1. A Igreja recebe de Maria um perfil de intervenção que exclui a punição ou a coacção e que só contempla a palavra e o exemplo.
Como sublinha Alejandro Martínez, a consideração do dogma da maternidade divina de Maria, dimensão inquestionavelmente importante, levou-nos porventura a «insistir no aspecto gerador silenciando o educador».
A educação é uma actividade que prima pela discrição. O importante são os frutos. Aliás, a própria localidade onde Jesus cresceu certifica esta opção pelo crescimento discreto. «A Igreja primitiva estava impressionada com o aniquilamento do Verbo na Sua vida terrena (cf. Fil 2, 6-7). Nazaré é a tradução, em factos concretos, desse aniquilamento. Nenhum gesto, nenhum clarão revelou a divindade oculta na humanidade do carpinteiro».
Assumir a forma de servo «não significa apenas ter um corpo real, mas partilhar a existência humana regada pelo suor de cada dia». A monotonia de Nazaré não constituiu «uma casualidade, mas fazia parte do plano de salvação».
Nazaré foi, por isso, uma cátedra para Jesus, «uma lição difícil de aprender. Tinha de a repetir incessantemente e de a ensinar sobretudo com o exemplo». Este é, de resto e como dizia Robert Turgot, a pedra de toque de tudo: «O princípio da educação é pregar com o exemplo».
Também as mãos de Maria experimentaram a dureza do trabalho. A Sua grande riqueza advém da interioridade, da Sua forte personalidade. «É feliz porque Se sente plenamente realizada. Como mãe, está orgulhosa do Filho. Como esposa, vive alegremente a fidelidade ao amor. O trabalho dá-Lhe prazer porque reparte por mil pormenores a Sua capacidade de amar».
Maria mostra à Igreja que o segredo da santidade está «não tanto no que se faz, mas sobretudo na maneira concreta de o fazer». O melhor de Maria operou-se na Sua vida de fé. Tal como Maria, «também o crente é chamado por Deus e, por meio de um compromisso pessoal, orientou a própria vida de acordo com esse chamamento concretizado na vocação pessoal».
2. É por meio de Maria que Jesus conhece o amor humano. «A sensação do calor da face de Maria junto da Sua é a primeira experiência do amor como ternura». Com Ela aprendeu «também que o amor é serviço, entrega silenciosa, sacrifício pelo outro».
Maria desponta igualmente como educadora da fé. Certamente Jesus aprendeu com Ela «as primeiras orações e também a recitar os salmos. Nas tertúlias familiares, com certeza que os pais lhe contaram os factos mais relevantes da história de Israel que qualquer judeu tinha na memória».
Tal como Maria, a Igreja é convidada a ser pedagoga da oração. Nela, o que terá de reluzir, antes de mais, é a vibração espiritual, a experiência profunda do mistério.
A espiritualidade de Maria é «a espiritualidade dos pobres». Não pode ser outra, aliás, a espiritualidade da Igreja. Não falta, neste sentido, quem alvitre que «Jesus, ao pregar as Ben-Aventuranças, estaria a pintar o retrato de Sua Mãe».
E o certo que «as Bem-Aventuranças traçam o esboço do pobre que elas propõem como modelo». Maria vivenciou-as no Seu coração: pobreza, mansidão, pureza, fome e sede de justiça e até perseguição por causa do Reino, na experiência da fuga para o Egipto. Terá de ser este o perfil existencial da Igreja: despojada, misericordiosa, tolerante, defensora da justiça e construtora da paz, perseguida se for caso disso, mas jamais perseguidora.
A Igreja não pode limitar a sua missão educadora à repetição de fórmulas e ao apelo ao cumprimento de normas. Antes de mais e acima de tudo, é urgente apostar na educação pelo exemplo, pelo testemunho, pela vivência.
As pessoas acumulam, nos tempos que correm, um capital de crítica que as torna mais sensíveis às incoerências. «A educação é semente que cria fortes raízes na alma». Ela pressupõe que haja um grande amor e implica uma forte experiência. Concretamente a fé «transmite-se eficazmente quando se torna vida e a vida brota da contemplação. É dessa contemplação que «nasce o conhecimento e o amor, e ambos são necessários o educador para que seja profunda a sua sementeira nos educandos».
3. A tarefa educativa não é de índole controladora, policial. Olhando para Maria, Augusto Cury mostra que «o melhor educador não é o que controla, mas o que liberta. Não é o que aponta os erros, mas o que os previne. Não é o que corrige comportamentos, mas o que ensina a reflectir. Não é o que observa o que é tangível, mas o que vê o invisível. Não é o que desiste, mas o que estimula a começar de novo».
Uma Igreja mariana «abraça quando todos rejeitam, anima quando todos condenam, aplaude os que nunca subiram ao pódio, vibra com a coragem dos que ficaram nos últimos lugares. Não procura o seu próprio brilho, mas faz-se pequeno para tornar os seus filhos grandes».
«Educar é introduzir na realidade total». Assim escreveu Jungmann e assim recorda Luigi Giussani num livro cuja versão portuguesa tem como título «Educar é um risco». Mas como introduzir na realidade se se renuncia, cada vez mais, a uma hipótese explicativa dessa mesma realidade? Se o apelo à tradição é cada vez mais esbatido? E como introduzir na realidade total se a fragmentação é a linha dominante dos programas e dos conteúdos sem haver, muitas vezes, um fio condutor entre eles?
A importância da unidade no projecto educativo ressalta como fundamental, determinante, decisiva. Está muito difundida a percepção de que, nos tempos que correm, há muita escolarização e não muita educação. Impõe-se atender a este dado e debruçar-se sobre o que lhe subjaz. Apesar do aumento do tempo escolar, o curto prazo ainda condiciona bastante.
Os agentes vêem-se compelidos a pensar no fim do período, no fim do ano. É hora de olhar mais longe. Não chega estudar para o teste. É urgente preparar para a vida. Até porque a vida é o maior teste e a permanente lição. É ela, a vida, que, em último caso, vai aferir o que se recebe na escola.
A educação, por sua vez, não é um exclusivo da escola. Ela começa, desde logo, na família. Constrange, enormemente, ver crianças com armas, envolvidas nas guerras. A educação não tem conseguido contrariar a tendência da humanidade para navegar nas águas tumultuosas da violência.
As pessoas habituam-se, desde cedo, à normalidade anormal da violência. É por isso que, antes de aprender a fazer, fundamental é ensinar a amar. Sebastião da Gama, emérito pedagogo, não tinha dúvidas: «Tenho muito que fazer? Não. Tenho muito que amar». E, antes ainda de Gama, já o genial Albert Einstein vertia esta percepção: «O amor é melhor professor que o dever».
Aliás, quando existe amor, não deixa de existir a identificação do dever. O amor não amolece. O amor fortalece. O amor é a maior força. Como adverte Augusto Cury, «o maior papel de um mestre não é educar para o mercado de trabalho, mas para a vida».
4. O processo educativo não é o que nos convence daquilo que sabemos. É o que nos mobiliza para aquilo que podemos vir a saber. Vladimir Nabokov estava certo quando defendeu que «a medida de uma educação é que adquirimos alguma noção da extensão da nossa ignorância». Por isso é que a educação nos capacita para o primeiro (e fundamental) saber, sem o qual nenhum outro existe: o não saber.
Receio, pois, aqueles que estão sempre prontos a ensinar sem manifestarem qualquer disponibilidade para aprender. Ser convincente é muito diferente de ser convencido.
Um dos tópicos passará por uma revolução nas mentalidades. Quando se fala de educação, fala-se de um processo limitado aos mais novos. Daí até a palavra pedagogia. A raiz paidós quer dizer criança. Só que a carência educativa envolve toda a gente. Os mais adultos continuam a precisar de educação. A andragogia (a raiz anêr, andrós significa homem) tem de ser um imperativo.
Há gente que passou por todos os graus de ensino e continua a revelar lacunas impressionantes: nos conhecimentos e nas atitudes. Também aqui, portanto, há um momentoso défice de produtividade.
Acresce, entretanto, um dado completamente inadmissível. O mercado de trabalho não assimila as pessoas que forma, que educa. Um em cada dez licenciados emigra. Ou seja, tem de ir lá para fora aplicar o que aprendeu cá dentro. Há muitos elos que estão a tombar. E há imensos laços que estão a desfazer-se. Somos uma sociedade cada vez mais deslaçada.
Precisamos de todos. Precisamos de técnicos, sem dúvida. Mas necessitamos sobretudo de sábios, de pessoas com uma visão global da existência que infundam horizontes de valores e alicerces de comportamentos.
A sabedoria vai muita para lá da ciência. Há estudos que documentam que uma das chaves do sucesso asiático está precisamente na aposta na educação como sabedoria. Entre nós, o acréscimo de escolarização não tem garantido uma maior qualidade da educação. Também os mais crescidos precisam de educação. Ela é sempre um fieri, jamais um factum. Não são apenas os mais pequenos que precisam de aprender. Os mais adultos também necessitam de ser ensinados. A pedagogia é para desaguar numa permanente andragogia.
«A aventura não está fora do homem; está dentro».
Assim escreveu (notável e magnificamente) George Sand.