Uma das perguntas mais inquietantes que hoje se faz já não é apenas «qual é o mal?»
Esta resulta do espanto que nos provoca a observação dos outros aos nossos comportamentos. Já nem sequer nos apercebemos do mal que podemos fazer!
Hoje, outra das perguntas que se vai vulgarizando é «para que serve?»
Holderlin colocou uma questão semelhante, que detectara já no seu tempo: «para quê poetas?»
Actualmente, este género de perguntas é tributário do utilitarismo que nos domina.
É assim que questionamos a utilidade daquilo que, no imediato, não rende dinheiro nem leva a progredir na carreira.
Acontece que aquilo cuja utilidade pomos em causa é, porventura, o que mais falta nos faz: a poesia, a filosofia, a ética, a espiritualidade, a bondade.
A pergunta devia mudar de direcção: para que serve esta submissão à ditadura do lucro e da banalidade?
Muita gente diz, de modo preocupado, que não sabe rezar.
Eu diria que isso é óptimo. Pode ser o começo da verdadeira oração.
Quando quiser orar, não diga nada, tente não pensar em nada.
Deixe, como diz S. Paulo, que o Espírito reze dentro de si (cf. Rom 8, 26).
Não procure sequer falar com Deus; procure, antes, escutar Deus dentro de si.
Não somos nós que procuramos Deus. Quando vamos à procura, percebemos que Ele já nos encontrou.
No século XIV, Walter Hilton afirmou: «Tu nada faças; deixa apenas que Ele actue dentro de ti».
Experimente.
1. Quando Maria é visitada pelo enviado de Deus, estava certamente em oração. No entanto, o evangelista não regista qualquer palavra que Ela tenha proferido antes de Gabriel chegar. E, mesmo depois, limita-Se a oferecer respostas às propostas que ouve. A iniciativa do diálogo não é d’Ela (cf. Lc 1, 26-38).
Trata-se, como conjectura Ignacio Larrañaga, de uma experiência «de alta intimidade», o que é notável para alguém que, segundo Paul Gechter, deveria ter uns 13 anos!
A maturidade precoce de Maria revela, como reconhece Larrañaga, «uma plenitude interior e uma estabilidade emocional muito superiores e desproporcionadas à sua idade».
Aquele é um momento em que, seguramente, «tinham desaparecido as palavras e a comunicação entre a serva e o Senhor fez-se em profundo silêncio». Este só foi interrompido «por uma visita extraordinária do enviado de Deus».
A espiritualidade de Maria é muito forte para a sua idade. Já a espiritualidade na Igreja é bastante débil para as suas necessidades.
Karl Rahner entrevia, com assomos de profética lucidez, que «o grande problema da Igreja contemporânea é continuar, com uma resignação e um tédio cada vez maiores, pelos trilhos de uma mediocridade espiritual».
No mesmo registo se pronunciou Ignacio Ellacuría quando, num curso que deu em 1980, proferiu esta frase lapidar, que vale a pena reter: «A única arma da Igreja é a santidade»! É ela, com efeito, que apõe credibilidade na credentidade do anúncio.
Trata-se de uma arma que não é selectiva nem limitada. É para ser usada por todos e para ser usada sempre! João Paulo II recorda enfaticamente que a santidade não é apenas para alguns. É para «os cristãos de qualquer estado» e destina-se a «moldar a existência cristã por inteiro».
Daí que, não obstante os vastos processos de secularização, se pressinta, um pouco por toda a parte, «uma generalizada exigência de espiritualidade, que se exprime precisamente numa renovada carência de oração».
2. Só que nem sempre esta exigência encontra o devido acolhimento e a deseja resposta. Há pouca predisposição espiritual no interior das pessoas. A intimidade está pouco trabalhada.
As próprias celebrações ressentem-se disto. São muito ruidosas e demasiado palavrosas.
Quando muito, ainda se reza, mas já quase não se ora. Orar e rezar são tidos como sinónimos, mas há algumas precisões a fazer entre estes dois verbos.
Costuma dizer-se que «rezar é falar com Deus». Não se tem em conta que, antes de mais, rezar é deixar que Deus nos fale. A iniciativa é sempre d’Ele.
Sucede que, além de se rezar pouco, não se reza correctamente. Com tantas palavras e fórmulas, quase não damos espaço para que o Espírito reze em nós. Para isso, é preciso silêncio no exterior e também no interior. Se não fazemos silêncio, como é que podemos escutar o Espírito?
De facto e se quisermos ser rigorosos, o que nós fazemos, muitas vezes, é rezar, não orar.
Rezar vem de recitare, implicando, portanto, o recurso a fórmulas, a palavras que todos conhecem.
Isto acontece quando se está em comunidade. Já orar não implica necessariamente palavras nos lábios. Basta fechar os olhos, abrir o coração, deixar que Deus aconteça em nós. Concluindo, rezar é um modo de orar. Mas orar não implica obrigatoriamente rezar (recitare).
3. Orar é esperar. Rezar é dizer. Há espaço para os dois momentos no encontro com Deus.
Mas antes de falar com Deus, urge deixar que Deus nos fale. Daí o apelo, ínsito no Sermão da Montanha, para que entremos no quarto, no santuário interior (cf. Mt 6, 6).
Aí, podemos estar de qualquer maneira. Até podemos fechar os olhos. Não nos preocupemos com palavras. Elas virão. Podemos usar repetidamente uma para facilitar a concentração: Pai, por exemplo.
Será uma espécie de mantra cristão. Ou, mais adequadamente, tratar-se-á do hesicasmo, a oração do coração.
Antes de sermos nós a rezar a Deus, é (por assim dizer) Deus que nos reza a nós, que reza em nós.
É importante que a Igreja deixe que a Sua palavra ecoe. Na oração, Deus é a paz para a nossa inquietação.
Hoje, a Igreja corre o sério risco de se ver sobrecarregada pelo urgente, minguando o tempo para o importante.
E não há dúvida de que, não raramente, as justificações são ponderosas: solicitações de toda a parte, actividades de toda a espécie.
Só que, como observa Jacques Philippe, o problema maior da oração não está na falta de tempo, mas «em saber o que realmente conta na nossa vida».
É por isso que, «antes de dizer que não temos tempo para orar, comecemos por nos interrogar sobre a nossa hierarquia de valores, sobre o que é verdadeiramente prioritário para nós».
Se pensarmos, por exemplo, no relacionamento humano, depressa verificaremos que «um dos dramas da nossa época é o de não sermos capazes de encontrar tempo uns para os outros, de estarmos presentes uns nos outros».
Quem dá tempo a Deus aprende, nesse mesmo momento, a arte de dar o tempo. «Se estivermos atentos a Deus, aprenderemos a estar atentos aos outros».
Há uma promessa de Jesus que passa também por este meridiano: «Quem deixar casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos ou campos por Minha causa e por causa do Evangelho, receberá cem vezes mais agora, no tempo presente» (Mc 10, 29).
Concretizando, «quem renunciar a um quarto de hora de televisão a favor da prece receberá o cêntuplo, não em quantidade, masem qualidade. A prece dar-me-á a graça de viver de maneira bastante mais fecunda em cada instante da minha vida».
4. Importa ter presente que «o tempo dado a Deus nunca é um tempo roubado aos outros, roubado àqueles que precisam do nosso amor e da nossa presença. Pelo contrário, é a fidelidade em estarmos presentes a Deus que garante a nossa capacidade de estarmos presentes aos outros e amá-los verdadeiramente».
Trata-se de um dado da experiência, testada ao longo de séculos: «É junto das almas de oração que se encontra o amor mais atento, o mais delicado, o mais desinteressado, o mais sensível ao sofrimento alheio, o mais capaz de consolar e de reconfortar. A oração tornar-nos-á melhores e os nossos próximos não se lamentarão disso!».
Uma coisa convém nunca perder de vista. Sem vida de oração, «não há santidade».
De resto, a hagiografia testifica à saciedade que todos os santos foram pessoas de oração. Os mais empenhados no serviço do próximo também foram grandes contemplativos.
S. Vicente de Paulo começava cada um dos seus dias com duas ou três horas de oração.
É por isso que S. João da Cruz sentencia que «quem evita a oração evita tudo o que é bom». E nem sequer basta rezar enquanto se trabalha como, tantas vezes, costumamos dizer, certamente com a melhor das intenções.
É claro que, como reconhece Jacques Philippe, «o trabalho oferecido a Deus e realizado em Sua honra se torna de algum modo uma prece».
Todavia, o mesmo autor convoca-nos para o mais elementar realismo: «Não é nada fácil permanecer unido a Deus quando se está mergulhado nas ocupações. A nossa tendência natural é deixarmo-nos absorver completamente pelo que estamos a fazer».
Daí que, «se, de vez em quando, não conseguirmos parar completamente e encontrar uns momentos durante os quais só nos ocupemos de Deus, ser-nos-á muito difícil mantermo-nos na presença de Deus enquanto trabalhamos. Precisamos de uma prévia reeducação do coração: a fidelidade à oração é meio mais seguro de alcançá-la».