1. Foi John Kennedy quem disse que, «nas grandes crises, surgem grandes homens».
Daí a sensação de desconforto pelo facto de, na hora presente, não estar a emergir uma referência, uma personalidade de excepção, uma figura que se destaque.
Não se trata de um messias, mas de alguém que acrescente algo ao cidadão comum. Alguém que se imponha não apenas pela sua inteligência, mas pela sua conduta, pela sua coerência, pela sua visão. Alguém que saiba ler os sinais que o tempo vai emitindo e que intervenha com a prontidão necessária.
Sucede que esses grandes homens teimam em não aparecer. Porque não existem? Porque não querem arriscar? Ou porque os caminhos estão tapados?
Às vezes, subsiste mesmo a impressão de que a qualidade e a seriedade constituem uma contra-indicação. Parece que só a vulgaridade compensa.
2. Dizem os estudiosos que nos falta não apenas uma ética, mas também uma épica.
Marcello Caetano prevenira o país, há mais de quatro décadas, para a necessidade de se habituar a ser governado por pessoas normais.
E o certo é que, como alerta Daniel Innerarity, «a actual paisagem política não é determinada pelo estado de excepção, mas por um presente talvez medíocre, talvez desanimador».
Já não há espaço para «a figura do herói» nas suas diversas configurações: «o que sabe, o que decide, o chefe exclusivo, o que unifica ou polariza».
A política está a entrar «num horizonte pós-heróico», em que «as alternativas são menos do que parece».
É claro que tudo isto causa «desconcerto e insegurança». Temos de nos ir despedindo dos «acordos absolutos, das dissensões definitivas, das contraposições rígidas entre nós e os outros».
Uma ruptura pode dar lugar a uma aliança, do mesmo modo que uma aliança pode dar lugar a uma ruptura.
A política deve preparar-se para um futuro «não planificável, mas fundamentalmente incerto».
3. Numa sociedade sem heróis, a identificação com o líder tende a desaparecer e a desconfiança propende a aumentar.
Uma das aprendizagens que urge fazer «é descodificar o discurso, veemente umas vezes para produzir a impressão de diferença, outras vezes para dissimular a semelhança».
A prioridade há-de ser «a gestão civilizada do desacordo em torno das concepções de interesse geral».
É que «o dissenso não exclui o consenso», sabendo, porém, que «a regra é o dissenso e consenso a excepção».
Numa época em que os heróis desaparecem e as referências minguam, resta-nos «escolher entre males».
Não raramente, escolhemos para evitar um mal maior, «para barrar o caminho ao pior».
As expectativas são, assim, cada vez mais baixas e a decepção, pelo contrário, é cada vez maior.
4. Se o líder não pode ser diferente, que, ao menos, possa introduzir alguma diferença. Se não for em competência, que seja em dignidade, em ânimo, em estímulo, em esperança.
O que distingue o líder do comum dos cidadãos será sempre a visão e a decisão. O líder é o que vê antes, decide cedo e, nessa medida, estimula sempre.
O bom líder é o que tira partido das capacidades de cada um. É o que motiva. É o que nunca deprime. É o que sabe aliar o talento ao esforço.
Meditem no exemplo do Braga e vejam se não é de um timoneiro como Domingos (ainda por cima com) Paciência que o país precisa.
Um líder não é tudo. Mas continua a ser muito importante.
Estamos num tempo em que liderar é sobretudo gerir, manter, conservar.
Precisamos de criar um tempo em que liderar seja, acima de tudo, transformar, renovar, alargar, romper muros, semear esperança.