulsando todos estes dados, nota-se que Maria emerge como a perfeita seguidora de Jesus, a partir do Seu coração, onde tudo guardava, sobretudo aquilo que não compreendia (cf. Lc 2, 51).
Não se pense que acreditar em Jesus foi um processo linear, isento de dificuldades. José Rey Paredes assinala que «não se deve banalizar o facto de que uma mensagem e uma forma de vida como a que Jesus propôs encontrou uma reacção sumamente violenta no povo de Israel e nas suas autoridades até ao ponto de ser condenado à morte».
Mas Maria conseguiu superar a prova a que foi submetida a Sua fé tendo-Se integrado normalmente na primitiva comunidade cristã. Não há a menor notícia de algum obstáculo que Ela tenha levantado aos caminhos que a Igreja pensava seguir.
Com Maria a Igreja aprende, assim, a aprofundar o imperativo que constitui seguir Jesus. E seguir Jesus não é só admirá-Lo, mas sobretudo «revestir-se d'Ele»(Rom 13, 14). Paulo VI recorda que Maria «realizou a perfeita figura do discípulo de Cristo e encarnou as Bem-Aventuranças evangélicas proclamadas por Cristo. Daí que n'Ela toda a Igreja encontre a mais perfeita forma de imitação de Cristo».
3. O processo educativo, teologalmente falando, não deixa dúvidas quanto às funções dos seus intervenientes: o Mestre forma, o discípulo deixa-se formar. Não vê nisso qualquer condicionante ou apoucamento. Pelo contrário, o discípulo tem gosto em deixar-se formar.
A formação é um crescimento, que, obviamente, pressupõe uma consciência de que ainda não se está concluído. Não existe autarquia neste campo. Não há autoformação. A formação é sempre a incorporação de algo ou, então, de alguém.
Por vezes, o formador nem precisa de falar muito com os lábios. A sua presença e, a fortiori, a sua coerência funcionam como elementos potenciadores da formação. Daí que a formação não precise só de ideias, precisa, acima de tudo, de modelos, de referências.
Sto. Agostinho, num diálogo chamado «O Mestre», fala de ostensão. O formador não é apenas o que aponta ou que exige; é, antes de mais, o que mostra como se age, como se vive, como se reza. É por isso que, como dizia Amadeo Cencini, a forma é mesmo mais importante que a norma. Sem aquela, esta não surte.
O aluno é o que ouve o mestre. O discípulo é o que convive com o mestre. Esta diferença não é nada despicienda. É fundamental. Necessária. Decisiva.
4. O que vem de Deus, via Jesus Cristo, é para seguir. Aliás, era este o verbo que Ele usava: «Vem e segue-Me». A existência cristã é uma existência totalmente ex-cêntrica.
O discípulo de Cristo tem contrato firmado com o despojamento, sendo chamado a fazer permanentemente oferta de si mesmo aos outros.
Ser discípulo não é apenas admirar ou aplaudir. Ser discípulo é sobretudo seguir o Mestre. Imitando a Sua conduta. E reproduzindo incessantemente a Sua forma de ser e de estar!
Não é obviamente censurável cada um preocupar-se consigo mesmo. Mas é mais conforme o projecto de Cristo doar tudo ao próximo.
5. Pedro e João são duas personalidades e dois sinais para o exercício do discipulado. Aliás, o autor do quarto Evangelho insiste bastante na categoria sinal. Quando fala de milagres, emprega sempre a palavra sinais (semeia).
Pedro representa a autoridade, João iconiza o amor. Já na Última Ceia, Pedro está perto de Jesus, mas pede a João para Lhe perguntar acerca de quem O iria entregar (cf. Jo 13, 23-26).
Por aqui se vê como a autoridade, na Igreja emergente, não vale por si mesma. Ela só age através do amor, pela mediação do amor. Depois da ressurreição, ocorre o mesmo. Pedro sai com João rumo ao sepulcro. Ou seja, a autoridade não dispensa o amor na procura de Jesus.
Mas, a determinada altura, João antecipa-se. Na verdade, o amor vai sempre à frente e chega sempre primeiro. Como refere o comentário de Mateos-Barreto, «corre mais depressa o que tem a experiência do amor, o que foi testemunha do fruto da Cruz». De facto, na hora da morte, só o amor (João) esteve presente. A autoridade (Pedro) ausentara-se. Só o amor é capaz de vencer o medo.
João chega primeiro ao sepulcro. É pelo amor que se atinge a meta e que se chega a Deus. Só que, como reconhece S. Paulo, o amor também sabe ser paciente, também consegue esperar e, aspecto nada negligenciável, nunca é invejoso (cf. 1Cor 13, 4).
João vê o sepulcro vazio, mas não entra. Aguarda que Pedro venha. O amor respeita a autoridade. Até porque sabe que, na Igreja, a autoridade está ao serviço do amor. Não se trata de um mero gesto de deferência. É, sobretudo, um gesto de reconciliação. É que, com as negações de Pedro (cf. Jo 18, 15-17.25), era a autoridade que vacilara, vacilara no amor.
Agora, o amor dá uma nova — e definitiva — oportunidade à autoridade. João, que estivera junto à Cruz, não se arroga uma qualquer superioridade, estatuto tão fácil de avocar e sentimento tão pronto a exibir.
O amor é humilde. Sabe que a autoridade tinha negado Jesus, mas, por isso mesmo, deixa-a entrar em primeiro lugar para que, em primeiro lugar também, expresse o seu amor.
O amor é mesmo assim: uma sucessão de começos. A autoridade sente-se reabilitada e segura por correr atrás do amor. Na Igreja de Jesus, a autoridade só faz sentido em função do amor.
Só correndo atrás do amor, a autoridade alcança o seu destino. É o amor que aponta o caminho à autoridade. Sem amor, a autoridade perde o norte, a bússola.
Eis, por conseguinte, uma novidade jamais superada. Pedro e João a caminho do sepulcro sinalizam, assombrosamente, o perfil da Igreja pelas estradas do mundo.
A autoridade é necessária. Mas ela é apenas instrumental. Existe para tornar presente o essencial. E o essencial é o amor. Porque, como alvitra o Evangelho (cf. Jo 20, 8), só com o amor se vê, só pelo amor se acredita.