1. A Igreja aprende de Maria a riqueza da pobreza e o deslumbramento da humildade.
Jesus, o Filho de Maria, é aquele que, no dizer de Paulo, nos enriqueceu com a Sua pobreza (cf. 2 Cor 8, 9).
Foi na Sua humildade e na Sua pobreza que Maria tomou consciência de que vivia sob o olhar de Deus. Enquanto pobre de Yahvé, Maria, como assinala Bruno Forte, «está repleta da presença do Senhor, habitada e conduzida por Ele, dócil em deixar-Se amar pelo Eterno, que A escolheu e encheu de graça».
Só na pobreza se ama e se deixa amar. Só na pobreza se consegue superar o nativo instinto de posse. Na Sua pobreza, Maria «é o silêncio em que vem a ressoar a palavra eterna na carne do mundo, a noite acolhedora em que se torna presente a luz que há-de iluminar todo o homem».
A esta luz, a pobreza da Igreja é «o vazio coberto pela riqueza da divina presença, o âmbito em que o Omnipotente realiza os Seus prodígios, prometidos em Maria. Na escola de Maria, ela aprende o amor do silêncio interior, a escuta profunda donde a Palavra vem armar a Sua tenda entre os homens».
2. Esta pobreza é o que mais faz brilhar a riqueza divina. Maria e a Igreja, comparadas pelos Padres à lua, «não brilham com luz própria, mas deixam-se iluminar, irradiando a luz do único sol que é Cristo. Trata-se da "mulher vestida de sol" do Apocalipse(Cf. Ap 12, 1)».
A grande mulher não é apenas a gloriosa, mas também a que continua na terra, a que gera na dor, a perseguida, a que tem de fugir para o deserto.
Diz Hugo Rahner: «Tudo isto certamente consegue-se, primeiro, no destino da Igreja que sofre na terra, mas também está prefigurado no destino terreno da Mãe de Deus. Tal como a lua, astro nocturno, é somente iluminada pela luz do sol; tal como a lua se transforma e mingua; tal como a lua vai desaparecendo à medida que se aproxima do sol, assim sucede com o destino da Igreja transfigurada».
Maria nasceu e viveu pobre. O local onde viveu era tão insignificante que nem sequer é mencionado. O Talmude, que lista 63 cidades da Galileia, não refere Nazaré. Os estudos arqueológicos permitem inferir que era uma aldeia muito pequena: tinha unicamente uma fonte.
A pobreza era a ambiência dominante. Como descreve J. González Echegaray, Nazaré «era uma pequena aldeia, no alto de uma cadeia de colinas, cujos habitantes, de estirpe judia, se dedicavam preferencialmente ao cultivo de oliveiras e videiras. A habitação consistia em vivendas pobres que aproveitavam as numerosas covas que o terreno apresenta para ampliar as suas casas» com alguns acrescentos.
3. A actividade principal dos nazarenos era a agricultura. A prosperidade parecia não querer muito com eles. Nem sequer seria lugar de passagem.
Esta aldeia situava-se a uns cinco quilómetros de uma grande cidade da Galileia: Séforis. Por esta passava uma rota comercial muito importante. Tinha tribunais, uma fortaleza, um teatro para três ou quatro mil espectadores, um palácio, duas muralhas, dois mercados, arquivos, banco e uma população estimada em cerca de 30 mil habitantes. Foi perto desta terra, mas não nesta terra, que viveu Maria, Mãe de Jesus.
A população da Galileia era, aspecto nada negligenciável, bastante acolhedora para com o estrangeiro. Daí a fama não muito recomendável junto dos judeus mais ortodoxos. E daí também a expressão interrogativa: «De Nazaré pode vir alguma coisa boa?» (Jo 1, 48).
Foi neste ambiente que viveu a Mãe de Jesus, um ambiente campesino. Se José era carpinteiro, provavelmente seria alguém que trabalhava não só em Nazaré, mas também em Séforis.
A restante família de Jesus dedicava-se, muito possivelmente, ao cultivo da terra. Isto explica, por exemplo, que muitas parábolas sejam inspiradas no vocabulário da agricultura. Não obstante, Jesus também chegou a trabalhar como artesão (cf. Mc 6, 3).
Digamos então que a Igreja, em Maria, emerge num ambiente de especial sobriedade e até pobreza. Esta é não apenas uma imposição das circunstâncias, mas tudo indica que corresponde também a uma opção. Trata-se de uma opção que a coloca em condições de ser sensível à situação dos mais pobres. Em Maria, a Igreja não trabalha só para os pobres, mas está ao lado deles, partilha o seu quotidiano.
4. A pobreza é irmã gémea da humildade. Maria agradece a Deus por Ele ter depositado o olhar na «humildade da Sua serva»(Lc 1, 48). Os grandes reformadores da Igreja, os santos, sempre colocaram a ênfase neste foco. S. Francisco de Assis, por exemplo, apelava a que todos fossem «simples, humildes e puros».
A humildade é um caminho de verdade pelo despojamento, pela entrega, pela doação. João Paulo II observa que «Maria está perfeitamente unida a Cristo no Seu despojamento».
À Sua pobreza material, que já era considerável, Maria acrescentou - afirma Raniero Cantalamessa - «a pobreza espiritual, no seu grau mais elevado. Esta pobreza de espírito consiste em deixar-se despojar de todos os privilégios, em não poder apoiar-se em nada».
Maria nunca reclama qualquer compensação para o que fez em prol da Redenção. Nunca Maria surge a desvanecer-Se com o que quer que seja a Seu respeito. Tudo n'Ela ressoa humildade e ressuma desprendimento.
Lutero reconhece que «é muito mais difícil controlar-se nas grandes honras ou no poder do que na pobreza, na ignomínia e na fraqueza, porque honra e poder exercem uma forte sedução para o mal. Por isso, muito mais deve ser celebrado o espírito de Maria, maravilhosamente puro, porque enquanto Lhe é dada uma honra tão grande não Se deixa cair em tentação, mas, como se não visse, permanece no caminho certo, agarra-Se somente à bondade divina, que Ela não vê e não sente, deixa todos os bens sensíveis, não Se gloria neles, não procura o Seu interesse e por isso pode com verdade e com razão cantar: O Meu espírito Se alegra em Deus, Meu Salvador».
5. Em Maria, a Igreja tem de desaprender a voltar-se sobre si mesma e reaprender a dar-se completamente a si própria.
A Igreja, como se vê em Maria, nunca é tão grande como quando se despoja, como quando sai de si, como quando se volta para Deus e para o próximo.
Emmanuel Levinas tinha toda a razão quando sustentou que «mais alta que a grandeza é a humildade». Só a humildade é verdadeiramente grande. Só ela nos leva a perceber que nunca se sobe tanto como quando se aceita descer até às profundidades mais fundas da existência.
Definitivamente, a opulência e a ostentação não combinam com o Evangelho nem com o património genético que a Igreja recebe deste seu modelo paradigmático, que é Maria de Nazaré.
Afinal, havia um ser humano por detrás de todo aquele sumptuoso aparato tecnológico.
Tratava-se, aliás, de um grande ser humano.
Steve Jobs tinha um enorme talento, mas não deixava de ter igualmente um imenso coração.
A doença não o esqueceu. O coração parou. Prematuramente como sempre.
Mas, mais do que a obra em si, fica a tenacidade, a coragem de inventar o diferente, a capacidade de dar vida ao inesperado, ao novo.
Steve Jobs é uma demonstração bem eloquente de que nem a mais avançada tecnologia dispensa uma mente brilhante e uma alma visonária.
Steve Jobs foi alguém que viu muita coisa antes de todos. Partiu também antes de muitos.
Inimitável no talento, será sempre uma referência no exemplo.
O melhor é possível. O melhor ainda está para vir?
Um membro da Cartuxa, quando passa por outro, não diz bom dia nem boa tarde. Simplesmente, não diz nada.
Não se trata de descortesia. Trata-se de uma via.
Temos de respeitar quem opta por ela.
Neste dia de S. Bruno, fundador da Cartuxa, importa perceber que a vida é tecida de muitos tons.
A solidão, por estranho que pareça, não deixa de ser um caminho, uma forma de relação.
Aliás, não falta quem diga que nunca estamos tão sós como no meio da multidão. É aqui que mais se grita. É aqui que menos se escuta.
S. Bruno não era um frustrado. Tinha uma carreira preenchida e apreciada.
Mas descobriu que o seu horizonte era outro.
Às vezes, é preciso interromper, sair, deixar.
A solidão nem sempre nos desvia. Ela pode levar-nos à redescoberta da verdade sobre nós. E da verdade sobre os outros.
A variedade da existência é, realmente, surpreendente. E poderosamente desconcertante.