1. É tarefa cometida ao novo Governo aplicar medidas, as medidas decididas pela troika. Mais importante, porém, que aplicar medidas será eleger uma prioridade. E esta só pode ser a educação.
Quando se fala de educação, a tendência é para pensar, imediatamente, no ensino e na escola.
Acontece que a educação é mais que o ensino e ultrapassa em muito a escola.
A educação envolve toda a formação e abrange todas as instituições.
Não se pode, pois, limitar a educação ao conhecimento e às competências que ele oferece. Ela é um compósito que não pode deixar de lado a sabedoria, os valores e os princípios, o comportamento e as atitudes.
A qualidade da educação não se afere unicamente na escola. A qualidade da educação afere-se na vida. E enquanto na escola, as avaliações são periódicas, na vida a avaliação é permanente. De facto, na vida, estamos sempre em teste. A vida é, ela mesma, um grande e constante teste.
A educação desponta, por isso, como um processo triadocêntrico cujos pólos são a família, a escola e a sociedade.
A educação é um itinerário que começa na família, passa pela escola e desagua na sociedade. Se a aliança entre estes elementos falha, é todo o percurso que se ressente.
2. Acontece que uma enorme ebulição atravessa todo este universo. Como era de prever, as transformações sociais afectaram a família e a escola.
Muitas das mudanças culturais foram incorporadas pela família e pela escola. O problema está na falta de critério e na ausência de discernimento.
O caminho tem sido mudar e, só mais tarde, reflectir. Ora, isto reduz o estatuto de liderança da educação. Em vez de ser a educação a transformar a realidade, é apenas a realidade que transforma a educação.
Tem havido sucessivas reformas na educação. Porventura, é chegado o momento de reformar a própria reforma, de a repensar e de a desdogmatizar.
Neste sentido, é de esperar que não se estigmatize quem ousa questionar o pensamento dominante.
No balanceamento de avanços e recuos, é importante que se olhe não somente para o que se ganhou, mas também para o que se perdeu.
3. Basicamente, perdeu-se a tradição e perdeu-se a autoridade. Esta percepção, que hoje salta à vista, era já verbalizada em 1957 por Hannah Arendt.
Isto nem sequer configura uma opção conservadora, coisa que a filósofa judia afastava liminarmente.
Pelo contrário, ela achava que, «para preservar o que é novo e revolucionário em cada criança», era necessário ajudar a fazer a mediação entre o antigo e o novo. Ora, isso passa por «um extraordinário respeito pelo passado».
De facto, só pelo conhecimento do antigo, chegaremos a conhecer o novo. Facilmente se compreende que o novo só é novo em relação ao antigo.
Por sua vez, a autoridade encontra-se seriamente debilitada em função de uma equivocada concepção do princípio da igualdade.
Tal concepção procura «igualar ou apagar tanto quanto possível a diferença entre dotados e não dotados, entre alunos e professores».
O objectivo passa a ser mais favorecer a integração do que estimular o talento e premiar o mérito.
Acresce que o crescente nivelamento entre todos os intervenientes do processo educativo é feito «à custa da autoridade do professor e em detrimento dos estudantes mais dotados».
4. A esta luz, são veiculadas algumas ideias que Hannah Arendt considerava perniciosas.
A primeira é a de que o mundo dos alunos é autónomo e que estes se podem governar a si próprios. O adulto será um mero facilitador da organização e, neste caso, da aprendizagem.
O aluno tende a ser visto mais como membro de um grupo do que como uma pessoa. A autoridade com que ele se confronta é, em primeira instância, a da maioria do grupo. A reacção «a esta pressão tende a ser ou o conformismo ou a delinquência juvenil e, na maior parte dos casos, uma mistura das duas coisas».
Outra ideia denunciada tem que ver com o ensino. A ciência do ensino propende a desligar-se da matéria a ensinar. A formação privilegia mais o ensino do que o domínio de um assunto particular. O professor não precisa de conhecer a sua disciplina. Basta que «saiba um pouco mais do que os seus alunos».
Finalmente, Hannah Arendt critica a ideia de que «não se pode saber e compreender senão aquilo que se faz por si próprio».
A consequência imediata é a substituição do aprender pelo fazer. «O resultado é uma espécie de transformação das instituições de ensino geral em institutos profissionais».
Tais institutos são importantes para aprender coisas práticas, mas revelam-se «incapazes de levar as crianças a adquirir os conhecimentos requeridos por um normal programa de estudos».
Outra decorrência desta ideia é a crescente cedência da aprendizagem convencional pelo jogo. «Considera-se o jogo como o mais vivo modo de expressão». Sucede que este método acaba por manter a criança num nível infantil. Aquilo que «deveria preparar a criança para o mundo dos adultos, o hábito adquirido de trabalhar em vez de jogar, é suprimido em favor da autonomia do mundo da infância».
5. Tudo isto compromete o desígnio principal da missão educativa: preparar para a vida.
É vital ter em conta que «o mundo é mais velho, sempre mais velho do que nós, pelo que aprender implica, inevitavelmente, voltar-se para o passado».
Urge, portanto, vencer a nuvem de preconceitos que povoa o universo da educação. É preciso reinstaurar o elo perdido entre a família e a escola. É fundamental voltar a apostar no professor como mestre do saber e exemplo do agir. E é decisivo que, pelo menos, o Estado não ponha em causa a sua autoridade. Sem autoridade até a confiança se quebra.