1. Já que, nesta conjuntura difícil, minguam as ideias, que, ao menos, não definhe a esperança.
Não se trata apenas de encontrar uma solução para a crise. Trata-se, antes de mais, de vislumbrar um sentido que nos permita lidar com a crise.
Vaclav Havel disse o essencial quando sustentou que «a esperança não é a convicção de que alguma coisa acabará bem, mas a certeza de que alguma coisa tem sentido, independentemente do modo como acabará».
Como referiu Eduardo Lourenço, Portugal assemelha-se a «um milagre contínuo». Estamos sempre a vacilar, mas ainda não caímos.
Na hora que passa, carecemos, sem dúvida, de ajuda exterior. Mas do que precisamos mesmo é de estímulo interior.
O auxílio mais precioso não é o que virá de fora. É o que partirá de dentro, o que arrancará do fundo. Do fundo da nossa história. Do fundo da nossa alma. Do fundo da nossa identidade.
2. O cenário que nos criaram obriga-nos a criar um novo espírito.
Cada um de nós sabe que vai contar menos com o Estado. Tem de passar a contar mais consigo e com os outros.
Temos, por conseguinte, de aumentar os índices de corresponsabilidade e de justiça.
Enquanto houver pessoas que não disponham do mínimo, a nossa consciência não nos pode deixar aspirar ao supérfluo.
Não é somente o Estado que tem o dever de acudir aos mais necessitados. Esse dever impende sobre todos os cidadãos.
3. Da classe política espera-se, acima de tudo, verdade e elevação.
Não é admissível que se passe o tempo a construir um discurso que se sobrepõe à realidade, ocultando-a.
A propaganda pode ajudar a vencer eleições, mas não contribui para resolver problemas. Só os agrava.
O discurso tem de mostrar aquilo que acontece sem estar à espera que a realidade se torne insustentável.
Depois, é preciso entender que nenhum cidadão pode ser apontado como adversário de outro cidadão.
Da diferença tem de vir sempre a pluralidade e nunca a animosidade.
Hoje em dia, é praticamente impossível encontrar plataformas de convergência entre os principais agentes políticos.
Numa altura em que o entendimento é mais necessário é que as clivagens parecem ser mais intransponíveis.
Sucede que uma diferença não é, necessariamente, um entrave à colaboração.
Raymond Aaron estabeleceu o princípio nuclear a este respeito: «A democracia é obra comum de partidos rivais».
4. É certo que o nosso país já passou por muitas fases complicadas.
Não é sequer a primeira vez que se fazem os diagnósticos mais pessimistas. E não será a última onde a nossa sobrevivência aparenta estar em risco.
Só que isto não pode ser visto como pretexto para descansar. Tem de ser encarado como motivo para mudar.
Porque sempre foi assim não quer dizer que sempre assim tenha de ser. Há que aprender com o passado e não desaprender com o presente.
Uma crise é sempre um alerta. A opção que, hoje, se coloca é se queremos acabar com ela ou se nos resignamos a acabar nela.
Estou certo de que, uma vez mais, iremos reassumir o nosso desígnio.
Embora Steiner avise que «já não temos começos», a experiência mostra que não estamos impedidos de recomeçar.
Aos nossos dirigentes só pedimos que não insistam em destruir pontes e em cavar muros. O futuro é uma construção demasiado grande para ser feita só por alguns.
A 5 de Junho, vamos escolher. Não vamos excluir. É importante que se assinalem as diferenças. Mas esta é a hora de juntar esforços.
Não ocultem, pois, as propostas que eventualmente vos separam. Mas, por favor, coloquem acima de tudo o país que nos une.