O ar parece amargurado, embora o tom se mantenha sereno.
Mikhail Gorbachev, numa entrevista que tem passado na RTP, confessa-se realizado, mas deixa no ar alguma tristeza.
Chegou ao topo com um propósito de mudança, mas quando em jogo estava sobretudo o poder.
Não fugiu à lei da história. Uma ditadura, quando se reforma, deforma-se. Deixa de ser o que é. Implode. Ou fazem-na explodir.
Gorbachev foi alguém conduzido pelos acontecimentos que, como ninguém, ajudou a desencadear.
É irónico que tenha sido um hiperconservador (como Andrei Gromyko) a incentivar a ascensão de Gorbachev.
Recordo a esperança que atravessou o mundo com a aurora daqueles tempos. Mas nem o mais optimista achava que 1989 seria o ano de todas as quedas. Como veio a dizer Edgar Morin, foi a omnifragilidade da omnipotência.
A hora da história pode mais que a força das armas. Em 1968, o socialismo de rosto humano, de Dubchek, foi esmagado. Vinte anos depois, a semente deu os seus frutos.
Gorbachev dava sinais de ser demasiado heterodoxo para assegurar a ortodoxia do regime que liderava.
Não espanta que (é a parte mais comovente da entrevista) que tenha assumido que a maior felicidade foi quando conheceu a sua esposa, Raissa. Trata-se de algo impensável para um sistema daqueles.
O amor entre os dois extravasou para a história.
No final, o amor vence sempre. Pena que seja apenas no final.
Só que em cada fim emerge sempre um novo começo.