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Sábado, 28 de Maio de 2011

Não levem a mal, mas tenho de fazer esta confidência.

 

Dói muito quando se liga a televisão e se vê um povo que se arrasta à volta dos líderes na esperança de ser esclarecido, mas que acaba por ser (apenas) entretido.

 

Ainda gostava de saber quantos votos pode trazer a presença a pedido de um futebolista, a subida encenada a uma cerejeira, a pintura de uns murais ou de umas escadas.

 

Se alguns votos traz este tipo de acção, então é porque a nossa cultura cívica está muito longe da maturidade.

 

É por isso que, nesta campanha, não é apenas a política que está em jogo. É também a cidadania que está em questão.

 

Lembrei-me de Fernando Pessoa e da sua amargura perante alguns dos nossos atavismos: «Conhecemo-nos todos, ou é como se nos conhecêssemos. Por isso avaliamos do trabalho de um ou de outro segundo a nossa simpatia ou antipatia por ele — simpatia ou antipatia baseadas em elementos totalmente estranhos a esse trabalho: aspecto físico, rivalidade pessoaI, política. Se falar em António Correia de Oliveira a um republicano, por culto que seja, já sei que dirá mal dele como poeta, porque é conservador. Se falar de Aquilino Ribeiro a um monárquico, por culto que seja, já sei que dirá mal dele, porque é radical. E se em um caso ou outro não disser mal, é porque sucede ser amigo dele. Assim tudo se traduz, em fim, numa política de campanário arruinado».

 

Parece que temos fazer determinadas coisas porque nos habituámos a elas ou porque podemos ser penalizados se não as fizermos. Parece que não podemos ser autênticos. Parece que temos de representar. Parece que temos de criticar o outro e de nos elogiar a nós. Que seja verdade ou mentira, pouco importa.

 

É certo que a política também é feita disto, mas entristece ver como a substância de tudo fica à porta de uma campanha.

 

O que se passa no país está a ser acompanhado lá fora. Com espanto. E com preocupação. Será que só nós não damos conta da gravidade do momento? 

publicado por Theosfera às 18:48

1. Na altura, caminhava a década de 1980 para o seu fim, achei que, apesar do brilho da escrita, o seu conteúdo enfermava de um pessimismo impenitente.

 

Em A era do vazio, Gilles Lipovetsky apontava algumas das tendências que, então, emergiam mas que, depois, se tornaram uma espécie de dogma comportamental.

 

As instituições estavam em queda. O individualismo encontrava-se em marcha. A sedução sobrepunha-se à convicção.

 

Hoje, noto que o filósofo de Grenoble, afinal, lera a realidade com atenção. As suas palavras, no fundo, nem sequer revelavam um especial conhecimento. Mostravam, sim, um profundo reconhecimento. Limitavam-se a descrever com acerto o que o quotidiano apresentava. Não se refugiava na torre do conceito. Mergulhava no caudal, torturante, da vida.

 

 

2. Há poucos meses, Lipovetsky esteve em Portugal. Interpelado pela imprensa, verteu as suas impressões sobre a actualidade.

 

A colonização continua a ser um fenómeno. Só que já não se faz através dos exércitos. Faz-se através «da atracção, da sedução».

 

Não é preciso entrar num país com armas para o dominar. Basta entrar nele com produtos comerciais.

 

O mundo já não é bem uma aldeia, como vaticinara Marshall McLhuan. Tornou-se, tão somente, um mercado.

 

O seu poder é imenso e a sua influência nem sequer é demasiado subtil. É sobretudo muito perigosa.

 

Se repararmos bem, já não é a democracia que tutela o mercado. É o mercado que tutela a democracia.

 

É o mercado que dita regras e impõe leis. «O poder do mercado estrangula a liberdade da governação. Hoje em dia, há uma hipertrofia do mundo capitalista que faz a democracia perder o poder que tinha».

 

Já não é a política que manda. Temos todos «o sentimento de que a democracia é fraca em comparação com o mercado. Há como que uma impotência política por oposição à hiperpotência económica».

 

De certo modo, fomos nós que criámos este tipo de situação, este tipo de mercado. Mas, no presente, é este tipo de mercado que nos está a moldar a todos.

 

O mercado permite-nos satisfazer necessidades básicas. Mas a evolução que tomou impede-nos de realizar as nossas aspirações.

 

É que, talvez sem darmos conta, deixamos de ser cidadãos para nos transformarmos em consumidores.

 

O mercado foi um sonho que se está a tornar um pesadelo. Começámos por ver realizadas necessidades materiais e, de repente, verificamos que há um limite para a sua continuação. O desejo de ter rapidamente degenerou na ambição de possuir.

 

 

3. Na hora presente, tornamo-nos críticos do modelo que desenhámos. Mas nem assim conseguimos sair do cerco em que nos enredámos. Denunciamos o consumismo, mas não paramos de consumir. E sofremos imenso quando não consumimos tanto como gostaríamos.

 

Acompanhamos as revoluções no exterior, mas porventura não nos apercebemos da revolução que se vai operando no nosso interior. É que, no fundo, substituímos a felicidade pela satisfação.

 

A felicidade preenche-se com ideais. Já a satisfação limita-se aos produtos. A felicidade não dispensa o bem. A satisfação alimenta-se de bens.

 

Em suma, o mercado acena com a felicidade, mas apenas nos dá a satisfação. E, mesmo aqui, a tendência é para diminuir. A sastisfação é cada vez menor e, pelos vistos, para cada vez menos.

 

 

4. Num mundo dominado pelo mercado, tudo tem um preço e nada parece ter valor.

 

Como assinala Lipovetsky, «o mercado tem uma lógica que faz com que não se ocupe dos valores». O seu objectivo é o lucro. A sua motivação é a concorrência. Aqui, «não há valores éticos».

 

Deixámos de aspirar pelo melhor para nos concentrarmos no mais: mais dinheiro, mais dinheiro, mais dinheiro.

 

Para muitos, «não há outro fim. É o dinheiro pelo dinheiro, ganhar por ganhar. Se não ganhas, morres. A moral não existe neste terreno».

 

Daí a sensação de «uma ferida democrática que se manifesta numa decepção democrática». Há um grande afastamento e uma enorme «desconfiança em relação aos políticos».

 

As pessoas votam cada vez menos até porque sabem que a decisão não está na política. Está na economia. Está nos mercados.

 

 

6. Para Lipovetsky, a espiral dominadora do mercado e a vertigem do consumo ainda não pararam. Ainda estão na fase ascendente. E não vão ser a ética e a moral a deter o movimento.

 

Actualmente, somos impotentes para fazer recuar a loucura do consumo. E não haverá qualquer possibilidade? Só por uma «transformação do sistema escolar que leve as pessoas a encontrar um sentido para a vida para lá do consumo».

 

Por muito que nos iludamos, «o consumo não foi concebido para nos dar felicidade. O consumo significa apenas satisfação. A prova é que se pode consumir sem que se esteja feliz». 

 

Quando não se pode consumir, nem felicidade nem satisfação. E o certo é que parece que vivemos num mundo de infelizes e de insatisfeitos.

 

Há, pois, que apostar num novo paradigma de existência, menos dependente das coisas materiais. Precisamos de um novo espírito, de maior interioridade, de mais lucidez.

 

Precisamos, enfim, de reencontrar a nossa alma.

 

 

publicado por Theosfera às 18:20

«As pessoas normais não sabem que tudo é possível».

Assim escreveu (pertinente e magnificamente) David Rousset.

publicado por Theosfera às 17:21

Nada como ouvir (ou ler) um homem grande para melhor entender um grande homem.

 

Zubiri dizia, humildemente, que «o menos mau de si mesmo» a Ortega o devia.

 

Olegario González de Cardedal notava que o teólogo tem de aliar a «complexidade da inteligência» à «simplicidade do coração».

 

Trata-se de um apelo, mas que também pode ser visto como um reconhecimento.

 

Andrés Torres Queiruga incorpora, belamente, aquela síntese.

 

Aliás, é difícil encontrar alguém como ele onde as duas dimensões se casem tão harmoniosamente.

 

Torres Queiruga é alguém que se impõe por uma inteligência fulgurante e que se destaca por uma cordialidade absolutamente tocante.

 

Para ele, o Cristianismo não é uma trincheira nem uma cave, onde se refugiem os últimos (supostos) fiéis. 

 

Para ele, o Cristianismo é uma janela por onde todos os ventos passam e uma fronteira onde todos os olhares se cruzam.

 

Torres Queiruga não se limita a reproduzir as respostas de sempre. A sua prioridade é escutar as perguntas de hoje.

 

Daí a sua preocupação em repensar, palavra que aparece no título de algumas das suas obras.  

 

É preciso repensar (voltar a pensar) a fé, a criação, a redenção, a ressurreição, o mal.

 

Não quer dizer que as respostas de outrora não tenham validade. O problema é que tais respostas podem não corresponder às perguntas de hoje.

 

Torres Queiruga é, antes de mais, um homem atento, afável.

 

As suas obras deixam transparecer, acima de tudo, as inquietações do presente.

 

A sua pretensão não é resolver todos os enigmas, mas dar eco a todas as preocupações.

 

Espanta, por isso, que um homem que tanto se tem empenhado em compreender seja, tantas vezes, incompreendido.

 

Mas esse é um dos mistérios não decifrados do nosso tempo. De todos os tempos?

 

A teologia e a cultura têm uma dívida de gratidão muito grande para com este homem de vistas largas e horizontes vastos.

 

Com ele, aprendemos não apenas o valor da resposta, mas também a importância da pergunta e a centralidade da procura.

 

Andrés Torres Queiruga completa, neste dia, 71 anos de vida.

 

Os parabéns são de nós para ele. Mas as prendas são dele para nós: as suas obras, o seu testemunho, a sua fé, a sua delicadeza, o seu brilho intenso, mas nunca ofuscante.

 

Longa vida!

publicado por Theosfera às 13:45

1. Como é sabido, a humanidade vive, na hora que passa, uma efervescência religiosa muito acentuada.

 

As religiões (as antigas e as mais recentes) não estão circunscritas nem confinadas. Circulam por toda a parte, e a grande velocidade.

 

Desta proximidade nem sempre resulta uma sadia coexistência. A violência visita, com inesperada frequência, o fenómeno religioso.

 

Como escreveu Odon Villet, «nenhuma religião nem o exclusivo da violência nem o monopólio da paz».

 

A perplexidade atormenta os espíritos. Como pode a religião deixar associar-se ao derramamento de sangue?

 

Descansamos, muitas vezes, no vaticínio atribuído a André Malraux: «O século XXI será religioso ou não será». Devíamos, entretanto, acrescentar: «As religiões, no século XXI, serão pacíficas ou não serão».

 

2. À primeira vista, o primeiro impulso é para pensarmos que este género de temas se reporta a algo que acontece lá longe, na esfera das cúpulas eclesiásticas e das cátedras universitárias.

 

Nada mais ilusório, porém. Primeiro, porque, entre nós, já fervilha toda a sorte de vivências religiosas. E, em segundo lugar, porque, em boa verdade, nada hoje está longe. O mundo tornou-se uma imensa aldeia global. Tudo, aconteça onde acontecer, nos diz respeito.

 

Acresce que cada religião, sem pôr em causa a sua irredutível identidade, acaba por acolher uma certa inter-religiosidade ou inreligionação (para usar uma conhecida expressão de Andrés Torres Queiruga), no sentido de que inclui pontos de contacto e pólos de abertura com todas as outras.

 

 

3. Xavier Zubiri via em «todas as religiões uma espécie de cristianismo germinal», afirmação que o teofilósofo espanhol encarava não como denunciadora de sincretismo, mas, ao invés, como indiciadora da transcendência histórica do próprio cristianismo.

 

Daí que a atitude do cristianismo frente às outras religiões nunca possa ser de exclusão, mas de abertura positiva. É que Deus está sempre a revelar-Se, e a revelar-Se universalmente. «Deus está sempre revelado em todos os homens e em todas as religiões. Esta revelação é uma manifestação. Não é uma simples desvelação, mas uma manifestação dinâmica».

 

É neste sentido que o Concílio Vaticano II sustenta — no n. 2 da Declaração Nostra Aetate sobre a Igreja e as Religiões não cristãs —, que a Igreja católica nada rejeita do que nas outras religiões «existe de verdadeiro e santo».

 

Isto não contende com a admissão de diferenças e graus entre elas. Como refere Zubiri, «há diferenças profundas porque se trata de um acesso a Deus do homem concreto e não simplesmente de um homem abstracto».

 

 

4. Não podemos, pois, pautar a nossa atitude pela indiferença ou pelo distanciamento. Temos diante de nós algo que nos toca muito de perto e por onde passa o presente imediato e o futuro mais próximo.

 

Neste contexto, o diálogo pode assumir a forma de comunhão e a comunhão pode revestir a forma de diálogo. Paulo VI, no nº 67 da Ecclesiam Suam, expressa esta mesma vontade ao dizer que «a Igreja quer entrar em diálogo»; por isso, «a Igreja faz-se palavra, faz-se mensagem, faz-se diálogo».

 

É que, ao contrário do que se pensa, as diferenças também unem. Também aproximam. Também criam laços. Também geram paz!

publicado por Theosfera às 12:49

É claro que os poderosos também são gente.

 

O problema é que, para alguns,  os poderosos são gente.

 

publicado por Theosfera às 12:30

Necessário parece ser olhar para cima e aplaudir o líder.

 

Mas importante (e cada vez mais urgente) é olhar para dentro e escutar a consciência.

 

Eis a diferença entre a hipocrisia servilista e a decência libertadora.

 

A dignidade está na coerência. Apenas e sempre.

publicado por Theosfera às 12:10

Uma das novidades destas eleições é o Partido dos Animais e da Natureza.

 

À sua frente encontra-se uma personalidade de grande relevo da cultura portuguesa.

 

Poeta, ensaísta e docente da Faculdade de Letras, o Prof. Paulo Borges é também o Presidente da União Budista Portuguesa.

 

O que poucos saberão é que, como consta do seu currículo, foi professor em Lamego (na Escola da Sé) no ano lectivo de 1983/1984 (cf. aqui).

 

É uma figura que se impõe não pela cultura abarcante, de pendor humanista e densidade teológica, mas também pela simplicidade, pela discrição e pela extrema correcção.

 

Para conhecer melhor o Prof. Paulo Borges, clicar aqui.

publicado por Theosfera às 00:04

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