1. Para muitos, a vida assemelha-se cada vez mais a um palco onde todos acabamos por representar um papel.
Quem representa espera ser aplaudido. Daí a tendência para que o comportamento responda às expectativas.
A primeira (e principal) consequência desta atitude é o esbatimento da autenticidade. Há quem queira mais um riso forçado do que uma lágrima sincera. Apenas para causar impressão.
Há pessoas que podem andar melancólicas, mas, quando se encontram com outras, lá vão simulando uma presumida alegria.
Será que já reparámos devidamente nas figuras tristes que fazemos só para parecer que estamos alegres?
Aliás, um dos conselhos que se dá, a quem for a uma entrevista de emprego, é que mostre um sorriso de autoconfiança.
Enfim, parece que a sociedade não tolera a tristeza. Além do pensamento único, teremos sentimentos dominantes?
Não há dúvida de que é preferível estar alegre a estar triste. Creio que ninguém está triste por opção deliberada. Mas o respeito pelo outro não deverá conduzir à aceitação dos seus estados de espírito?
Recordo o impacto que causou, há tempos, o convite que alguém fez numa reunião: «Quem estiver triste, é melhor sair daqui».
Aliás, a célebre oração atribuída a S. Francisco de Assis pede a Deus que se coloque alegria onde houver tristeza.
E dá-se até o caso de, em algumas listas dos sete pecados capitais (como a de Evágrio de Ponto), constar a tristeza.
Será que a tristeza, por muito que nos doa, não tem mesmo nada de positivo?
2. Um jornal deste dia traz um curioso apontamento em torno deste tema. Aí se diz que «a tristeza é útil e necessária para resolver conflitos internos», podendo tornar-se, por vezes, «o motor da criatividade e da capacidade de lidar com o mundo».
Ela pode ser inclusive uma «condição fundamental da saúde mental», pelo que as crianças devem ser estimuladas a lidar com ela.
Quem não se lembra de António Nobre apresentar o seu Só como «o livro mais triste que há em Portugal»? Alguém será capaz de pôr em causa a valia dessa obra?
Jaime Milheiro considera que «só poderá gozar de boa saúde mental quem puder sentir-se triste, quando for o caso». É que «só poderá saborear as verdadeiras alegrias da vida quem tiver a capacidade de se entristecer e de se percorrer em tal sentimento, sem obrigatoriedade de lhe fugir».
Segundo Pais Ribeiro, um dos efeitos da tristeza é «promover um estilo de raciocínio analítico que permite uma grande atenção ao detalhe em que a informação é processada».
A tristeza, acrescenta, «facilita a concentração e a análise, possibilita uma melhor resolução de dilemas sociais e parece ser uma consequência do reportório cognitivo da evolução humana».
Motivo? Uma vez que «a análise consome muito tempo e requer um processamento sustentado, a tristeza facilitaria o enfoque no problema e na sua resolução».
O certo é que um dos melhores professores que tive exibia sempre um ar triste e um porte melancólico. Ao primeiro contacto, intimidava. Mas a forma como dissecava os problemas fascinava completamente os alunos.
Era uma pessoa triste, mas muito delicada, atenta aos pormenores. Em suma, era alguém que entrava na profundidade: na profundidade das questões e na profundidade da nossa alma.
3. Acontece que, hoje em dia, estamos voltados para o sucesso, seja a que preço for. A tristeza é vista como sinónimo de frustração pelo que subsiste a propensão para a sua dissimulação.
Ressalve-se que a tristeza não é o mesmo que a depressão. A tristeza pode passar a depressão se houver uma fixação no pensamento e na vida do sujeito, não conseguindo este pensar em mais nada.
Feita a ressalva, é preciso respeitar e acolher as pessoas como elas são. Ninguém deve ser formatado. Quando a tristeza surge, não há que entrar em pânico.
Aliás e como defendia Eric Wilson, «a tristeza ensina a ver a realidade». Talvez por isso Zita Seabra tenha notado que «se aprende muito com a tristeza».