O acontecimento de Deus nos acontecimentos dos homens. A atmosfera é sempre alimentada por uma surpreendente Theosfera.

Quinta-feira, 28 de Julho de 2011
«Não vos vou falar mais da Zezinha. Porque todos a conheceram e já muitos falaram dela nestes dias. E bem. Eu, aqui, vou falar-vos da Zezinha e de nós – de mim, dos meus filhos e da nossa família - nestes cinco últimos meses desde que soubemos da doença dela, num Sábado 12 de Fevereiro, faz hoje precisamente cinco meses.
 
Conheço bem as narrativas de aceitação cristã e resignada das provações que Deus manda – deste o Livro de Job às histórias dos mártires e perseguidos de todos os tempos. Mas nunca tinha assistido, e vivido, de perto, e também na pele, essa experiência. Nesse dia no Hospital da Luz a Zezinha foi informada quase ao mesmo tempo que nós do que tinha e quais eram as perspectivas; e percebeu perfeitamente que tinha uma sentença de morte a curto prazo em cima da cabeça.
 
Jantámos nessa noite com os nossos filhos e começámos, conscientes, uma longa e dolorosa noite das Oliveiras. Às quatro da manhã, vi que ela não estava no quarto e fui procura-la. Estava na casa de jantar, a fumar um cigarro.
 
Perguntou-me se queria também um chá, que ia fazer para ela. E assim ficámos até às seis, a beberricar um chá e a falar da nossa vida. Da nossa vida que tinha sido uma vida boa, mas que não tivera nada a ver com uma boa vida. Tinha sido uma vida difícil, muito rica de riscos e afectos, de grandes amizades e algumas desilusões. E ela agradeceu – e eu com ela – a Deus que nos tinha dado essa vida, e os nossos filhos, e os nossos netos, e toda a família. E os nossos amigos. Todos vós.
 
Depois foi o princípio desta caminhada que acabou na semana passada: ela estava resignada mas, por nós – por mim e pelos filhos - aceitou lutar, com fé em Deus e respeito pelas ciências e artes dos homens. E partimos para Nova Iorque, e depois para Madrid. E tivemos essa longa espera das consultas, dos exames, das análises, dos relatórios, das esperanças alimentadas e perdidas, das histórias dos amigos próximos solidários que vêm com uma casuística de receitas e curas. Partilhámos isto tudo com ela, mas ela – sendo a vítima – foi sempre a mais corajosa e a mais desprendida de todos nós.
 
Ela rezava as suas devoções antes de dormir e eu muitas vezes rezei com ela. Nunca nessas longas semanas pediu a cura; pedia que se fizesse a vontade de Deus. Aceitava pedir pequenas coisas: para ter apetite; para não ter náuseas depois da quimioterapia; para ter ossos e cabeça no dia seguinte, para cumprir as suas obrigações profissionais – e ir ao Parlamento, ir à Renascença, ir ao debate da SIC, aguentar a campanha eleitoral, escrever o artigo para o DN.
 
E estar presente com a sua extrema atenção como mulher, como mãe, como avó, como dona de casa, nas grandes e pequenas tarefas, nas rotinas todas.
 
Ela que era a pessoa mais modesta do mundo e gastava metade do que ganhava nas suas “caridades”. Tinha a sua economia pensada e articuladas para a velhice. Com a doença e os tratamentos dizia, solta, a rir e a sorrir - “se duro muito, gasto o que tenho com a doença e depois vais tu ter que me sustentar.”
 
Vivi isto tudo com os nossos filhos – o Eduardo, a Catarina, a Teresinha - e também com a Helena, o Martim e o Tiago. E com as minhas cunhadas Maria João e Sumsum, e com a minha sogra, Maria José.
 
Mais que todos com a Teresinha porque estava na linha da frente, estávamos os dois com a Zézinha em casa e, talvez por isso fomos os que alimentámos mais esperanças.
 
A Teresinha e eu, nesta linha da frente, tínhamos que ser mais esperançosos que os outros. Vigiávamo-nos e ajudávamo-nos, atentos a quando o outro ia a cair. Como dois Cireneus, mas quem levava a Cruz era a Zezinha.
 
Escolheu – ela escolheu e nós seguimo-la – viver habitualmente esta tragédia. Nós às vezes revoltávamo-nos e pensávamos que Deus estava a escrever por linhas tortas, muito tortas. Sentíamo-nos na sua cela da morte, e pedíamos – nós – graça e clemência. Mas ela continuou a aceitar com simplicidade, com modéstia, com aquele seu sorriso que era a coisa mais luminosa do mundo, quase a pedir desculpa por estar doente, por nos preocupar, por nos mudar a vida.
 
Uma ou duas vezes houve episódios positivos, animadores, que quase a perturbaram. A resignação é comovente, mas a esperança – sobretudo nos resignados - ainda é mais. Nela, a esperança guardou-a para outras coisas. Em nós houve sempre esperança quase até ao fim. Acreditamos num Deus que faz milagres, que ressuscita mortos, porque não havia de curar enfermos.
 
Desta vez não curou. Há dez dias, mais ou menos, tudo se precipitou, vieram as más notícias do TAC de avaliação; já nos tínhamos apercebido que tudo estava pior, pois ela perdia mais e mais forças, os olhos perdiam o brilho, a vida ia desaparecendo. E só essa sua coragem e vontade de espírito a mantinham de pé.
 
Conhecia-a há mais de quarenta anos, no dia 12 de Março de 1970. Íamos fazer quarenta anos de casados no próximo mês de Janeiro e ela faria 60 anos em 23 de Março.
 
A vida a dois é uma vida difícil, mas conseguimos chegar juntos até que a morte, nos separou. Foi uma longa vida em que estivemos juntos em tudo o que de importante, bom ou mau, nos aconteceu – ou ao nosso país, ou à nossa família.
 
Mas estes quase cinco meses finais na sua dor e esperança, mais que uma descida para um abismo – que também foram – transformaram-se numa escalada para além da dor, uma subida de um calvário muito particular. Um calvário de alguém que pela fé, pela entrega aos outros, pelo amor aos mais fracos, pela caridade evangélica, acabou por seguir como sempre aspirava, o caminho de Cristo.
 
Sempre sem medo, nem da doença, nem da dor, nem do fim, porque ela acreditava que esse Cristo, esse Senhor era o seu pastor, e que por isso nada lhe faltaria ao atravessar o vale das trevas. Não faltou. Falta-nos ela a nós».
publicado por Theosfera às 21:22

Disse-me que era ateu.

 

E notei que acreditava, firmemente, no que dizia.

 

Logo, era crente.

 

Importante é acreditar.

 

Deus está sempre perto. Mesmo daqueles que se consideram longe.  

publicado por Theosfera às 20:56

Estamos saturados do bulício. Mas continuamos atropelados pela agitação.

 

Do que precisávamos, nesta altura, era de silêncio. Mas acabamos por procurar (ainda) mais ruído.

 

Após as correrias do trabalho, eis as correrias das férias.

 

Importante seria parar. Mas continuamos a correr. Ainda para mais longe. Para mais longe de casa. Para mais longe de nós?

 

Os destinos de férias são mais distantes que os locais de trabalho. Mais distantes e mais devoradores. Se o trabalho não nos dá o que merecemos, as férias acabam por nos levar muito daquilo que nos (faz) falta.

 

E só no final nos apercebemos de que, no fundo, nem as férias nos oferecem o que das férias esperamos. Dão-nos diversão, quilómetros, multidões. Mas não nos conseguem dar descanso, nem serenidade.

 

Partimos cheios e, muitas vezes, voltamos vazios. Partimos cheios do trabalho, cheios do ambiente, quiçá cheios das pessoas. Voltamos vazios. As praias ficaram, as diversões ficaram, as horas prolongadas de sono ficaram. Que voltou connosco? O vazio. E muito tédio. E mais cansaço.

 

Vivemos, enfim, em permanente défice de produtividade. Não mostramos muita produtividade no trabalho. E (vá lá saber-se porquê) não conseguimos mostrar muita produtividade no descanso.

 

Cansados estamos antes das férias. Cansados continuamos a estar depois das férias.

 

Tudo isto mostra que carecemos de alternativa e não de mera alternância. Temos necessidade não só de locais diferentes, mas sobretudo de aitudes renovadas.

 

Talvez um pouco de solidão e um suplemento de recolhimento nos ajudem a reencontrar-nos neste tempo sem tempo e nesta vida que nos vai levando - velozmente! - para fora da vida.

 

 

publicado por Theosfera às 19:18

Entre a Somália, o Quénia e a Etiópia, há um «Portugal» em risco de desaparecer.

 

São dez milhões de pessoas que a fome pode matar, nos próximos meses, nestes países.

 

As equipas de socorro estão a ter dificuldade  em chegar às populações. Há milícias que impedem o acesso.

 

A realidade já é cruel. A indiferença pode ser letal.

publicado por Theosfera às 12:06

A riqueza dos mais ricos está a aumentar. A pobreza dos mais pobres também está a crescer.

 

Pelo meio, a actualidade mostra que a crise está marcada por boa dose de policromia.

 

Há quem viva já com muitas dificuldades. Há quem mantenha os mesmos hábitos.

 

Há padrões de consumo que não baixam. E, ao mesmo tempo, há necessidades básicas que começam a não ser satisfeitas.

 

Este é um tempo favorável à reflexão. Mas a necessidade de diversão está a engolir esta prioridade.

 

Penso que Jesus encerra um paradigma de vivência que urge levar à vida.

 

Uma ética assente na verdade, na sobriedade e na partilha desponta como uma urgência para estes tempos.

 

A propósito, vem-me à mente o célebre livro de Laurie Beth Jones, apresenta Jesus como um CEO (Chief Executive Officier).

 

Da mensagem de Jesus são extraídas propostas para a vida empresarial, assentes num vector humanista que começa a escassear.

 

Realce para o último tópico: Jesus sabia que ninguém ganha enquanto não ganharmos todos.

 

É este o punctum saliens: enquanto houver alguém a passar mal, nenhum desenvolvimento pode ser dado como consolidado.

 

Jesus falou-nos do mundo como uma casa com uma mesa onde tem de haver lugar para todos. Para todos!

publicado por Theosfera às 11:17

Não é só Deus que nos surge como mistério. Também a humanidade é um mistério para todos. E cada ser humano não deixa de ser um mistério para si mesmo.

 

É por isso que precisamos, amiúde, de recorrer a outros para decifrarmos um pouco o enigma, para nos conhecermos melhor.

 

Isto não acontece apenas com as pessoas. Acontece também com os povos.

 

Surgiram, recentemente, dois livros sobre Portugal, escritos por estrangeiros: um inglês e um francês.

 

Ambos gostam de nós, o que não impede algum espanto por certas coisas que vêem por cá.

 

Barry Hatton fica surpreendido pelo facto de os portugueses se exasperarem mais com as filas do trânsito do que com a corrupção.

 

Também Michel Cartier anota essa instituição que dá pelo nome de cunha, acrescentando a lentidão e o acordo ortográfico.

 

A propósito: «Os portugueses reconhecem que a língua portuguesa é tão rica que acham difícil - além de falá-la - escrevê-la (e, portanto, lê-la) correctamente».

 

publicado por Theosfera às 10:57

A partir de certa altura, impressiona mais a morte dos outros do que a nossa própria morte.

 

A morte dos outros perturba-nos. A nossa própria morte pacifica-nos.

 

Vamo-nos habituando a essa inevitabilidade e vamos até contando as vezes que lhe conseguimos escapar. Bem vistas as coisas, levamos muito tempo a morrer. Só que (como asseverava Eugene Ionescu), consegue-se.

 

Montaigne dizia que a filosofia é aprender a morrer e Zubiri entendia que viver é existir constitutivamente frente à morte.

 

Descodificando, do que se trata, nestas frases, é de um apelo a reaprender a viver. A nossa peregrinação pelo tempo não é interminável. Importa não adiar o essencial. E é fundamental não desperdiçar energias. Ninguém fica aqui para sempre. O que fica, quando já não estivermos, é o rasto do que fomos.

 

No fundo, trata-se de um horizonte que temos à nossa frente. Não sabemos a sua duração. O importante é que a morte nos encontre envolvidos na prática do bem.

 

A certeza da morte dá um acréscimo de premência à questão do sentido. Andamos aqui para quê? Só o bem depõe a nosso favor.

 

Quanto ao momento da morte, não vale a pena preocuparmo-nos muito. Apesar de estarmos seguros da sua vinda, nenhum de nós fará a experiência da sua morte.

 

Era, aliás, por este meridiano que alinhava o conselho de Epicuro. Dizia, mais ou menos, isto em relação à morte: quando nós estamos, ela ainda não está; quando ela estiver, nós já não estamos.

publicado por Theosfera às 10:39

O poder das ideias não é, por si só, uma garantia diante dos eventuais desmandos das ideias do poder.

 

O caso da Noruega demonstra à saciedade que há ideias que agridem, que aviltam e que matam.

 

As ideias (tal como o poder) têm de estar submetidas ao escrutínio da razão e do bom senso.

 

Uma vez, porém, que os critérios são tão variáveis (e, como se vê, alguns mostram-se completamente avariados), é preciso assentar numa regra elementar.

 

E esta encontra-se no fundo da alma humana e no coração de todas as culturas: não faças aos outros o que não queres que te façam a ti.

publicado por Theosfera às 10:33

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