Disse-me que era ateu.
E notei que acreditava, firmemente, no que dizia.
Logo, era crente.
Importante é acreditar.
Deus está sempre perto. Mesmo daqueles que se consideram longe.
Estamos saturados do bulício. Mas continuamos atropelados pela agitação.
Do que precisávamos, nesta altura, era de silêncio. Mas acabamos por procurar (ainda) mais ruído.
Após as correrias do trabalho, eis as correrias das férias.
Importante seria parar. Mas continuamos a correr. Ainda para mais longe. Para mais longe de casa. Para mais longe de nós?
Os destinos de férias são mais distantes que os locais de trabalho. Mais distantes e mais devoradores. Se o trabalho não nos dá o que merecemos, as férias acabam por nos levar muito daquilo que nos (faz) falta.
E só no final nos apercebemos de que, no fundo, nem as férias nos oferecem o que das férias esperamos. Dão-nos diversão, quilómetros, multidões. Mas não nos conseguem dar descanso, nem serenidade.
Partimos cheios e, muitas vezes, voltamos vazios. Partimos cheios do trabalho, cheios do ambiente, quiçá cheios das pessoas. Voltamos vazios. As praias ficaram, as diversões ficaram, as horas prolongadas de sono ficaram. Que voltou connosco? O vazio. E muito tédio. E mais cansaço.
Vivemos, enfim, em permanente défice de produtividade. Não mostramos muita produtividade no trabalho. E (vá lá saber-se porquê) não conseguimos mostrar muita produtividade no descanso.
Cansados estamos antes das férias. Cansados continuamos a estar depois das férias.
Tudo isto mostra que carecemos de alternativa e não de mera alternância. Temos necessidade não só de locais diferentes, mas sobretudo de aitudes renovadas.
Talvez um pouco de solidão e um suplemento de recolhimento nos ajudem a reencontrar-nos neste tempo sem tempo e nesta vida que nos vai levando - velozmente! - para fora da vida.
Entre a Somália, o Quénia e a Etiópia, há um «Portugal» em risco de desaparecer.
São dez milhões de pessoas que a fome pode matar, nos próximos meses, nestes países.
As equipas de socorro estão a ter dificuldade em chegar às populações. Há milícias que impedem o acesso.
A realidade já é cruel. A indiferença pode ser letal.
A riqueza dos mais ricos está a aumentar. A pobreza dos mais pobres também está a crescer.
Pelo meio, a actualidade mostra que a crise está marcada por boa dose de policromia.
Há quem viva já com muitas dificuldades. Há quem mantenha os mesmos hábitos.
Há padrões de consumo que não baixam. E, ao mesmo tempo, há necessidades básicas que começam a não ser satisfeitas.
Este é um tempo favorável à reflexão. Mas a necessidade de diversão está a engolir esta prioridade.
Penso que Jesus encerra um paradigma de vivência que urge levar à vida.
Uma ética assente na verdade, na sobriedade e na partilha desponta como uma urgência para estes tempos.
A propósito, vem-me à mente o célebre livro de Laurie Beth Jones, apresenta Jesus como um CEO (Chief Executive Officier).
Da mensagem de Jesus são extraídas propostas para a vida empresarial, assentes num vector humanista que começa a escassear.
Realce para o último tópico: Jesus sabia que ninguém ganha enquanto não ganharmos todos.
É este o punctum saliens: enquanto houver alguém a passar mal, nenhum desenvolvimento pode ser dado como consolidado.
Jesus falou-nos do mundo como uma casa com uma mesa onde tem de haver lugar para todos. Para todos!
Não é só Deus que nos surge como mistério. Também a humanidade é um mistério para todos. E cada ser humano não deixa de ser um mistério para si mesmo.
É por isso que precisamos, amiúde, de recorrer a outros para decifrarmos um pouco o enigma, para nos conhecermos melhor.
Isto não acontece apenas com as pessoas. Acontece também com os povos.
Surgiram, recentemente, dois livros sobre Portugal, escritos por estrangeiros: um inglês e um francês.
Ambos gostam de nós, o que não impede algum espanto por certas coisas que vêem por cá.
Barry Hatton fica surpreendido pelo facto de os portugueses se exasperarem mais com as filas do trânsito do que com a corrupção.
Também Michel Cartier anota essa instituição que dá pelo nome de cunha, acrescentando a lentidão e o acordo ortográfico.
A propósito: «Os portugueses reconhecem que a língua portuguesa é tão rica que acham difícil - além de falá-la - escrevê-la (e, portanto, lê-la) correctamente».
A partir de certa altura, impressiona mais a morte dos outros do que a nossa própria morte.
A morte dos outros perturba-nos. A nossa própria morte pacifica-nos.
Vamo-nos habituando a essa inevitabilidade e vamos até contando as vezes que lhe conseguimos escapar. Bem vistas as coisas, levamos muito tempo a morrer. Só que (como asseverava Eugene Ionescu), consegue-se.
Montaigne dizia que a filosofia é aprender a morrer e Zubiri entendia que viver é existir constitutivamente frente à morte.
Descodificando, do que se trata, nestas frases, é de um apelo a reaprender a viver. A nossa peregrinação pelo tempo não é interminável. Importa não adiar o essencial. E é fundamental não desperdiçar energias. Ninguém fica aqui para sempre. O que fica, quando já não estivermos, é o rasto do que fomos.
No fundo, trata-se de um horizonte que temos à nossa frente. Não sabemos a sua duração. O importante é que a morte nos encontre envolvidos na prática do bem.
A certeza da morte dá um acréscimo de premência à questão do sentido. Andamos aqui para quê? Só o bem depõe a nosso favor.
Quanto ao momento da morte, não vale a pena preocuparmo-nos muito. Apesar de estarmos seguros da sua vinda, nenhum de nós fará a experiência da sua morte.
Era, aliás, por este meridiano que alinhava o conselho de Epicuro. Dizia, mais ou menos, isto em relação à morte: quando nós estamos, ela ainda não está; quando ela estiver, nós já não estamos.
O poder das ideias não é, por si só, uma garantia diante dos eventuais desmandos das ideias do poder.
O caso da Noruega demonstra à saciedade que há ideias que agridem, que aviltam e que matam.
As ideias (tal como o poder) têm de estar submetidas ao escrutínio da razão e do bom senso.
Uma vez, porém, que os critérios são tão variáveis (e, como se vê, alguns mostram-se completamente avariados), é preciso assentar numa regra elementar.
E esta encontra-se no fundo da alma humana e no coração de todas as culturas: não faças aos outros o que não queres que te façam a ti.